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Um Romance Em Paris versão português

Um Romance Em Paris versão português

AutoraAngelinna

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8
Capítulo

Foi em Paris que ela o viu pela primeira vez... Ele era alto, charmoso e... sedutoramente perigoso. Atraída por ele, Brianne Martin trouxe Pierce Hutton de volta à vida, salvando-o de um desespero que já beirava a loucura. Pierce sentiu-se grato para sempre, mas não queria correr o risco de seduzir Brianne, catorze anos mais que ele, por mais linda e desejável que ela fosse. Foi em Paris que ela se apaixonou... Embora Pierce parecesse inalcançável, Brianne não conseguia se imaginar entregando sua inocência a outro homem. Muito menos ao sócio corrupto de seu padrasto. Obcecado por ela desde o primeiro encontro, aquele homem sem escrúpulos seria capaz de fazer qualquer coisa para possuí-la, inclusive tramar um casamento para unir as duas poderosas famílias. Tudo parecia perdido, até Pierce salvar sua vida, como ela o salvara... uma vez em Paris.  

Capítulo 1 1

Foi em Paris que ela o viu pela primeira vez...

Ele era alto, charmoso e... sedutoramente perigoso. Atraída por ele, Brianne Martin trouxe Pierce Hutton de volta à vida, salvando-o de um desespero que já beirava a loucura. Pierce sentiu-se grato para sempre, mas não queria correr o risco de seduzir Brianne, catorze anos mais que ele, por mais linda e desejável que ela fosse.

Foi em Paris que ela se apaixonou...

Embora Pierce parecesse inalcançável, Brianne não conseguia se imaginar entregando sua inocência a outro homem. Muito menos ao sócio corrupto de seu padrasto. Obcecado por ela desde o primeiro encontro, aquele homem sem escrúpulos seria capaz de fazer qualquer coisa para possuí-la, inclusive tramar um casamento para unir as duas poderosas famílias. Tudo parecia perdido, até Pierce salvar sua vida, como ela o salvara... uma vez em Paris.

Uma mulher sofisticada, com cabelos grisalhos e trajando um tailleur vermelho, parou em frente à Mona Lisa, acompanhada por um homem moreno, bem mais alto do que ela. Sem cerimônia, proferiu um comentário sarcástico, em bom francês, fazendo seu acompanhante rir. Pareciam inclinados a continuar ali parados por mais algum tempo, mas havia uma longa fila de turistas atrás deles, esperando com impaciência para ver a obra-prima de Da Vinci, no Louvre.

Um dos visitantes apontou sua câmera fotográfica para a peça, protegida por diversas camadas de vidro à prova de balas, mas o segurança o interceptou antes que o flash fosse disparado.

De seu ponto de vista privilegiado, em um banco próximo, Brianne Martin considerava os visitantes tão interessantes quanto as obras de arte em si. Estava vestida com seu short e seu top preferidos, que realçavam o brilho incomum de seus olhos verdes. Com os cabelos dourados presos em uma trança e carregando uma mochila pendurada ao ombro, parecia exatamente o que era: uma estudante.

Estava com quase dezenove anos e era uma das melhores alunas da escola para garotas do distrito de Loft Bank, à esquerda do rio Sena. Contudo, não se identificava muito bem com as outras estudantes, já que sua árvore genealógica não ostentava riqueza nem poder.

Sua origem era de classe média, e ela só estava tendo a oportunidade de levar uma vida mais suntuosa porque o segundo marido de sua mãe era Kurt Brauer, um magnata do petróleo. O milionário não gostava da enteada e, com a gravidez de Eve, sua esposa, quis ver Brianne ainda mais a distância. Por isso, o internato em Paris fora a opção escolhida para afastá-la.

O fato de sua mãe não haver protestado deixara Brianne muito magoada.

- Você vai gostar, querida - dissera ela, sorrindo para a filha com ar esperançoso. - E terá bastante dinheiro para gastar. Não será um bela mudança? Seu pai nunca teve inclinação para melhorar de vida.

