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Capítulo

O que você mais deseja? Num país de terceiro mundo, dominado por um regime cruel, María de las Almas tem como maior sonho se tornar médica e salvar vidas. Nativo do outro lado do mundo, Zahid compartilha do mesmo sonho, mas por motivos muito mais egoístas do que María. O que mais desejam é liberdade, mas, em suas prisões, lhes resta apenas isso: desejar. Duas almas cansadas levadas a um casamento arranjado se encontram e decidem se rebelar, lutando pelo sonho de um futuro impossível. Esta é uma história arrebatadora de amor, coragem e esperança. Apaixone-se!

Capítulo 1 Entre Bebidas e Sonhos

7 de dezembro de 2004, Cuba

- À sua perfeita admissão! - Rosa ergueu a caneca de rum branco com um largo sorriso. - Eu já sabia, mas você nunca me ouve...

- Obrigada, amiga! - Brindei com ela.

Aquele foi um ano muito corrido. Trabalhei e estudei igual uma louca, nunca me empenhei tanto em meu estágio e frutificou.

Eu iria à mais conceituada faculdade de medicina de Cuba e, melhor, tinha altíssimas recomendações de professores e até médicos.

Não saberia dizer quando a medicina se tornou uma paixão, mas foi avassaladora o suficiente para nunca sair da minha mente.

- Sempre acreditei em você. - Bastou um gole e o olhar de Rosa já ficou todo caidinho.

Ela sempre foi muito fraca para bebida, nem parecia cubana de verdade. Era bem branquinha de cabelo lisinho e olhos claros.

Rosa podia, facilmente, ser modelo. Era magrinha e baixinha, usava óculos redondos, mas não parecia assim tão nerd quanto pensa.

- No meu primeiro salário, eu prometo que faço uma festa! - falei, empolgada. - Sei que o salário é péssimo, mas eu improviso.

- Agora, já pode sair, não? - Ela olhou na direção dos homens do bar. - Vai se tornar médica, não pode ficar bobeando com a saúde.

- Pois, eu me cuido! - retruquei. - Não sei se sairei, se pararei... - Dei de ombros. - O salário de médica não será assim... tanto...

Ela odiava me ver recorrer à prostituição, mas eu não tinha muita escolha. Éramos uma família pequena: apenas o pai, a mãe e eu.

Mas, o pai gastava toda sua aposentadoria com bebida; a mãe vivia mergulhada em seus sonhos e missões contrarrevolucionárias...

No fim, nada sobrava para mim e foi cedo para eu aprender que devia conseguir o meu próprio sustento para ter os meus luxos.

Funcionou... e a prostituição não só me salvou, mas me ensinou o valor do trabalho duro, me ensinou que nada nunca cai do céu.

O bar ficava há dois bairros de onde eu morava, mais perto de Havana. Apesar disso, não vou negar, ele era meio decrépito.

A tinta azul-escura das paredes estava descascando em algumas partes ou desbotando em outras. A portinhola do balcão já rangia demais e ele estava todo marcado por copos.

Eu até tentei cuidar quando comecei a trabalhar, mas o estrago já era grande demais!

Este é um bom resumo: eu era garçonete e prostituta a partir das sete da noite; na manhã, eu estudava e tinha meu estágio no hospital.

Pouco sobrava tempo e, ocasionalmente, o patrão deixava que eu ficasse curtindo minha noite - principalmente em dias calmos.

Tudo apontava para uma noite bem tranquila até um clarão no lado de fora chamar atenção de alguns bebuns, que exclamaram:

- Eita! - Outro perguntou: - O regime?

Minha amiga e eu estávamos conversando, mas silenciamos e olhamos ao redor. Não sabíamos de nenhum foragido entre os clientes.

Claro, isso sempre mudava e muito rápido!

- Vem! - Hernández, o dono do bar, se levantou do balcão e gesticulou para nós. - Não sei quem está devendo, mas podia ter avisado...

Ambas nos levantamos. Levei minha caneca comigo, é claro, mas Rosa deixou a dela.

Passamos para trás do balcão onde uma porta meio caída de ferro levava à cozinha.

Numa troca de olhares nos perguntamos:

- Quem será e por quê? - Essas eram sempre as dúvidas quanto ao próximo conhecido que sumiria na calada da noite.

- Aqui, eles bebem rum! - dizia uma espalhafatosa voz masculina, que eu já conhecia, após os ouvirmos entrarem no bar.

- Conhece? - Rosa olhou com estranheza, provável que eu tenha revirado os olhos.

- É o tal Saif - falei baixo.

Ela já conhecia a história do mais rico amante da minha mãe. Não era ruim, mas algo nele me fazia simplesmente não gostar de vê-lo.

Era arrogante e muito confiante. Para um senhor de idade e estrangeiro, ele até se comportava como se fosse dono de Cuba.

Saif vivia em carros importados, que até pareciam máquinas do futuro; tinha até telefone celular e andava com muitas joias.

