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Capítulo 1 – Sobrevivente do Silêncio
O alarme do pequeno relógio analógico soava sempre às 5h30, como um lembrete cruel de que a vida de Isadora nunca teve espaço para sonhos ou descanso. Ela o desligava com rapidez, antes que o som agudo irritasse o senhor da casa onde vivia. Há dois anos, desde que completara dezoito, morava no quartinho dos fundos de uma senhora viúva - que em troca da faxina, da comida feita e das roupas passadas, deixava Isadora dormir no chão de madeira coberto por um colchão fino e gasto.
Aos vinte anos, Isadora carregava nos ombros mais dores do que a maioria suportaria. Órfã desde os seis, foi criada em abrigos, passou por lares temporários e conheceu a crueldade de pessoas que se aproveitam da fragilidade dos outros. A única coisa que aprendera a confiar era em si mesma. Ela mantinha um olhar sereno, mas atento, como quem aprendeu a observar antes de agir. Sabia que falar demais era perigoso. Que chorar, inútil.
Todas as manhãs, seguia sua rotina com precisão militar: limpar os corredores, preparar o café da senhora Dulce, e sair correndo para o pequeno mercado onde trabalhava como empacotadora. Horas em pé, lidando com clientes grosseiros e um gerente que gostava de se aproximar demais. Ela suportava tudo com a cabeça baixa, os lábios cerrados e uma dignidade silenciosa que intrigava até quem tentava humilhá-la.
Ninguém sabia, mas Isadora guardava um caderno escondido dentro da fronha do travesseiro. Ali escrevia, à noite, seus pensamentos e desejos mais secretos. Não sobre família, que ela nunca teve, nem sobre um futuro comum. Mas sobre liberdade. Sobre poder. Sobre sentir algo além da constante frieza da vida.
"Quero que alguém me veja. Não como mais uma garota pobre e quebrada, mas como algo perigoso. Como alguém capaz de arder."
Ela escreveu isso dias antes de tudo mudar.
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Era uma terça-feira abafada quando a carta chegou. Sem remetente. Sem carimbo postal. Apenas um envelope preto, selado com cera vermelha e as iniciais "AR". Foi deixado sobre o batente da porta dos fundos. Ela quase jogou fora, achando que era brincadeira. Mas algo no toque espesso do papel e no cheiro leve de especiarias que exalava da carta a fez hesitar.
Dentro, apenas uma folha elegante, datilografada:
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SENHORITA ISADORA LIMA,
Informamos que foi selecionada para uma vaga integral na Academia Ravena, uma instituição privada de aperfeiçoamento e formação. Seu histórico de superação, conduta discreta e perfil psicológico a tornam apta a ingressar em nosso programa exclusivo. O transporte será providenciado no dia 17, às 23h, na Estação Rodoviária Central.
A presença é opcional. Mas única.
Atenciosamente,
Diretoria da Academia Ravena
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