A bela e a fera (mafioso)
, sinal incontestável de que o inverno cairia feito uma praga em Milão, como no ano anterior. Ainda de pé, com uma mão enterrada no bolso e um cohiba fumaçando entre os dedos da outra
má-lo. Ele nunca aprendeu. - Ele ainda não deu notícias, não é? - Formou uma linha com os lábios, como em todas as outras vezes. Virei o rosto para o lado, forçando o maxilar. A simples menção a Karl Vícezzo revirava meu estômago. Mamma Ciça fazia questão de me perguntar sobre ele periodicamente, como se esperasse por um ressurgimento milagroso. - Aconselho esquecer o homem que nos abandonou, mamma. - Continuei apertando os dentes. - Ele não vai voltar e eu não quero que volte. Já falei antes e vou repetir. - Fechei brevemente meus olhos, tentando controlar a raiva. - Meu pai fugiu, mamma Ciça, como um covarde. - Não diga assim, Leon. - Ela rebateu como se a minha fala ferisse sua pele. Não consegui evitar repassar as memórias do funeral da minha mãe e terminei de enterrar, ali, junto a essas lembranças, os últimos vestígios que eu tinha de sua imagem como ser humano porque, como pai ou inspiração, ele já havia morrido há exatos treze anos. - Não vamos mais tocar nesse assunto, encerramos isso aqui. - Puxei a senhora e beijei sua testa enquanto sentia seus braços circularem no meu tronco. - Durma. Não preciso ser vidente para ter a certeza de que estava até agora na cozinha. - Preparei seu ensopado. Espero que coma. - Ela passou as mãos por minha roupa, ainda inquieta, e se afastou devagar, desenhando o caminho até a escada com os pés rasteiros. Com o grande coração que tem, sei bem que ainda espera por ele, mamma. Mas eu precisava dizer. Se eu tivesse a dádiva de obter dois desejos naquele momento, primeiro desejaria vê-lo passar pelo que passei todos os dias durante esses treze anos. E, no fim, assistiria a sua morte. O combo perfeito que me entregaria a satisfação de, além de saber que sofreu, ter certeza de nunca mais ter que olhar na cara de Karl Vícezzo. As luzes do meu escritório iluminavam somente o essencial, minhas mãos sobre a mesa de madeira maciça e as palavras minúsculas mal tingidas nas folhas. Sublinhei as linhas com o dedo indicador, amaldiçoando o papel amarelado e espesso. Era uma lástima em forma de leitura. O banqueiro mais velho insistia em fazer aquilo à moda antiga. Eu já havia me imaginado matando aquele velho em cima de todos os ofícios que ele me emitiu, desde que fechamos acordo, mas isso me faria perder boa parte do investimento naquela escória financeira. Quem sabe depois de tirar tudo dele. Apoiei os cotovelos na mesa e estiquei as pernas. O cabível àquele momento, na verdade, seria o corpo nú de uma ninfeta em cima dos papéis, do pior tipo entre as mulheres, das que abrem a boceta sem se importar com os hematomas no final, com as marcas cor de sangue ou os respingos de porra, afinal essa era uma das partes relaxantes do pódio, ter poder sobre tudo e todos. Se existisse ao menos alguma coisa a que se pudesse chamar de vantagem, esse poder seria uma delas, ter ganhado um sobrenome podre e abominável, mas construído. Ser o fazendeiro numa plantação de propina e criação de gado dourado, não podia estar no roteiro de todos. Estava no meu por um preço alto, pelo meu sangue. Uma batida à porta me tirou do devaneio. Inclinei o corpo em postura, reconhecendo o soldado. - Entre, Luigi. O homem parou na minha frente com a feição submergida a nada. Não me dava sequer vestígios do que poderia ter acontecido à minha melhor colheita do ano, então instiguei o infeliz a abrir a boca. - Perdeu a língua, porra? - Luigi pigarreou antes de se colocar em postura. Coluna ereta, continência e olhos na janela atrás de mim, frescuras de um ex-militar corrupto. - À suas ordens, senhor. Eu já estava tendo o bastante naquela noite e ter que receber o relatório de um soldado em vez do subchefe era o suficiente. - Pule as formalidades. - Ele começou a falar assim que fechei a boca. - Tivemos êxito em duas das investidas. - Quais?de desvio nas cargas. - Dei a ele o pior entre minha coleção de olhares. - Perderam minhas cargas do Nórdico? - Arqueei as sobrancelhas ao infeli