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O fruto proibido

O fruto proibido

L.E. Soares

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Capítulo

A fruta mais doce geralmente se encontra no galho mais alto. O que é proibido é mais gostoso, mais especial. E é infinitamente mais difícil de se resistir quando se está ao alcance da mão. Ainda mais difícil é quando tudo na sua vida é novo e regado a hormônios que controlam tudo o que você sente. Victoria foi separada do melhor amigo quando era apenas uma criança. Não apenas seu amigo, Matheus era também seu primo, vizinho e coleguinha de creche. Os dois se reencontram onze anos mais tarde. Não fosse o reencontro algo já intenso demais, Victoria ainda tem seus desejos atirados em um turbilhão de emoções quando flagra sua madrasta em uma atitude nem um pouco esperada.

Capítulo 1 Uma longa viagem

"Se ao menos tivesse sol" pensou a garota que viajava com a testa colada à janela no banco traseiro do Pálio Weekend vermelho que cruzava, com algum trabalho, as estradas esburacadas por conta da chuva.

Seu semblante, no rostinho miúdo, traía enfado e mal humor. Como se não fosse suficientemente ruim ter de passar suas férias de inverno numa cidadezinha no interior de outro estado, seu pai havia decidido, de maneira unilateral, que seria uma boa ideia fazer aquela viagem de carro. Quase mil quilômetros de chão, em companhia questionável. "Ele tinha mesmo que trazê-la? ", pensava, a cada vez que ela abria a boca para falar algo. Não que a madrasta fosse exatamente um monstro ou algo assim, mas tudo nela era lhe parecia sem sal. Não entendia como seu pai se havia enamorado por Sara Ono. Os assuntos que ela trazia à tona sempre lhe soavam completamente descabidos e infantis. Ela era, pelo menos, quinze anos mais jovem do que ele e parecia que nenhuma de suas conversas soavam naturais. E por conta daquilo, Victoria preferia, ao menos mil vezes, ter ficado com a mãe, no Rio de Janeiro.

"Você nunca foi para lá, Victoria. Quanto tempo faz que não vê seu tio e seu primo? Tente tirar algum proveito da situação. Você já tem dezessete anos, aja como uma adulta" A mãe havia dito quando ela pediu para não ir. No fundo, sabia, ela queria apenas passar um tempo sozinha para terminar o tal livro que vinha escrevendo.

A mãe e o pai tinham se divorciado havia pouco mais de um ano. O divórcio havia tido Sara como pivô, o que tornava ainda pior o convívio entre enteada e madrasta. No auge dos seus vinte e cinco, a mulher gozava da exótica beleza asiática, com uma tez pálida, rosto delicado, corpo esguio de curvas suaves e um lindo cabelo preto que lhe caía como uma cascata até o meio das costas. A conversa com ela, no entanto, deixava a desejar. Como se sempre se sentisse obrigada a iniciar uma aproximação, trazia à tona assuntos que julgava ser de interesse comum, estes, porém, sempre acabavam soando enfadonhos em sua voz um tanto estridente demais.

— Quer, Vic? – Sara olhou para trás, estendendo o saco de batatas fritas.

Os olhos escuros de seu pai a fitaram pelo retrovisor enquanto a analisavam de maneira ríspida. Ela sabia do que aquilo se tratava.

— Não. – A negação havia saído mais seca do que tinha ensaiado em sua mente.

Seu pai inclinou o rosto, franzindo a boca em uma reprimenda silenciosa que somente a garota pôde perceber. Ela revirou os olhos, mas, resignada, deu o braço a torcer. Fitou, então, os olhos exóticos da madrasta e respondeu.

— Obrigada. – Um sorriso fingido torceu sua boca, também franzida.

Um longo e desconfortável silêncio se fez presente, mas, foi prontamente ignorado ou despercebido por Sara, que apenas se virou para a frente.

Victoria enfiou os fones nos ouvidos e continuou ouvindo suas músicas enquanto observava a madrasta levar uma batata, de quando em quando, à boca do pai, que sorria bobo toda vez que aquilo acontecia.

A garota os achava completamente díspares entre si. Seu pai era um homem alto de cabelos raspados rentes à cabeça, já havia alcançado seus quarenta anos de idade. Os músculos tonificados e a pele tão escura quanto chocolate amargo o entregavam certo vigor e rusticidade, enquanto Sara tinha uma compleição delicada, sendo pequena e dona de uma aparência quase fragilizada. Seu pai tinha os lábios proeminentes e um maxilar forte e quadrado, enquanto ela tinha os traços suaves e finos, um rosto um tanto arredondado e as mãozinhas com dedos curtos e finos. Enfim, os dois eram heterogêneos demais.

