Havia um tempo em que os relacionamentos à distância eram exclusivamente por correspondência. Já imaginou?... Você ter que esperar 10, 15 dias ou até mais de um mês para receber uma carta de seu amor? Sorte do Roberto que hoje existe a internet. Então, em busca de sua paixão virtual, ele deixa os Estados Unidos, país onde vive ilegalmente por mais de 10 anos, e volta para o Brasil, sem lenço e sem documento (literalmente), só com a roupa do corpo. Onde estará sua paixão virtual? Será que ela existe? Boston ou Nova York; Goiânia ou Governador Valadares; Rio de Janeiro ou São Paulo. Cadê esta garota? E Rubrus, quem é esse cara? Quando vão conseguir agarrá-lo? Saiba as respostas lendo este livro emocionante! A arriscada travessia pelo México; a difícil adaptação do imigrante no exterior ao choque de realidade na sua volta ao Brasil. Duas histórias em um romance recheado de mistério, aventura, exemplos de superação e um final surpreendente!
Inverno na grande cidade. A noite envelhecia mais cedo, trazendo consigo a poeira branca que tingia a paisagem. Nas ruas,
flocos de neve desafiavam para-choques, gorros e corpos apressados. Os mais afoitos bailavam por entre os edifícios; os mais
preguiçosos adormeciam nos ponteiros do relógio daquele que foi
o primeiro arranha-céu de Boston, o Marriott Custom House.
Pouco mais adiante, em um restaurante fincado no bairro italiano de North End, parte dos funcionários se reunia nos fundos da
cozinha. Havia em seus olhos um brilho fosco de esperança pelo
retorno de um funcionário, cuja ausência completava três dias.
- Hoje ele não vem mais... – informou Zeca, passeando os
olhos pelo teto até debruçá-los fixamente no relógio. – Onde se
meteu esse garoto?
- Quem? – indagou a garçonete, que chegara àquele momento, olhando a pia abarrotada de louças sujas.
- Roberto, o lavador de pratos.
Senhor Rodrigues, o cara que teria de lavar toda aquela lou-
ça sozinho, começou a mexer no celular.
- Tá ligando pra quem? – perguntou o Zeca.
- Pra Amanda.
- Amanda? Que Amanda?
- A namorada dele lá de Nova Iorque. Alguma coisa estranha tá acontecendo. Desde que o Roberto sumiu não consigo
falar com essa garota.
O celular chamou, chamou... por fim caiu na caixa de mensagem:
- 我现在无法接听您的电话. 请留言.1
1 - Eu não posso atender sua ligação neste exato momento. Por favor,
deixe uma mensagem
- Aí, num tô dizendo?... Agora a mensagem tá em chineis!
- Olha, Rodrigues, não quero te assustar, mas tão dizendo
por aí que o Roberto foi deportado. E onde há fumaça há fogo.
- Então, deixa eu voltar ao trabalho e, a propósito, trata
de colocar um anúncio procurando outro funcionário – disse o
Rodrigues, começando a colocar os pratos na lava-louças.
- Tá bom, mas antes deixa eu ligar pro Zé.
- Zé, que Zé?
- O mineirinho que divide o apartamento com ele em East
Boston. Chegou uma mensagem. Essa notícia vai lhe interessar,
decerto. ...Parece que encontraram o Roberto.
"Roberto vazou", dizia a mensagem (traduzindo o mineirês: "foi embora"); chegou no Brasil só com a roupa do corpo.
Eita homem de coragem! Nem todo mundo tá disposto a voltar a
ganhar em real depois de pôr a mão nas verdinha$.
Escolhas à parte, agora podemos responder à questão:
"WHERE´S ROBERTO"
?
- ...Tô falando com ele agora, me liga outra hora – respondeu o Zé, inconformado, voltando do trabalho, puto pra caralho.
- Roberto voltou para o Brasil??? Puta que pariu!!!!!!
Pois, é. Viajou sem visto, sem lenço e sem documento (literalmente). Comprou uma passagem só de ida. "Oh, vida!"
- He's crazy!
- I know.
Brincou com a sorte, se enrolou. Ou estava prestes a se enrolar? (Eehhhh... isso não vai prestar.) É o que o Zé, com muito custo, por celular, tentava explicar – caminhando apressado,
touca cobrindo-lhe os olhos, mochila nas costas, empacotado.
A jaqueta era do Boston RedSox, time de beisebol local muito
aclamado – nove graus negativos, um frio lascado – pelo menos
pra mim, que não estou acostumado –, mas pro Zé aquele frionão era nada, que com naturalidade falava ao celular e gesticulava. Passava despercebido em meio a tanta gente, também apressada que, como ele, ia pro trampo ou voltava pra casa. Chineses,
coreanos, guatemaltecos, indonésios, armênios, colombianos e
mexicanos; hondurenhos, marroquinos, haitianos, salvadorenhos, paquistaneses, cubanos e dominicanos; gente de toda parte, dos mais diversos continentes. A maioria jamais pensava em
voltar pro seu país novamente. Já Roberto, minha gente... ah!!!
A realidade era bem diferente.
- Eu sabia, isso não ia acabar bem. Você vivia com o corpo
na América, a cabeça no Brasil e o coração também... ou então
vivia em outro mundo! E depois que começou a namorar pela
internet... aí lascou tudo. Até filmes você assistia dublado em
português! Como queria aprender inglês?
- Calma, Zé! Pensa no lado bom. Pelo menos, ele não foi
deportado.
- Unbelievable!
– exclamou o dono do restaurante onde
Roberto havia trabalhado, sem entender a deserção do funcioná-
rio, de quem ele chegou, inclusive, a assinar os papéis para ele
ter se legalizado.
- What fuck he's doing in Brazil?
- I don't know.
Só sei que o Zé, agora dentro do seu apartamento, faltava
pouco para se descabelar de vez, enquanto o Roberto, mais precisamente no saguão de embarque do Aeroporto Internacional de
Goiânia, buscava argumentos para justificar a burrada que fez.
- "Preferi a língua universal do amor ao inglês."
- Ih, lá vem você com essas frases desses livros que não te
ajudaram pra nada. Você não aprende mesmo...
- "Amar se aprende amando."- Eu sei, criatura, mas até quando você vai continuar errando?
- "Se eu errar que seja por muito, por amar demais, por me
entregar demais, por ter tentado ser feliz demais."
- ...E por ser trouxa demais... por acreditar nesses namoros
virtuais que nunca dão certo. ...Como a Amanda, linda trapezista
morena de Chicago, que você conheceu, aliás, também na sala
de bate-papo, mas que na verdade era a mulher barbada do circo.
Sem falar da Amanda manicura, que a gente fez até vaquinha pra
trazê-la com o cunhado do Brasil, e depois descobrimos que ela
queria trazer o marido, um tremendo folgado...
Era assim mesmo, não tinha jeito. Nos namoros virtuais do
Roberto, sempre algo dava errado. Por isso, ele resolveu sair de
trás do computador e ir em busca de seu grande amor, que até
então ele só sabia o nome.
- Eu só não entendi uma coisa: se a sua namorada era de
Nova Iorque, como você foi parar no Brasil?
Ô, Zé! Cada coisa em seu lugar. O homem acabou de chegar. Deixa, pelo menos, ele esfriar "os pé", parar na cafeteria,
tomar um café. Com certeza, esse assunto ele vai esclarecer e
a gente, enfim, o desenrolar dessa história vai entender. Onde
ela começa e, principalmente, a forma surpreendente em que ela
termina.
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