Desejo e Sina

Mais um dia... Mais sonhos a serem construídos, mais lutas a serem travadas. A vida se desenha num colorido incentivador ao nascer do sol do alto do morro, vejo tudo pela janela enquanto saboreio um café fumegante, filosofando mentalmente, embaralham-do pensamentos com a letra do rap: "Somos pó de estrelas, felicidade é passageira, embarque no trem do destino e sorria por qualquer besteira, melhor sorrir e espantar a tristeza, sorrindo você atrai positividade e encara a vida de frente, não pela metade..."

Pego minha bolsa, confiro o dinheiro da passagem. Serão quase duas horas de ônibus até o Centro da cidade, dois apartamentos para faxinar e ainda terei de encarar o supletivo a noite, semana começando. Esqueci de me apresentar: Sou Julie tenho 18 anos completados há dois meses, moro com minha mãe e mais um irmão na Comunidade do Tombo, fica em Fortaleza. Meu irmão é motoboy e rala dia todo para defender o dele. Sou diarista e faxino residências e apartamentos, minha mãe é fisicamente incapacitada, pois sofreu um acidente dois anos atrás quando caiu de um ônibus em movimento. Somos um pelo outro e apesar das condições que vivemos podemos dizer que somos felizes, Felipe está de casamento marcado com Aurora, uma menina da comunidade, esforçada, faz bolos e doces para ajudar Felipe nas despesas do casamento e na compra dos móveis para a casinha que construíram nos fundos da nossa casa.

Minha mãe chama-se Zélia, perdemos nosso pai cedo, vítima de uma doença cruel, Covid. Meu pai era cardíaco e as complicações desta doença o levaram de uma forma triste, sem nos deixar ao menos dizer adeus. Minha mãe se enlutou depois disso e seis meses depois veio o acidente dela. Eu ainda era menor, mas arregacei as mangas e fui pra frente de trabalho, transferi meu curso médio para a noite e aqui estou eu.

Hoje a faxina será no apartamento de Seu Dráulio, um viúvo dono de uma rede de farmácias no centro. Seu Dráulio tem 67 anos, muito respeitador, mas vive só com sua maritaca. O filho mora no exterior e quase nunca se lembra do pai, nem em ocasiões de festa de fim de ano. Penso em convidá-lo a ficar conosco este ano, afinal a pandemia deu uma trégua e acredito que já poderemos voltar às nossas vidas normalmente. Chego ao apartamento e já o encontro de pé animados alimentando sua maritaca.

- Bom dia, menina Julie como tem passado?

- Estou bem seu Dráulio e o senhor?

- Finalmente o ingrato do meu filho vem me visitar. Chegará daqui a três dias, quero que capriche na arrumação e principalmente do quarto de hóspedes, ele é meio enjoado. Ah, e se puder queria que viesse um dia antes, para preparar umas comidas.

- Pode deixar comigo, seu Dráulio...