Aquele tipo de comentário piorava ainda mais a relação entre ambas. Elegante e com cabelos também dourados, Eve era linda, mas egoísta. Estava sempre atrás de oportunidades, e aproximara-se de Brauer como um soldado em campanha, determinada a colocar seu plano em prática e conquistá-lo a qualquer custo.

Para espanto de Brianne, menos de cinco meses depois da morte de seu amado pai, sua mãe já estava casada e grávida. Então, de um humilde apartamento em Atlanta, elas haviam se mudado para um vilarejo em Nassau.

Kurt era rico, mas parecia impossível identificar a real origem de sua fortuna. Embora estivesse envolvido com exploração de petróleo, homens de aparência estranha e assustadora costumavam frequentar seu escritório. Além da mansão nas Bahamas, ele também possuía casas de praia em Barcelona e na Riviera, além de um iate para viajar de uma propriedade a outra.

Limusines com motoristas uniformizados e jantares de trezentos dólares faziam parte de sua rotina habitual. Eve parecia muito à vontade com tudo aquilo, vivendo em meio à riqueza pela primeira vez na vida. Brianne, no entanto, sentia-se ultrajada. Por isso, não tardou para que Brauer a tomasse por um empecilho e a mandasse para o internato.

Soltando um suspiro, Brianne olhou a seu redor, voltando a admirar o interior do Louvre. Desde que chegara à "cidade luz", o museu se tornara seu local favorito. Adorava aquele lugar antigo, então reformado e modernizado. Gostava das exibições e ainda se julgava jovem o suficiente para não se importar em mascarar seu entusiasmo por lugares e experiências novos. De fato, o que lhe faltava em histórico familiar lhe sobrava em espírito aventureiro.

De súbito, um homem lhe chamou a atenção. Estava observando uma das pinturas italianas, sem demonstrar muito entusiasmo. Na verdade, não parecia nem mesmo estar enxergando a tela diante dele. Os olhos negros encontravam-se fixos em um ponto. Sua expressão era a de uma pessoa consternada, como se estivesse sofrendo.

Mas havia algo de familiar nele. De algum modo, Brianne reconheceu aquele porte atlético e os ombros largos. Apesar de refinado, o traje que ele usava tinha um aspecto esportivo, com a calça marrom e a camisa branca realçadas por um blazer bege. Estava sem gravata, com o colarinho desabotoado ao pescoço.

Era possível ver um relógio dourado em seu pulso direito, o que, para Brianne, pareceu bastante incomum. Ao observar a mão esquerda do atraente desconhecido, notou que ele segurava um cigarro apagado, e deduziu que ele devia ser canhoto. Observou também que ele usava uma aliança de casamento.

Ao vê-lo se virar, admirou o brilho daqueles espessos cabelos negros, que combinavam com o rosto de traços fortes e com a pele bronzeada. Havia uma covinha bem no meio do queixo, atribuindo-lhe um charme especial. Sim, ele era fascinante.

Foi então que conseguiu se lembrar de onde o conhecia: vira-o na festa de casamento de sua mãe! Tratava-se do famoso arquiteto L. Pierce Hutton, dono da construtora e do grupo empresarial Hutton. Pelo que se lembrava, ele era o maior especialista do mundo na construção de plataformas marinhas para exploração de petróleo. Também era especialista em projetos arquitetônicos e participara da construção de alguns dos arranha-céus mais sofisticados do mundo.

Antes da festa, Brianne já tinha ouvido falar dele nos círculos estudantis. Pierce Hutton era um arquiteto famoso, admirado por muitos ecologistas e criticado por alguns industriais e políticos que não se importavam com a preservação do meio ambiente.

As mulheres presentes na festa de casamento haviam feito comentários mais pessoais. Na época, havia se passado apenas algumas semanas desde que a esposa dele morrera.

Mesmo três meses depois, segundo Brianne pôde notar naquele momento, a expressão dele continuava a mesma: triste e desolada.

Como que hipnotizada por aquela figura enigmática, Brianne se aproximou devagar. A atenção dele estava tão focada em um único ponto da tela, que sua aproximação foi ignorada.

