Para recomeçar

Melissa sentia que seu coração sairia pela boca enquanto apressava o passo, o resultado do exame estava amassado e úmido em sua mão de tanto que ela suava. A palavra ‘positivo’ impregnada na sua mente, ela se controlava para não chorar. Como podia ter sido tão ingênua, tão irresponsável… Não queria nem imaginar o que seu pai diria ao descobrir que seria avô. Ela mal havia terminado seu primeiro ano, precisaria de todo apoio e cuidado de Enrique.

Sabia que ele a amava e cuidaria dela e da criança, Melissa e sua família mal tinham onde cair mortos mas Enrique era rico, seus país eram donos de um conglomerado de empresas de várias áreas. Melissa não era interesseira, amava Enrique não pelo que ele tinha mas pelo que ele era. Ela preocupava-se porque teria que abandonar a faculdade de pedagogia para cuidar do bebe, mas sempre poderia retomar a qualquer momento. Precisaria muito de Enrique para passar a noticia a seus pais. Já conseguia até imaginar o olhar de fúria de seu pai.

Ela finalmente chegou ao apartamento de Enrique, ele morava fora do campus para ter mais privacidade. O porteiro que já a conhecia apenas cumprimentou e deixou-a entrar, Enrique morava num prédio pouco luxuoso para o nível de vida de Enrique, com apenas quatro andares mas seu pai contratou uma empresa de segurança para assegurar que seu filho ficaria bem. No elevador ela sentiu como se seu coração fosse sair pela boca, seria uma conversa desconfortável.

Ela bateu a porta e questão de segundos a mesma foi aberta por Enrique, ele estava com o telemóvel no ouvido, numa chamada mas deixou-a entrar e fez um gesto com o indicador para que ela esperasse. Ele vivia num estúdio pequeno demais, mas Enrique sempre dizia que não precisava de muito mais. Ela sentou-se no sofá enquanto Enrique terminava a chamada. Ele pareceu sério enquanto ouvia o que a pessoa dizia do outro lado, ao observar o namorado ela sentiu as familiares borboletas no seu estômago e o coração acelerar. Enrique era o homem mais bonito que ela já viu, alto, musculado, olhos castanhos escuros e covinhas adoráveis que apareciam quando ele sorria mas ele raramente sorria.

- Eu sei pai - Replicou ele ao telefone, ele apertou a ponte do nariz com indicador e polegar e fechou os olhos como se estivesse cansado - Está bem. Tchau.

Ele desligou a chamada e deixou o telemóvel do balcão da cozinha, quando caminhou na sua direção Melissa levantou para abraça-lo. Enrique passou os braços a volta da sua cintura, ela passou os braços a volta do pescoço dele, Enrique a ergueu por alguns segundos.

- Que bom que você veio - Disse ele a tocar seu rosto e dar-lhe um selinho, Melissa sorriu durante o beijo - Sentiste saudades?

- Nós precisamos conversar - Disse ela a tentar desamassar o documento do hospital

- Está tudo bem princesa? - Perguntou Enrique, ela apenas entregou o papel a ele e esperou. Melissa notou a expressão do rosto dele mudar, de preocupação para medo - Tu estás gravida?

- Sim, parece que de seis semanas

- Melissa…

- Eu sei que é inesperado

- É…

- Eu vim o caminho todo a pensar sobre nosso futuro, como as coisas irão complicar mas tenho certeza que no fim tudo ficará bem.

- Nós não podemos ter esse filho. Esse é o pior momento possível Melissa. Tu precisas abortar essa criança.

Melissa o encarou em choque, como poderia ele dizer um absurdo desses, ela recuou com a mão no peito.

- Eu não quero abortar

- Melissa, pensa bem… Tu só tens 18 anos, ainda estamos a estudar. Isso só irá atrapalhar a nossa vida. No futuro poderemos ter mais filhos mas agora não dá.

- No inicio será difícil, eu sei, mas uma criança é sempre uma benção e se tu estás com medo…

- Eu não quero um filho - Interrompeu ele aos gritos, seu rosto estava vermelho e uma veia em seu pescoço estava visível mas seu olhar não transmitia raiva e sim medo, ele estava apavorado e ela não entendia completamente o porque. Ele não iria precisar parar de estudar, não precisaria nem trabalhar porque sua família era milionária.

- Do que tu tens medo?

- Como eu vou chegar para o meu pai e contar que engravidei a minha namoradinha da escola?! Ele vai me matar.

- O teu pai pode até ficar chateado no inicio mas depois ele entende, eu sei que ele irá entender.

- Melissa ou você aborta esse bebê ou você me esquece.

- Enrique, como você pode me pedir uma coisa dessas? É o nosso filho, não iremos passar dificuldades, tua família irá nos apoiar mesmo se ficarem chateados no início mas teu pai acabará por entender. Tu não me amas?

- Então é isso? É um golpe da barriga? Melissa ficou tão chocada que não soube o que dizer por alguns segundos, quando Enrique abriu a boca para dizer algo mais, ela o esbofeteou

- Como te atreves? Eu não preciso te dar golpe nenhum - Gritou ela enquanto lagrimas de vergonha e raiva escorriam pelo seu rosto, ela sentia seu peito apertar de dor - Eu te amo e foi um acidente.

- Se me amas então aborta - Respondeu Enrique com frieza, Melissa baixou o olhar pois não aguentaria a dureza no semblante de seu amado - Se fizeres o aborto tudo ficará bem.