Ele parecia acompanhado de mais alguém e outro estrangeiro, dado o sotaque. Tinha voz calma e falava baixo, diferente do próprio.

Hernández foi quem os atendeu e, enquanto servia o rum, Saif decidiu perguntar:

- Cadê a lindinha?

- Na cozinha. Trabalhando! - Hernández falou, infelizmente ele era muito honesto e só mentia caso fôssemos explícitos ao pedi-lo.

- Vou lá! - Desanimada, eu suspirei. - Nem precisa vir ainda, já que ele é bem safadinho para alguém da idade dele - falei.

Rosa odiava homens assim, assentiu bem rápido com a cabeça e já se ajeitou para sentar.

Saindo, Saif estava com outros dois: um era o estrangeiro lindo, residente do hospital; o outro era o seu segurança ou motorista...

- Alminha! - Saif abriu os braços. - Vou te confessar que eu estava com saudades - sorriu largo e eu tentei forçar um sorriso.

Cumprimentei Hernández, meio sem graça, e fui às canecas para pegá-las, falando:

- Pode deixar que eu sirvo.

- Obrigado, Alma! - Hernández falou. - Ultimamente, tem sido difícil levantar desse banco! - Ele brincou, rindo. - Sabe como é...

Na real, nada eu sabia sobre como era ser um velho com sobrepeso, além de tecnicidades médicas, mas apenas assenti com a cabeça.

- Boa noite, senhores! - cumprimentei os outros dois. - Posso servi-los lá fora? É mais fresco e, tenho certeza, a visão vai apaixoná-los.

- Salaam aleikum! - O residente falou com aquele sorriso lindo que só ele tinha. Era impressionante como ele parecia feliz ao sorrir.

Tão feliz que parecia contagiante...

Seu segurança ou motorista nada disse e foi muito sutil com o cumprimento - deixando claro que ainda estava a trabalho... e bem sério!

- Este é meu quase sobrinho, Zahid. - Saif apresentou, sorrindo largo. - Aquele é seu fiel escudeiro, faz-tudo, Kareem...

- Olá! - Eu lhes acenei e segui.

Se ficasse parada por ali, as conversas constrangedoras iniciariam na frente de todos - e eu não tinha motivos para aceitar isso.

- Bella disse ser um dia especial. - Saif falou enquanto andávamos. - Por isso, decidi vir para comemorar com você... ou ajudar - riu.

- Obrigada! - sorri acanhada.

Apesar de tudo, era realmente especial e, naquele momento, eu decidi simplesmente deixar o dia continuar sendo especial.

Se ele foi ajudar a festejar, ótimo! - afinal, não tinha tanto dinheiro e precisaria ficar roxinha para pagar tudo que eu queria beber!

- Pode sentar conosco? - Saif perguntou. - Tire o avental por um instante e seja apenas a belíssima e talentosa futura médica - sugeriu.

- C-claro! - assenti e me preparei para tirar o avental, mas o segurança se aproximou.

- Aposto que foi figurativo, senhorita. - Ele falou. Tinha voz bem grossa e conseguiu parecer ainda mais sério quando abriu a boca.

- Sim, figurativo! - Saif riu. - Devemos seguir às apresentações? - Olhou ao tal Zahid, que me olhou nos olhos, levemente sério.

Iluminado pela luz amarelada, o olhar logo clareou. Era formidável que, mesmo gringo, ele tivesse os melhores atributos tropicais.

A pele era bem bronzeada; os cabelos curtos tinham alguns poucos cachos, mas eram mais crespos - normalmente, ele cobria com uma espécie de turbante... muito charmoso.

Sempre bem escanhoado, com um olhar no formato perfeito para complementar o sorriso - e eu jamais saberia explicar isso.

Havia certa melancolia no fundo daqueles olhos, certo descontentamento, que ele parecia suprimir ao sorrir e foi sorrindo que ele falou:

- Sou Zahid Al-Thani, quinto herdeiro da família Thani; qatari. Tenho vinte e dois anos e, como já sabe, sou residente de medicina.

- S-sim, eu já te vi no hospital. - Sorri. - Sempre elogiam seu trabalho e principalmente o jeito como trata seus pacientes. É fantástico!

- Obrigado! - Pareceu se acanhar.

Nem foi exagero; ele era realmente muito falado no hospital. Extremamente religioso e tão simpático que os pacientes o amavam!

Todo paciente e de qualquer idade... Era um talento inato para a medicina e isso fazia muitos de nós, estagiários, o admirarmos.

As meninas, claro, ficavam loucas!

Tão reservado, calmo e sério, algo devia se esconder por trás daquele rapaz tão exemplar e, honestamente, eu até tinha medo de saber.

- Sou María de las Almas Rodriguez. Garçonete e estudante de medicina em Havana, oficialmente. - Não pude evitar sorrir largo.

- Se unirá a minha turma, então? - riu.

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