Quando se descobre o verdadeiro amor!
Diz-me uma coisa - disse Hester. - Estás completamente segura de que te queres
casar?
Flora Graham estava distraída a pensar como dar a notícia de que não queria o seu
caprichoso e mal-educado sobrinho como menino das alianças, mas voltou com
rapidez à realidade do restaurante cheio e alegre para responder à sua melhor amiga e dama de honor, que a observava com preocupação.
- Claro que quero - fez uma careta. - Chris e eu fazemos um casal perfeito, tu já
sabes. Não podia ser mais feliz.
- Pois não pareces especialmente feliz - comentou Hester, enchendo as chávenas de
café.
Flora fez um gesto de desespero.
- Espera que chegue a tua vez e verás o que é sentires-te como num circo de três
pistas sem tempo para nada. A minha mãe devia estar surda quando lhe disse que
queria um casamento simples e tranquilo.
- Então, porque não o fazes assim? - perguntou Hester, olhando-a fixamente. -
Porque não pedes ao Chris que tire uma licença especial e dão uma escapadela a
algum lugar para casar? Ficarei contente de ir como testemunha, e quem sabe o
padrinho de Chris possa ser a outra.
Flora ficou a observá-la.
- Porque não podemos. Já nos comprometemos com todas estas despesas.
Decepcionaríamos muitas pessoas. É tarde demais.
-Querida, nunca é tarde demais - o tom de Hester era persuasivo. - E estou certa
de que a maioria das pessoas entenderia.
Flora abanou a cabeça.
- A minha mãe não. E a mãe do Chris também não. Mas não queres ser a minha dama
de honor? Pensava atirar o ramo para que o apanhasses tu.
-Depois de te observar na festa de noivado, penso que não me conviria - disse
Hester friamente. - Não estou preparada para uma crise nervosa. E falando de
compromissos, vejo que não usas a aliança. Será que o teu subconsciente está a
carregar-te com um peso?
-Não. Estragou-se uma das pedras e está a arranjar
-o tom de Flora ficou mais sério. - O que se passa, Hes? Começa a parecer-me que
não gostas do Chris.
-Isso não é verdade, mas ainda que me detestes para sempre, penso que poderias
encontrar alguém melhor.
Floraficou boquiaberta.
-Não falas a sério! Eu amo o Chris, caso não tenhas percebido.
Hester ficou em silêncio uns instantes.
- Flo, conhecemo-nos há muitos anos e já te vi com vários homens, mas nunca numa
relação séria. Claro que isso não é importante. Nunca te deitaste com nenhum e
admiro-te por te manteres fiel aos teus princípios. Sempre pensei que, quando
te apaixonasses, seria com uma paixão que moveria o céu e a Terra, com
fogos-de-artifício e tudo o mais. E não vejo nada disso entre ti e o Chris.
-Fico feliz por me dizeres isso - disse Flora com calma. - Soa-me mal.
-Deveria soar-te bem - continuou Hester. - O amor não é como um casaco quentinho
e velho que ainda se continua a usar porque evita que tenha que se procurar um
novo.
-Mas eu não me sinto assim - protestou Flora. Estou louca por ele.
-A sério? - disse Hester, implacável. - Se é assim, porque não estão a viver
juntos?
-O apartamento necessita de obras. Queremos que seja perfeito. E depois, vai ser
como o meu esconderijo. Os decoradores estão a demorar mais do que o
previsto...
-Isso não é desculpa suficiente para não estarem juntos. Suponho que os custos
das obras não vos permitem dar uma escapadela para um fim-de-semana romântico
no campo...
-Quando estivermos casados, todos os fins-de-semana serão românticos - replicou
Flora em tom de desafio.
-Responde-me com sinceridade - Hester aproximou-se dela. - Se o Chris chegasse
amanhã e te dissesse que queria deixar-te, seria o fim do mundo para ti?
-Sim, seria. Talvez o Chris e eu não sejamos um casal muito carinhoso, mas, quem
disse que é obrigatório andar com o coração nas mãos?
-Às vezes - disse Hester, - não se pode evitar provou o seu café e pegou na
conta. - De todas as formas, se é isso que sentes e tens a certeza daquilo que
queres, não tenho nada mais a dizer. Mas se tens alguma dúvida, eu estarei por
aqui para apanhar os
pedaços. Sal, a companheira com quem divido a casa, foi para Bruxelas por três meses, de
modo que tenho um quarto livre.
- És muito amável em oferecer-mo - disse Flora com doçura. - E não te odeio por
isso, ainda que não seja necessário. Eu pensava que quem tinha que ficar
nervosa era a noiva, não a dama de honor...
- Estaria mais contente se te visse nervosa - replicou Hester. - Ages como se
estivesses resignada ao teu destino, mas não é necessário. És linda e o mundo
está cheio de jovens atraentes, esperando uma ocasião - beijou Flora na face e
sussurrou-lhe enquanto se ia embora: - Se não acreditas em mim, deita um olhinho ao rapaz da mesa do canto. Esteve a observar-te durante todo o almoço.