- É uma obra muito famosa. Não gostou do trabalho do artista? - indagou, parando ao lado dele.

Parecia fascinante ficar ao lado de alguém tão alto e forte. Mesmo sendo alta, Brianne notou que era superada em doze ou quinze centímetros por ele.

O olhar que recebeu em resposta foi tão frio quanto a voz que lhe foi dirigida.

- Je ne parle pas votre idiome.

- Não adianta dizer que não fala meu idioma, porque sei que não é verdade - retorquiu Brianne. - Não creio que se lembre de mim, mas nos conhecemos na festa de casamento de minha mãe e Kurt Brauer, em Nassau.

- Minhas condolências à sua mãe - respondeu ele, já no idioma dela. - E então? O que deseja?

Os olhos inocentes de Brianne perscrutaram o tom escuro dos dele.

- Eu só queria dizer que sinto muito por sua esposa - respondeu ela. - Durante a festa, ninguém falou nada a respeito do que aconteceu a ela. Acho que todos se sentiram receosos em fazê-lo. As pessoas costumam agir assim quando sabem da perda de alguém, não é mesmo? Tentam fingir que nada aconteceu, ou então ficam com um ar constrangido e murmuram algum comentário idiota e incompreensível. Foi assim quando meu pai morreu, enquanto eu queria apenas que alguém me abraçasse e me deixasse chorar... - Ela suspirou e sorriu de maneira tímida. - Mas acho que não são muitas pessoas que têm a sorte de serem compreendidas em um momento assim.

A expressão dele não se suavizou nem um pouco.

- O que está fazendo na França? Brauer está trabalhando nos arredores de Paris outra vez?

Brianne balançou a cabeça negativamente, antes de responder:

- Minha mãe está grávida. E como ambos me consideram um obstáculo em suas vidas, enviaram-me para estudar aqui.

- Nesse caso, por que não está na escola agora?

A careta que Brianne deu em resposta foi bastante espontânea.

- Estou faltando à aula de aprimoramento doméstico - explicou. - Não me interessa aprender a costurar ou a fazer almofadas. Quero saber tudo sobre contabilidade e economia, só isso.

- Na sua idade? - Ele arqueou uma sobrancelha.

- Já estou com quase dezenove anos, e sou ótima em matemática. Sempre tiro "A" - acrescentou ela, sorrindo. - Pode apostar que algum dia irei procurá-lo para pedir um emprego. Quero escapar dessa prisão de luxo e ir para a universidade. Chega dê cursos técnicos e preparatórios - desabafou.

Pierce chegou a sorrir, mesmo parecendo relutante em querer fazê-lo.

- Nesse caso, desejo-lhe boa sorte - disse a ela. O olhar de Brianne se voltou para o local onde o

quadro da Mona Lisa estava exposto. A fila estava tão longa quando antes, mas o burburinho das pessoas havia se tornado ainda mais ruidoso.

- Estive ouvindo a conversa dessas pessoas - afirmou ela. - Parece que todas esperam ver uma tela enorme. Por isso ficam decepcionadas quando chegam ao final da longa espera e veem um quadro tão pequeno por trás de uma grossa camada de vidro.

- A vida é mesmo cheia de desapontamentos.

Ao ouvir aquilo, Brianne se virou e fitou-o nos olhos.

- Sinto muito sobre sua esposa, sr. Hutton. Muito mesmo. Dizem que estiveram casados por dez anos e que eram muito dedicados um ao outro. Deve estar sendo difícil viver sem ela.

De súbito, ele pareceu se fechar como uma planta sensível.

- Não costumo falar de meus assuntos pessoais dessa maneira.

- Sim, eu sei como é. Tudo o que precisa é de tempo, só isso. Mas não acho que deva ficar sozinho. Afinal, ela não gostaria de vê-lo assim se realmente o amava.

Pierce moveu o maxilar de maneira tensa, deixando claro que estava tendo de se controlar para não perder a paciência.

- Qual é seu nome?

