Hope se vê no pior momento de sua vida; desempregada, morando num apartamento ruim, devendo aluguel e com uma ordem de despejo colada na porta. Já está cansada de ir em entrevistas mal sucedidas e de tomar negativa na cara, sua ultima esperança é a vaga de emprego para uma das maiores empresas de boates dos Estados Unidos. O cargo seria para auxiliar com a abertura de um novo clube. Mas o que Hope não sabia era que; essa entrevista colocaria a vida dela de cabeça para baixo. A caminho da entrevista ela esbarra com um homem que a faz sentir borboletas no estomago, coisa que a muito tempo não sabia mais o que era. O cara sem nome desperta sua curiosidade e algo nele a atrai. Será a dor que carrega nos olhos gentis? Ou as covinhas na bochecha que sempre aparece com o sorriso genuíno? Ela não sabe bem o que é e nem imagina que em breve vai descobrir muito mais sobre ele! Tinha que ser você mostrará que o amor floresce mesmo em meio a espinhos, que a dor pode sim ser amenizada quando se divide o peso dela. Mostrará que dois corações quebrados podem se conectar, se formando um só. "Eu, que nunca tive sorte em nada, me senti sortuda em ter encontrado você"
O mundo inteiro só podia estar zombando da minha cara, não é possível.
- O que mais poderia dar errado?! - Gritei para mim mesma, enquanto batia a porta do pequeno cubículo que chamava de apartamento, ainda segurando a ordem de despejo em minhas mãos.
As lagrimas escorriam pelo meu rosto, me queimando a pele como brasa, me provando que eu não passava de uma inútil que estava prestes a perder o teto em que morava.
E mesmo me esforçando ao máximo, saindo quase antes do nascer do sol e voltando já com o brilho da lua para casa, não havia conseguido nada além de algumas entrevistas fracassadas. Já faziam quase três meses desde que fui mandada embora do restaurante e dentre esses meses já havia atrasado dois meses de aluguel, seguidos.
- Merda! Merda! Merda! - Gritei novamente, sem me importar se alguém poderia ouvir.
Minha última esperança seria a entrevista do dia seguinte, numa grande empresa que havia próximo ao restaurante em que eu trabalhei por quase 2 anos, antes de ser chutada dele como se não fosse nada além de um lixo.
Algo reciclável.
Me arrastei até a cama, me jogando nela de sapato e tudo, meu corpo doía em cada musculo existente e inexistente, por conta das longas caminhadas a procura de um emprego. Me candidatei em todas as vagas possíveis e impossíveis, trabalharia de qualquer coisa, desde que conseguisse manter o teto sob a minha cabeça.
Poderia pedir ajuda para meus pais, se ambos não estivessem a 7 palmos da terra. Inconscientemente passei os dedos pela enorme cicatriz em minha coxa, que me lembrava constantemente de que ter sobrevivido aquele trágico acidente, era mais um castigo do que um milagre - como os médicos haviam dito.
Passei a mão pelos cabelos, enroscando os dedos em alguns cachos, desembaracei alguns deles até chegar aos ombros, era uma mania que tinha desde nova, sempre mexia nos cabelos quando algo me preocupava.
Respirei fundo e enquanto chutava os tênis gastos para fora dos pés, deixei as lagrimas correrem novamente pelo meu rosto, mas dessa vez eram lagrimas de saudade.
Saudade de um tempo em que a minha maior preocupação era ter que acordar cedo para ir à escola.
Deixei o cansaço me vencer, me fazendo afundar num sono profundo.
Acordei com um solavanco, respirando fundo e sentindo coração bater tão rápido que era possível ouvir o zumbido dele no ouvido. Só então percebi que o zumbido era do meu despertador. Tateei a cômoda a procura do aparelho ensurdecedor, o desligando com um tapa que fez o surrado despertador antigo cair no chão.
Me joguei para fora da cama, agradecendo o fato de o sol ainda não ter aparecido, afinal, eram 05h30 em Miami. Esfreguei os olhos tentando me manter acordada enquanto seguia até o banheiro.
Abri o chuveiro e deixei a água cair, tirei a roupa e adentrei na água antes de notar se já havia esquentado.
- Merda! - Gritei ao sentir a água gelada escorrendo pelo meu corpo.
Só então havia lembrado que não paguei a conta de água naquele mês e teria que tomar banho gelado até arrumar um emprego, ou morrer de hipotermia.
Acho que a segunda opção seria melhor, diante do momento em que estava na minha vida.
Nunca tomei um banho tão rápido em toda a minha vida e me troquei mais rápido ainda.
Fiz questão de me agasalhar bem, já que o inverno estava quase chegando. Coloquei a única calça social que tinha, um salto preto, uma camisa branca, um sobretudo grosso que era da minha mãe e uma echarpe no pescoço. Eram as únicas peças que tinha no guarda roupa improvisado, mais arrumada para ir na entrevista e torci para que isso bastasse.