Flora deveria ter-se ido embora também, mas serviu-se de outro café. Não sabia se
havia de lhe deitar açúcar para se animar. Segundo diziam, o açúcar era bom em
casos de estado de choque, e ela estava atordoada com os comentários de Hester.
Tinha sido apenas um almoço de raparigas para decidir a cor do vestido da sua amiga,
mas o resultado tinha sido incrível. Estava claro que era um assunto em que
Hester andava a pensar há algum tempo e, como só faltava um mês para o
casamento, tinha decidido esclarecê-lo.
"Oxalá não me tivesse dito nada", pensou Flora, mordendo o lábio. "Eu era perfeitamente feliz quando me sentei à mesa. Já tenho coisas suficientes em que pensar, não tenho necessidade de analisar os meus sentimentos por Chris e confrontá-los com emoções que nem sequer sabia que existem. Quero o Chris e
estou certa de que teremos um casamento
bom e duradouro. Isso é muito mais importante do que os fogos-de-artifício do sexo
de que a Hester me falou."
Parecia que a sua mente tentava evitar esse assunto, mas tranquilizou-se ao pensar que,
uma vez casados, tudo funcionaria e ambos se esqueceriam do primeiro fracasso.
Olhou para o relógio. Já era tarde e tinha que apanhar um táxi para chegar ao seu
compromisso seguinte.
Ao sair do restaurante, recordou o que Hester lhe tinha sussurrado ao ir-se embora
e olhou disfarçadamente para a mesa do canto. O seu olhar encontrou-se com o do
jovem que a olhava fixamente.
Atrapalhada, afastou o olhar, mas deu-lhe tempo para perceber que era muito moreno e tinha o
cabelo frisado e mais comprido do que o usual. Era do tipo mediterrânico, de pele escura, faces proeminentes, nariz fino, queixo firme com covinha e boca
sensual. Quando
chegou à rua, pensou, meio divertida e preocupada, que quase podia desenhá-lo de
memória. Lindo serviço lhe tinha arranjado Hes ao fazer com que olhasse para
ele!
Desceu o passeio à procura de um táxi, mas não aparecia nenhum e começou a caminhar.
Em seguida sentiu que lhe puxavam com força a alça da mala, perdeu o equilíbrio
e caiu ao chão. Começou a gritar pedindo ajuda enquanto protegia a cabeça com as mãos, com medo de que o assaltante lhe batesse. Então ouviu gritos, uma
travagem e os passos de alguém que corria.
Ficou imóvel. Ouviu que alguém lhe falava com uma voz grave e um leve sotaque.
- Está ferida, signorina? Quer que chame uma ambulância? Consegue falar?
- Talvez não possa falar, amigo, mas gritar penso que pode. Quase me rebenta os
tímpanos - disse uma voz mais grave. - Ande, ajudo-a a pôr-se de pé.
- Não é preciso - disse Flora, levantando a cabeça e olhando em seu redor. - Eu
consigo sozinha.
- Parece-me que não - disse a primeira voz. Penso que será melhor aceitar a nossa
ajuda, signorina.
Flora voltou-se para olhar para o homem que lhe falava e as suas piores suspeitas
confirmaram-se.
O homem do restaurante estava ajoelhado ao seu lado. Visto de perto, os seus
traços atraentes eram ainda mais devastadores. A sua boca estava tensa, mas
poderia suavizar-se. Tinha os olhos verdes, com reflexos cor de ouro. Cheirava
a água-de-colónia cara e, para escapar aos seus impulsos, Flora colocou-se
rapidamente de joelhos.
- Ai! - exclamou. Ao cair tinha magoado os joelhos e as pernas, e também lhe
doíam os cotovelos e as palmas das mãos.
- Venha, valente! - Era a voz número dois. Um braço forte rodeou-a, ajudando-a a
pôr-se de pé. Quer que a ajude a entrar no táxi e a leve à clínica mais
próxima?
- Táxi? - repetiu Flora. - Eu estava à procura de um táxi?
- Sim, eu vi-a e ia parar quando o maldito a assaltou. Então, este outro cavalheiro
apareceu a voar e o ladrão começou a correr.
- Oh! - Flora olhou para o outro "cavalheiro", que acabava de se pôr de
pé e, sorrindo levemente,
observava-a com os seus fascinantes olhos verdes. Muitíssimo obrigada! Ele inclinou a
cabeça.
- Tem aqui a sua mala. Não levou mais nada?
- Não deu tempo - dirigiu-lhe um breve sorriso de cortesia e voltou-se para o
taxista. - Preciso de ir para Belvedere Row. Tenho que encontrar-me com uma
pessoa e já vou chegar tarde.
- Não acredito que possa ir para um encontro assim - interveio o seu salvador. -
Precisa pelo menos de escovar a roupa e curar as feridas.
Antes
de poder reclamar, Flora encontrou-se dentro do táxi com o estranho sentado ao
seu lado.
- Para o Hotel Mayfair Tower, por favor - disse ele ao condutor.
- Não posso ir! - exclamou Flora. - O meu encontro é na direcção contrária.