- Brianne Martin.

- Srta. Martin, quando ficar mais velha, acabará descobrindo que é melhor não ser tão direta ao falar com desconhecidos.

- Já sei disso. Estou sempre entrando em encrencas por agir assim - murmurou ela, com um ar sorridente. Após uma breve pausa, acrescentou: - Imagino que seja um homem de personalidade forte. Precisa ser, ou não teria conseguido tudo o que já alcançou com pouco mais de trinta anos de idade. Todos têm seus dias ruins. Mas por maior que pareça a escuridão, sempre há alguma luz... - Ao vê-lo abrir a boca com ar de protesto, levantou a mão para detê-lo e acrescentou:

- Está bem, não direi mais nada.

- Nesse caso... - começou ele, sendo novamente interrompido em seguida.

- Acha que esse cavalheiro está na proporção correta? - indagou Brianne, voltando-se para a tela diante deles, que mostrava um casal nu. - Parece-me que se trata de alguém um pouco... sexualmente desprivilegiado, considerando-se a altura dele. E a dama é um tanto exagerada. Bem, mas quem sou eu para criticar? - Ela sorriu. - O artista era considerado um especialista em gordinhas nuas. Ainda bem que já não se valoriza esses excessos hoje em dia. - Ela soltou um suspiro aliviado e tocou o próprio abdome. - Ou eu teria de usar enchimento nas roupas.

Sem notar o sorriso que se formou nos lábios dele, Brianne consultou o relógio e se interrompeu por um instante, arregalando os olhos antes de prosseguir:

- Oh, vou me atrasar para a aula de matemática! E essa eu não quero perder, de jeito nenhum. Até logo, sr. Hutton!

Movendo-se com graciosidade, virou-se depressa e se afastou, descendo a escadaria que levava à rua, sem nem mesmo olhar para trás. A trança loira balançava e batia em suas costas, seguindo o ritmo de seus passos rápidos.

Pierce não pôde deixar de sorrir outra vez. A garota impulsiva conseguira diverti-lo por alguns minutos. Seu sorriso se tornou irônico quando ele se lembrou de que algo a levara a pensar que a pintura não o agradara. Na verdade, não fora até ali para olhar as pinturas, mas para considerar a possibilidade de se jogar no rio Sena depois do anoitecer.

Margo havia partido e, por mais que ele tentasse, não conseguia imaginar como continuaria a viver sem ela. Não haveria futuro para ele se não pudesse mais ver o brilho daqueles olhos azuis, ouvir aquele riso agradável ou escutar aquela voz suave, com sotaque francês, censurando-o por trabalhar demais. Oh, Deus, nunca mais sentiria o corpo dela em contato com o seu, vibrando em êxtase na escuridão do quarto onde se amavam todas as noites.

Lágrimas lhe vieram aos olhos, fazendo-o levar a mão ao rosto para enxugá-las com discrição. Era como se houvesse um vazio infinito em seu peito. Ninguém ousara se aproximar dele desde o funeral. De fato, ele proibira até que o nome dela fosse pronunciado em sua silenciosa mansão, em Nassau.

No escritório, passara a trabalhar de maneira quase ininterrupta, como se pudesse encontrar no trabalho o alento para amenizar sua dor. As vezes chegava a ser rude, mas todos o compreendiam. Sabiam que ele havia se tornado um homem solitário, e que não tinha filhos nem família para convolá-lo. Uma das maiores causas de sua dor era a lembrança de que Margo se tornara estéril depois de sofrer um aborto acidental em sua primeira gravidez.

Quando haviam se recuperado do choque, decidiram que aquilo não deveria ser um empecilho para a felicidade deles. Dali em diante, seriam tudo um para o outro. Se pudessem ter tido filhos, teria sido maravilhoso, mas se isso não fora possível, melhor seria se conformar com a realidade. Afinal, amavam-se acima de tudo.

Haviam aproveitado a vida ao máximo, sempre juntos e apaixonados, desde o primeiro encontro até o amargo fim. Por isso, ele acompanhara cada passo do processo de evolução da doença que a consumira.