Sai de casa com o relógio batendo 06h30, a entrevista seria as 08h30, mas era do outro lado da cidade quase, próximo a Miami Beach. Já eu morava próximo a uma igreja em Liberty City, ou Cidade Modelo como muitos chamavam, mas de modelo não tinha nada. O alto índice de violência por aqui era estrondoso as vezes, misturado com o consumo de drogas, mas era o que meu bolso conseguia pagar.
Passei pela igreja, sem me preocupar nenhum pouco em não demonstrar minha devoção a ela com o gesto da cruz que sempre fui aconselhada a fazer - e fiz por muito tempo, - mas, já não acreditava mais nisso, não depois de terem levado as duas únicas pessoas que me amavam.
Balancei a cabeça afastando os temidos pensamentos e seguindo até meu destino.
Cheguei na P&M Interprises já eram quase 08 horas e agradeci o fato de quase não ter pego trânsito pelo caminho. Ajeitei o sobretudo no corpo, passando as mãos por ele, aproveitando e secando o suor que estava na palma delas, respirei fundo e passei pela porta da recepção.
A empresa não era muito grande, pelo pouco que consegui pesquisar, o CEO era dono de uma série de clubes espalhados por todo Estados Unidos.
Um império conquistado do zero com muito esforço e dedicação.
Essas foram as palavras dele, dada na última entrevista que li ao folhear uma revista conceituada numa banca enquanto comprava o jornal.
Peter Miles, era o dono desse império todo. Não devia ter mais do que 35 anos e confesso que era bem bonito.
Balancei a cabeça afastado os pensamentos enquanto caminhava até a recepção.
- Bom dia, sou a Hope, tenho uma entrevista hoje. - A recepcionista olhou rapidamente para mim antes de começar a dedilhar no teclado.
- Hope do que? - Ela parou de escrever aguardando minha resposta.
- Brown. - Respondi tentando conter o nervosismo. - Hope Brown, tenho uma entrevista marcada para as 08h30 com a Samantha do Rh.
- Ela está te aguardando. - A jovem gesticulou em direção a algum lugar no fim do corredor, sem olhar para mim. - Primeiro andar, segunda sala a esquerda.
- Obrigada. - Agradeci e segui até o elevador.
Estava tão inerte em meus próprios pensamentos que nem vi quando as portas se abriram e algo esbarrou em mim com força.
Na verdade, alguém.
Tive que me segurar nas laterais da porta do elevador para não cair para trás.
- Dá próxima vez olha por onde anda! - Praguejei, antes de entrar no elevador.
- Ou você poderia sair do caminho também. - Ele riu, tentando soar o mais receptivo possível, mas parou de rir ao ver que estava séria. - Perdão senhorita.
Ele se curvou, fazendo reverencia antes de sair do meu campo de visão, ainda sorrindo e mesmo que aquela situação toda tenha me deixado com raiva, por algum motivo meus lábios sorriam e só então percebi que foi por isso que ele também sorriu de volta.
Pelo menos algo de bom havia acontecido naquele dia.
Sai pela recepção quase uma hora depois, exausta e abatida por saber que aquela seria mais uma entrevista fracassada. Depois de tanto procurar por trabalho você acaba conseguindo identificar quando a empresa não gostou de você e pelo desinteresse da Samantha, era nítido que eles não me ligariam, demorei mais fazendo as provas de aptidão deles do que na própria entrevista em si.
O céu que estava limpo quando cheguei, se encheu de nuvens poucos minutos depois que sai pelas portas, como se fosse um sinal de que minha vida era uma grande confusão e caos.
- Era só o que faltava! - Sussurrei baixo, tentando correr o máximo que conseguia até algum lugar coberto, mas os saltos não me deixavam realizar isso muito bem.
Desisti de correr quando notei toda a minha roupa ensopada de água.
- E mais uma vez nos encontramos. - Sua voz me fez pular assustada.
- Jesus! - Levei a mão ao peito, numa tentativa falha de fazer meu coração desacelerar e não me causar um infarto ali mesmo.
Se bem que se isso acontecesse ao menos não teria que pagar o aluguel.
- Menos altruísta do que ele... - Ele respondeu tentando conter o riso e só então notei que era o rapaz do elevador. - Dizem que na terceira vez é melhor te chamar para sair, para não dar azar.
- Não precisa me chamar para sair por isso, já sou a própria azarenta em pessoa. - Suspirei alto.
Ele abriu um enorme guarda-chuva e o estendeu a cima de nossas cabeças.
- Como você pode estar menos molhado do que eu? - Perguntei me virando para ele.