- Quando estiver limpa e depois de tratar as feridas, apanha outro táxi - podia
detectar-se um tom de ordem na sua voz. - É um encontro de trabalho? Então é
muito simples. Telefone pelo telemóvel e explique a razão do seu atraso.
- Então, o que vai decidir, querida? - perguntou o taxista. - Para o Mayfair
Tower?
Flora hesitou.
- Suponho que sim.
- Uma decisão sábia - comentou o seu acompanhante. Ela olhou-o com frieza.
- Diverte-se a organizar a vida dos outros? Ele sorriu com ar divertido.
- Só a das pessoas que salvei.
- Não exagera um pouco?
Ele encolheu os ombros poderosos que o fato cinzento acentuava.
Trazia desabotoado o botão superior da camisa de seda cinzenta-clara e afrouxou
o nó da gravata. Media por volta de um metro e oitenta e era esbelto e
musculoso, com umas pernas compridíssimas.
Não só era atraente, mas também muito elegante.
- Então, digamos que lhe evitei o incómodo de perder os seus cartões de crédito e
o seu dinheiro. Para muita gente, isso é uma questão de vida ou morte.
Ela esboçou um sorriso forçado.
- E o meu anel de noivado está na joalharia, de modo que não fico mal vista -
apercebeu-se de que tinha dito uma tolice e apressou-se a mudar de assunto. -
Por que vamos para o Mayfair Tower?
- Por acaso, estou lá hospedado.
-
Então deixo-o lá e depois o táxi leva-me ao meu apartamento para me limpar e
mudar de roupa.
- Receia por acaso que eu me insinue ou algo parecido? - indagou ele, arqueando
as sobrancelhas. Permita-me que a tranquilize. Eu nunca seduzo donzelas em
apuros a menos, claro, que elas também o queiram.
- Parece-me que esta situação o diverte muito...
- Pelo contrário, signorina, levo-a muito a sério. Você está a tentar minimizar a
situação que se passou, mas teve um grande choque e vai ter uma reacção. Não
penso que deva estar sozinha.
- É muito amável - disse Flora, muito tensa. Mas não posso ir consigo. Tem que
entender.
- Devo estar muito lento esta tarde - tirou um cartão da carteira e entregou-lho.
- Quem sabe uma apresentação formal possa convencê-la da minha
respeitabilidade.
Flora
aceitou o cartão e leu-o com curiosidade.
-Marco Valante - leu. E por baixo: Altimazza, Inc. - Olhou-o. - A empresa farmacêutica?
-Conhece?
-Claro - engoliu em seco. - Tem um êxito assombroso. Sempre que as suas acções
estão à venda, o meu noivo recomenda-as aos seus clientes.
-É agente da bolsa? - perguntou ele.
-É assessor financeiro independente. -Ah... e você trabalha no mesmo ramo?
-Oh, não - apressou-se a dizer Flora. - Eu sou assessora de vendas imobiliárias.
Elearqueou as sobrancelhas.
-Vende casas?
-Não directamente. As agências contratam-me para que lhes dê assessoria no que
se refere a como evidenciar as vantagens das suas propriedades aos olhos dos
possíveis compradores. Eu explico-lhes como devem redecorá-las para serem mais
fáceis de vender.
-Suponho que nem sempre será fácil.
-Não é. No grémio costumamos dizer que a casa de um inglês é o seu castelo e que
os vendedores, às vezes, têm que retirar a ponte levadiça. Eu tenho que
convencer os proprietários de que a sua casa já não é o seu querido lar, mas
sim uma mercadoria que querem vender com lucros. Às vezes, é difícil
persuadi-los.
-Acredito - disse ele com suavidade, - que você podia persuadir um monge a
deixar o hábito, minha querida, lá isso podia.
Flora
ficou tensa.
-Por favor, não diga essas coisas.
-Como está a ponto de se casar, já não pode receber elogios de outros homens?
Que discreta!
-Não era isso que queria dizer. Ele fez uma careta divertida.
-E também não podem brincar consigo? Entendo. De agora em diante,
comportar-me-ei como um santo.
Flora pensou que não tinha aspecto de santo, mas de anjo rebelde. Voltou a olhar para
o cartão que lhe tinha dado.
-Você não tem aspecto de ser químico - disse.
-Não sou - disse ele, fazendo uma careta. - Trabalho na secção de contabilidade
à procura de fundos para os nossos projectos de investigação.
-Oh... Isso explica tudo.
Narealidade, não explicava nada, porque também não tinha o aspecto que ela
imaginava ser o de um contabilista.
-Tudo tem que se compreender com facilidade? perguntou ele com doçura. - Nunca
sentiu desejo de abraçar uma lenta e longa viagem de descobrimento?
Flora tinha a sensação de que ele estava a gozar com ela outra vez, mas negou-se a
reagir.
- Estou mais acostumada às primeiras impressões, à reacção imediata. É parte do
meu trabalho.
-E agora que já sabe quem eu sou, considera-me da mesma maneira?
-Oh...Sim, claro...
Flora procurou dentro da sua mala e tirou um dos seus cartões-de-visita. Ele leu-o e
olhou-a com os seus assombrosos olhos, que brilhavam debaixo das pestanas
espessas.