Mesmo definhando, os pensamentos de Margo eram sempre voltados para seu bem-estar. Todos os dias ela costumava questioná-lo a respeito da alimentação e do sono, como se ela mesma estivesse saudável. Preocupava-se inclusive com o futuro, quando não mais pudesse cuidar dele.

- Você nunca usa casaco quando neva - reclamara certo dia, já falando com dificuldade. - Nem leva guarda-chuva quando o tempo está nublado. Jamais trocou as meias por estarem molhadas. Isso me preocupa tanto, mon. Cher. Precisa cuidar de si mesmo, tu compreendas?

Ao ouvir aquilo, Pierce prometera que o faria. Ao se ver sozinho, porém, chorara de desespero, sentindo-se impotente diante da força daquela maldita doença.

- Oh, Deus - murmurou Pierce, ao se lembrar daquele momento doloroso.

Um casal de turistas o fitou com ar surpreso, levando-o a se lembrar de que estava em pleno Museu do Louvre. Abaixando o rosto, caminhou rumo à porta, descendo a escadaria e se submetendo ao abafado calor parisiense.

O som rotineiro do tráfego intenso restabeleceu seu senso de normalidade. O ruído e a poluição no centro de Paris tornava aquele povo mal-humorado ainda mais irritadiço. Para ele, contudo, aquilo mais parecia um alento. Colocando a mão no bolso, retirou o isqueiro e o fitou por um segundo, antes de acender um cigarro.

Tratava-se de uma peça de ouro, com suas iniciais gravadas com letras ornamentais. Sempre carregava aquela lembrança consigo. Desistindo de tentar fazê-lo parar de fumar, Margo lhe dera o isqueiro no décimo aniversário de casamento, como um símbolo de perfeita paz. Ao deslizar o polegar sobre as letras ali gravadas, Pierce sentiu um aperto no peito.

De súbito, voltou a guardar o artefato no bolso e jogou o cigarro em uma lata de lixo. Então olhou ao redor, observando o amontoado de pessoas entrando e saindo do museu. Todos pareciam estar se divertindo. Turistas, estudantes, curiosos, admiradores, ninguém saía dali sem sorrir. Exceto ele próprio. Sua dor o impedia até mesmo de se sentir feliz pelos outros, algo que sempre lhe acontecia no passado.

Seu pensamento então se voltou para Brianne e para as palavras que ouvira dela. Parecia estranho que uma garota desconhecida surgisse do nada e lhe desse uma lição de vida a respeito de como se recuperar pela perda de sua esposa.

Lembrou-se então de que Brauer se casara com a mãe dela e de que a engravidara. Brianne mencionara a dolorosa perda do pai e o casamento quase imediato de sua mãe. Pelo visto, ela também entendia de mágoas. Lembrando-se da expressão dela, ao dizer que fora mandada embora para deixar de ser um empecilho, foi impossível não soltar um suspiro desanimado. Todos pareciam ter problemas de algum tipo. Assim era a vida.

Fitando seu Rolex dourado por um instante, balançou a cabeça negativamente. Deveria estar em uma reunião com alguns ministros dali a trinta minutos. Considerando o tráfego intenso daquele horário, chegaria com mais de meia hora de atraso. Com um gesto, sinalizou para um táxi e se encaminhou para ele, conformado com o fato de que perderia o começo da reunião.

Brianne entrou de maneira furtiva no edifício, tentando chegar à aula de matemática sem chamar muita atenção. Contudo, a maquiavélica Emily Garis flagrou-a se esgueirando pela porta traseira da classe e logo começou a cochichar com as amigas.

Emily era uma das inimigas que Brianne conseguira fazer no pouco tempo em que estava ali. Por sorte, faltava apenas um mês para o fim do curso de aprimoramento social, que seu padrasto lhe impusera. Então ela seria mandada para outro lugar qualquer. De preferência para a universidade.

Contudo, ainda teria de suportar o esnobismo de Emily e de suas amigas por mais algumas semanas.