Mas a disparidade não acabava ali naquelas aparências antípodas.

Seu pai tinha um humor ácido, com requintes provocativos em cada gracinha, enquanto ela demorava a captar tiradas maliciosas, sendo inocente ou ignorante demais para demonstrar entendimento. Normalmente era a última a rir das piadas, o que fazia com que Vitoria se sentisse ainda mais irritada e raramente lhe dirigisse qualquer palavra que fosse.

Aquela havia sido uma longa viagem.

— Falta pouco agora. – Seu pai falou numa voz grave e tão alta que pareceu ignorar o fato de que ela estava usando fones nos ouvidos. – Seu tio vai gostar de te ver.

Victoria retirou os fones, não para escutar a voz do pai, mas com medo de não escutar a sua própria quando respondesse.

— Por que ele tinha que ter vindo morar tão longe? – Aquela era uma acusação velada, com um leve ressentimento a despontar em cada palavra, como se estas carregassem um gosto amargo que só aparecia no fundo da garganta.

O pai deu de ombros, não entendendo ele mesmo a explicação para aquela pergunta.

— Antônio sempre foi o diferentão da família. – Falou de maneira misteriosa, como se aquilo pudesse fazer a filha entender o porquê de ela e o primo, que haviam sido criados desde o berço juntos, quase como irmãos, terem sido separados em tão tenra idade.

Um bolo de ansiedade pressionava o estômago de dentro para fora quando pensava em como seria o seu reencontro com Matheus. Com apenas um mês de diferença um do outro, ela e o primo haviam, até os seis anos de idade sido tão próximos quanto poderiam ser se houvessem nascido irmãos gêmeos. O fato de o tio ter vivido na casa ao lado da sua até o falecimento da tia, havia possibilitado que os dois brincassem quase o tempo todo juntos, frequentassem a mesma creche e depois a mesma escolinha. Lembranças que a garota guardava na memória. Ela havia caído doente e doente havia ficado por quase duas semanas quando se viu sem o melhor amigo. Chorara desconsolada abraçada ao coelho de pelúcia que ele havia deixado para trás e perguntava quase todos os dias para o pai quando eles iriam voltar. Nunca mais havia se aproximado tanto de alguém e constantemente se perguntava se o primo guardava, dela, a mesma saudade que ela guardava dele. Apesar de eles terem se encontrado nas redes sociais, nunca haviam trocado em conversas, palavras suficientes para entender como cada um se sentia quanto à distância. E aquela incerteza havia sido um dos motivos de ter tentado tanto evitar aquela viagem.

— Eu achei o Matheus na internet dia desses. Ele não posta muitas fotos, mas parece ter crescido. – O pai comentou, como se a estivesse preparando para o que estava por vir. – Ainda se lembra dele?

É claro que se lembrava. Apenas onze anos haviam se passado. "Seriam, onze anos, suficientes para que ele se esquecesse?".

A garota deu de ombros, tentando parecer indiferente.

— Bruno, cuidado! – A voz de Sara soou estridente, arrancando um susto tanto do pai quanto da filha, que pareciam levemente absortos em lembranças.

As mãos grandes giraram o volante com força, fazendo com que o carro desviasse repentinamente de um galho que havia caído no meio da estrada.

— Seu doido. – Repreendeu a copiloto.

— Me desculpem. – Bruno se desculpou, reduzindo a velocidade.

Uma das bolsas havia rolado para a frente, indo parar sobre o assoalho do carro, rente ao pé de Victoria. A garota levou a mão para baixo, sem olhar, erguendo a bolsa por algo que lhe havia parecido uma pequena alça felpuda. Ela reconheceu a textura e, antes que precisasse olhar para a orelha comprida da pelúcia que havia sido deixada para fora do zíper, já sabia do que se tratava. Seu coração pulsou forte. Havia planejado, em sua mente, a devolução daquele brinquedo desde a infância.

— Segundo o GPS, nós chegamos. – Disse Bruno, depois de algum tempo.

Victoria fitou a porteira de madeira que se erguia sob um portal com um telhadinho de telhas de argila.

Bruno saiu do carro, correndo na chuva para abrir as peças rusticas de madeira, que eram travadas por um arcaico, porém engenhoso, mecanismo de madeira. Um vento gelado entrou pela porta, fazendo os pelos finos da nuca se arrepiarem. Vários pés de eucalipto se erguiam aos lados da estradinha de barro que levava para o interior da propriedade. Um vasto gramado verde se estendia como um tapete sobre a extensão de terra que se desdobrava até um matagal para lá dos moirões. E uma bela, porém singela, casa de madeira indicava o fim da ruazinha mais adiante.

Enfim, haviam chegado.

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