- Por que queres tanto que eu aborte? Por que não aceitas essa situação? Não é como se eu tivesse engravidado sozinha.

- Se tu não abortares então estarás por conta própria, eu não te ajudarei com nada e nem sequer a irei registrar.

- Tu não me amas?

- Decide. Agora! Ou eu ou essa gravidez?

- Porquê? - Perguntou ela finalmente, não fazia sentido nenhum, eles já namoravam há quase um ano, até o dia anterior estavam apaixonados, Enrique tinha sido seu primeiro homem, ela se entregou de corpo e alma e fizeram tantas juras de amor para tudo parecer tão insignificante.

- Porque não quero - Respondeu ele simplesmente, seu tom era tão frio e indiferente que foi difícil reconhecer.

- Eu não irei fazer o aborto.

- Então serás mãe solteira, não me procure mais.

- Isso não faz sentido nenhum. Enrique me diz o porquê, eu preciso entender.

- Eu tenho um futuro pela frente, eu irei herdar a empresa do meu pai e nada irá atrapalhar isso. Entendes? - Enrique amenizou o tom, ele tentou tocar-lhe mas Melissa se afastou enojada - Não achas bem melhor filhos daqui só alguns anos? Estaremos formados e mais estabelecidos. Talvez até lá tenhamos a aprovação da minha mãe e tudo.

- Tu disseste que a aprovação da tua mãe não era importante…

- Eu menti, eu gosto muito de ti Mel mas jamais ficaria contigo sem o apoio da minha mãe. Jamais.

Melissa meneou de modo automático, na sua frente estava um Enrique que ela não reconhecia, ele havia prometido tantas coisas, ele havia jurado que ela era o amor da sua vida e que eles ficariam juntos para sempre mesmo se a mãe dele a odiasse para sempre. Ela suspirou e limpou as lágrimas com violência.

- Eu vou te dar o dinheiro para o aborto, quanto achas que custa? - Sem esperar resposta Enrique correu para o seu guarda-roupa, provavelmente para pegar sua carteira na mochila, sem esperar nem mais um minuto Melissa saiu apressada do apartamento. Ela pensou em chamar o elevador mas logo depois mudou de ideias e decidiu ir pela escada, não conseguia parar de chorar, chegava a soluçar de desespero.

Não se importou com os olhares que recebeu das pessoas na rua enquanto ia até a paragem de autocarro para voltar para seu dormitório, de repente sua mente pareceu dormente. Como pôde se iludir tanto com Enrique, ela o amava tanto e acreditou em tudo que ele dizia. Melissa não queria fazer o aborto, ficaria com consciência pesada se o fizesse. Sentada no autocarro ela passou a mão na sua barriga enquanto tentava imaginar como as coisas seriam dali para frente. Independente do que acontecesse ela decidiu que aguentaria tudo de cabeça erguida, mesmo durante dificuldades não iria desistir e iria se certificar que nunca precisasse dele. Iria esquecer Enrique.

Assim que ouviu a porta de entrada fechar e viu que não havia mais sinal de Melissa ele sentiu alivio e preocupação. Ele não ter sido rude mas um filho iria arruinar sua vida, Enrique não queria o mesmo destino que seu irmão mais velho Icaro. Apesar de mais velho, Icaro era irresponsável e pouco confiável. Seus pais investiram muito na sua educação para ele ser o herdeiro mas ele simplesmente abandonou a faculdade de administração e viajou pelo mundo por algum tempo, quando ele voltou disposto a reconectar com sua família. Seus pais viraram as costas para ele, Enrique tinha medo do mesmo destino. Seus pais eram duros e exigentes, Elena e Mário sempre exigiram demais dele e tinham uma visão perfeita do futuro que esperavam dele e Enrique não queria decepciona-los. Elena sempre expressava quão opositora era sobre o namoro dele com Melissa.Tu mereces alguém do nosso mundo, alguém que irá contribuir para o teu crescimento profissional e essa Melissa não passa de uma golpista.

Na época Enrique ficou furioso com sua mãe e defendeu a namorada com unhas e dentes. Ele recusou-se a falar com sua mãe por vários dias, até Mario falar com ele e amenizar a situação com sua mãe. Eles fizeram as pazes, Elena parou de criticar Melissa mas mal trocava duas palavras com a moça. Enrique se deu por satisfeito e parecia que tudo estava normal até Melissa começar a recusar-se a frequentar a casa dos pais dele e Enrique mentiu e disse que estaria disposto a cortar laços com sua mãe por ela apesar de seu coração não estar na mesma pagina. E agora uma gravidez. Seus pais nunca o apoiariam, sua mãe certamente iria corta-lo financeiramente e depois o que ele faria? Como iria sustentar Melissa e um bebé sem o apoio dos seus pais? Ele esperava que Melissa reconsiderasse e percebesse que o melhor a fazer era abortar, eles ainda eram jovens e poderiam ter outros filhos. Naquela noite Enrique não conseguiu dormir de tanta ansiedade e nervosismo. Durante o semestre seguinte Melissa o evitou como lepra, não que ele tenha tentado aproximação, mas ela se esquivava sempre que o via.

Depois das férias de natal ela não voltou para a universidade, Enrique tentou buscar informações com as colegas de quarto dela, Alice e Rosa, mas elas fecharam a porta na cara dele sem responder suas perguntas. Enrique não tinha coragem de procurar o pai dela, decidiu seguir com sua vida. Já que Melissa escolheu ficar com o bebé ele decidiu então seguir com sua vida.