Abrindo o livro de matemática, acompanhou com satisfação a aula de álgebra. Para ela, aquela era a disciplina mais interessante que lecionavam por ali. Sempre achara mais fácil lidar com equações do que com bordados delicados.

Ao saírem da sala, Emily parou no saguão, ladeada por duas acompanhantes. Tratava-se de uma jovem de origem aristocrática, pertencente à família real britânica, e capaz de traçar sua árvore genealógica até um parentesco direto com a casa dos Tudor. A jovem inglesa tinha cabelos muito loiros, sempre arrumados em um penteado sofisticado, e nunca era vista com trajes que não fossem exclusividade das mais caras butiques parisienses.

Mas isso não a tornava menos desagradável nem menos má do que era. Na verdade, Brianne a considerava a pessoa mais fria que ela já conhecera em toda sua vida.

- Você faltou à aula para passear. Outra vez. Mas já contei o ocorrido à srta. Dione - disse Emily, com um sorriso falso, de aspecto venenoso.

- Oh, está tudo bem, minha cara - respondeu Brianne, com uma expressão equivalente à da moça. - Contei à diretora sobre o que você e o dr. Mordeu estavam fazendo atrás do biombo chinês na sala de arte, na terça-feira após a aula. Muitas pessoas os viram lá, sabia?

Surpresa, a jovem ficou sem palavras. Aproveitando o momento, Brianne acenou e sorriu com falsa candura, ao se afastar rumo ao refeitório. Era comum que algumas pessoas associassem sua aparência e seu gênio dócil com estupidez ou fragilidade. Lamentava ter de usar sua inteligência para contra-atacar, mas nunca lhe davam outra opção.

De qualquer maneira, a denúncia que fizera à diretora fora mais do que verídica. Já havia algum tempo que a falta de discrição de Emily e do doutor andava incomodando as alunas do internato. De vez em quando, qualquer um que entrasse no estúdio podia ouvir o que acontecia, mesmo que as silhuetas deles não estivessem tão visíveis através do biombo semitransparente.

Naquela mesma tarde, o professor de arte foi despedido e esvaziou seu gabinete. Emily não apareceu na sala de aula na manhã seguinte. Uma das alunas disse tê-la visto partir logo depois do desjejum, com bagagem e tudo, em uma limusine com a bandeira inglesa.

Depois disso, a escola deixou de ser um incômodo para Brianne, já que as amigas de Emily se tornaram inócuas na ausência da líder. Estreitou ainda mais sua amizade com uma moça de cabelos avermelhados, chamada Cara Harvey, que, embora tivesse um ano a menos do que ela, também gostava de visitar museus e galerias de arte. Juntas, elas conheceram os principais lugares de Paris.

Mesmo não admitindo isso de maneira consciente, durante todos aqueles passeios Brianne alimentara o desejo de reencontrar Pierce em algum lugar da cidade. Ficara muito impressionada com o arquiteto. Não apenas por ele ser alto, forte e atraente, mas também por seu charme e seu ar misterioso. De fato, jamais se sentira tão atraída por alguém.

Tinha a tendência de ser solidária com a situação de outras pessoas, mas com Pierce isso fora mais forte do que nunca. Era como se pudesse compartilhar da dor que o afligia só de vê-lo franzir o cenho, fitando-a com aquele olhar triste.

Brianne ficou surpresa com o que estava sentindo, mas não questionou o fato. Não a princípio.

Ao final da tarde do dia em que completou dezenove anos, Brianne foi sozinha até o Louvre. Queria olhar a pintura que Pierce estivera observando naquele dia.

Exceto por um cartão que recebera de Cara, seu aniversário passara despercebido por todos. Sua mãe também ignorou a data, como de costume. Seu pai teria enviado rosas ou algum presente, mas não estava mais vivo para fazê-lo. De fato, ela não se lembrava de haver passado por aquela data de uma maneira tão solitária, desde que nascera.