- Acabei de sair da empresa. - Ele deu de ombros, se aproximando um pouco mais de mim.
Por algum motivo aqueles pequenos passos fizeram meu coração errar algumas batidas e o ar se prender em minha garganta, como se relutasse para sair, me causando um pequeno engasgo.
Comecei a tossir sem parar, tentando recuperar o oxigênio que insistia em se esconder.
- Você está bem? - Ele ergueu as sobrancelhas, claramente preocupado com a situação.
- Es-estou... - Tentei responder sem gaguejar muito.
Ele me estendeu um lenço que retirou da lapela do terno, aceitei de bom grado o pequeno gesto e cobri a boca com ele.
Tossi mais algumas vezes até conseguir me recompor.
- Desculpa. - Consegui falar sem ser interrompida pelo ataque de tosse. - Acho que engasguei um pouco. - Ergui o lenço. - Obrigada por isso.
- Não há de quê. - Ele sorriu, enfiando uma mão no bolso da calça e se balançando sob os calcanhares. - Qual o seu nome? - Ele perguntou, levemente curioso.
- Hope. - Respondi prontamente, guardando o lenço no bolso da calça.
- Nome bonito. - Ele continuava sorrindo e começava a sentir minhas bochechas esquentando de vergonha.
- Obrigada. - Enfiei as mãos no bolso do sobretudo. - Acho melhor eu ir, a caminhada até em casa é longa.
Ele apenas assentiu, ainda sorrindo,
E que maldito sorriso lindo.
Toda vez que ele sorria, as duas covinhas que tinham nas bochechas apareciam e seus olhos azuis como uma safira se estreitavam quase se fechando.
- Espero te ver de novo. - Ele respondeu, me tirando de meus pensamentos.
- Acho meio impossível isso. - Ergui os ombros, tentando não demonstrar meu descontentamento. - A não ser que por algum milagre o rh me contrate. - Soltei um riso nervoso.
- A esperança é a última que morre, Hope. - Ele fez questão de pronunciar meu nome calmamente, como se estivesse gravando cada letra dele para si.
- Já perdi a esperança de muita coisa. - O riso escapou novamente de meus lábios. - Tento manter os pés no chão agora, me prendendo ao que é possível para mim, dadas as circunstancias em que me encontro. -
Dei de ombros.
- Não te julgo. - Pela primeira vez o sorriso desapareceu de seus lábios e um vinco se formou entre suas sobrancelhas. - Na verdade, te entendo... - Ele soltou um riso baixo. - Bom...
Ele abaixou o guarda-chuva, olhando para o céu que agora estava limpo, como se não tivesse soltado um temporal a cima de nós a alguns minutos antes.
- Acho que não precisamos mais disso. - Ele sorriu, fechando o guarda-chuva e o estendendo para mim. - Fique com ele para o caso de voltar a chover.
- Não precisa... - Balancei veemente a cabeça, negando o bom gesto.
- Eu insisto! - Ele ergueu minha mão e colocou o guarda-chuva na palma dela.
Por mais que meu corpo inteiro estivesse molhado e gelado, um enorme calor subiu pelas minhas pernas, esquentando cada centímetro do meu corpo, assim que seus dedos tocaram a palma da minha mão e tive que respirar fundo para me manter firme no lugar, mesmo sentindo minhas pernas bambearem.
Fechei os dedos ao redor do guarda-chuva e afastei minha mão dele, como se seu toque me causasse choque, o que não era mentira. Ele enfiou a mão novamente no bolso da calça, parecendo nervoso.
Ainda conseguia sentir minha mão formigando por conta do curto toque dele em minha pele.
- Obrigada novamente, senhor... - Disse me afastando em direção ao ponto de ônibus. - Ainda não sei seu nome.
- Me encontre uma terceira vez e vai descobrir, quem sabe te chamo para sair. - Ele deu de ombros, andando de costa até a empresa. - Só para dar sorte mesmo.
Ele riu e o som de sua risada era a coisa mais linda que já ouvi na vida, tentei ao máximo gravar aquele som em cada parte de mim.
Me virei em direção à rua e segui andando, mas antes que ele escapasse da minha visão, me virei discretamente para olha-lo e resfoleguei ao notar seus olhos ainda em mim, o pequeno sorriso estava marcado em seus lábios, me fazendo sorrir também.
Abaixei rapidamente a cabeça, sentindo as bochechas pegarem fogo e quando voltei a olhar para frente avistei um arco-íris.
Como um sinal de que sempre depois da tempestade aparece a calmaria.
E ali, caminhando em direção ao ponto de ônibus, admirando o arco-íris, pedi para Deus que o desconhecido, dono de um sorriso lindo com covinhas, fosse minha calmaria.
Depois de anos, senti meu corpo relaxar.
Capítulo 1 A esperança é a última que morre.
06/04/2022