Até mesmo o Louvre falhou na tarefa de melhorar seu humor. Por um instante, sentiu-se tola por haver colocado um de seus trajes prediletos. A saia bege tinha detalhes no mesmo tom verde-água de sua blusa de seda, realçando a cor esmeralda de seus olhos. Escovara os longos cabelos, que chegavam até sua cintura, deixando-os soltos sobre as costas e os ombros em sedosas mechas douradas. Chegara até a pensar em cortá-los, mas desistira da ideia. De fato, estava até aliviada por não tê-lo feito. Gostava da aparência muito feminina que os longos cabelos lhe proporcionavam.

Ao notar que estava escurecendo, deu-se conta de que logo teria de voltar para a escola. Então decidiu pegar um táxi. Embora não tivesse medo de caminhar à noite em Paris, sentiu-se merecedora daquele conforto. Porém, quando olhou rua abaixo, um pub lhe chamou a atenção. Estava com sede e talvez servissem alguma bebida neoalcoólica naquele lugar.

Ao entrar, descobriu que o lugar era bastante exótico e que tinha uma aparência luxuosa. Não acreditando que se tratasse do ambiente adequado para alguém de sua idade, deu meia-volta e decidiu sair. Contudo, uma mão firme pousou sobre seu braço, como que saída do nada, impedindo-a de prosseguir.

Surpresa, deparou-se com um estonteante par de olhos negros, perdendo o fôlego ao reconhecê-los.

- Está passeando? - perguntou Pierce. - Por acaso já tem idade para beber?

A voz dele lhe pareceu tão profunda quanto da outra vez em que o vira, mas seu sotaque estava estranho. Uma mecha daqueles fartos cabelos negros lhe caíra à testa, deixando-o com um ar rebelde.

- Estou fazendo dezenove anos hoje - respondeu Brianne.

- Ótimo. Assim poderá ser minha motorista honorária. Vamos.

- Mas não tenho carro! - protestou ela.

- Já que tocou no assunto, também estou a pé. Bem, então não precisamos de motoristas honorários.

Sem saber muito bem como reagir, Brianne se deixou conduzir até uma mesa reservada, a um canto do pub. Uma garrafa de uísque de marca famosa, apenas com metade de seu conteúdo, encontrava-se aberta sobre a mesa. Pelo visto, fazia algum tempo que Pierce estava ali.

O ambiente estava tão enfumaçado que Brianne sentiu um ardor dos olhos e fez uma careta ao sentir o forte odor daquela névoa esbranquiçada.

- Pelo jeito, você odeia fumaça de charuto e de cigarro - afirmou Pierce, olhando para o maço que ele deixara fechado sobre a mesa, já que o pedira mas não tivera coragem de abri-lo.

- Em ambientes abertos isso não me incomoda. Mas, nesse lugar fechado, a fumaça não me faz muito bem. Tive pneumonia no último inverno e meus pulmões ainda estão sensíveis. Acho que ainda não estou em plena forma.

- Nem eu - murmurou ele, em tom grave. - Na verdade, nem me aproximei de voltar ao normal. Você não disse que eu melhoraria com o tempo? Pois se enganou completamente, minha cara. Não melhorei nada e o vazio no meu peito parece aumentar mais a cada dia. - Com uma careta de desgosto, passou a mão pelo rosto, antes de se debruçar sobre a mesa. - Nem imagina como sinto falta dela.

Estavam sentados em um acento inteiriço, ocupando uma das mesas situadas de uma maneira estrategicamente reservada. Apenas as pessoas do balcão, cuja maioria se encontrava de costas para eles, podiam vê-los ali. Brianne se aproximou um pouco mais e passou um braço sobre os ombros dele e o outro diante de seu peito, abraçando-o com carinho.

Não houve muito tempo para ela pensar no que estava acontecendo, porque, no instante seguinte, foi envolvida por aqueles braços fortes. Então o rosto de Pierce se acomodou na curva sensível de seu pescoço, logo abaixo de sua orelha, enquanto as mãos firmes se contraíam sobre suas espáduas.

Brianne notou que ele estava trêmulo, e surpreendeu-se quando a umidade em seu ombro denotou lágrimas de mágoa e de perda. Jamais imaginara que algum dia se veria naquela situação, mas embalou-o devagar, murmurando palavras de esperança. Sentiu que precisava convencê-lo de que tudo acabaria bem e de que aquela dor logo diminuiria.

Quando notou que Pierce estava mais tranquilo, começou a sentir-se desconfortável e embaraçada. Ao fazer um discreto ruído com a garganta, viu-o levantar a cabeça e fitá-la com os olhos marejados de lágrimas.

- Está surpresa? Isso porque é americana. No seu país os homens não podem chorar. São obrigados a esconder as emoções por trás de uma fachada de invulnerabilidade que só serve para deixá-los doentes e matá-los de ataque cardíaco - desabafou Pierce, soltando uma risada irônica enquanto se endireitava e enxugava as lágrimas. - Bem, mas eu sou grego. Pelo menos na descendência, já que meu pai era grego. Minha mãe era francesa, e uma de minhas avós, argentina. Tenho um temperamento bastante latino e não me incomodo em demonstrar o que sinto: rio quando estou feliz e choro quando fico triste.

Brianne abriu sua pequena bolsa e pegou um lenço, com o qual enxugou o rosto dele.

- Assim como eu - confessou ela, enquanto tocava o lenço no rosto dele, com delicadeza. - Gosto de seus olhos. São muito escuros, quase negros.

- Sim, como os de meu pai e de meu avô. Vovô... - acrescentou, pensativo. - Ele também era grego e tinha navios petroleiros. Mas vendi tudo para comprar escavadeiras e guindastes.

Brianne sorriu.

- Não gosta de petroleiros?

- O que não admito são vazamentos de petróleo. Então construo plataformas de exploração para ter certeza de que são bem-feitas e de que não poluirão o mar.

- Entendo.

Pierce sorveu um generoso gole do drinque e ofereceu o copo a ela.

- Experimente. E um excelente uísque escocês, importado de Edimburgo, e está bem diluído em soda.

- Nunca tomei nenhuma bebida forte - confessou ela, hesitante.

- Sempre há uma primeira vez para tudo. Brianne respirou fundo.

- Está bem. Saúde! - brindou, provando um gole do líquido e arregalando os olhos com uma careta. - Meu Deus, acho que acabei de beber combustível de foguete!

- Mas que sacrilégio! - protestou Pierce, com um brilho de divertimento no olhar. - Menina, essa é a bebida mais cara deste lugar!

- Ei, não sou mais uma menina. Estou com dezenove anos! E sabe de uma coisa? Isso não é tão ruim assim. Depois que a garganta esfria, claro.

Bebeu mais um pouco, mas Pierce lhe tirou o copo da mão logo em seguida.

- Pode ir parando por aí. Não pretendo ser acusado de seduzir uma menor de idade.

As sobrancelhas de Brianne se arquearam de imediato.

- Oh, faria isso por mim, por favor? - indagou ela, com um ar maroto e um tom de ironia. - Sabe, ainda não tive minha "grande noite" e tenho curiosidade de saber o que leva as mulheres a se despirem para os homens. Olhar as estátuas do Louvre não é o melhor meio de se aprender sobre educação sexual. Aliás, cá entre nós, minha mentora escolar ainda acha que os bebês são trazidos por grandes cegonhas.

- Você é um bocado atrevida - observou Pierce, surpreso.

- Espero ser mesmo. Venho me esforçando muito para me aperfeiçoar nisso. E então? Sente-se melhor?

Ele deu de ombros.

- Acho que sim. Não estou bêbado como desejava, mas sinto-me bastante entorpecido.

Brianne colocou a mão sobre a dele. Era quente e forte como imaginara antes, quando o vira pela primeira vez. Havia pelos macios e encaracolados nas costas de seus dedos bronzeados. Suas unhas eram bem aparadas e cuidadas, completando a aparência de perfeição que o envolvia.

Ouviu-o soltar um longo suspiro e só então percebeu que sua própria mão havia ganhado a atenção dele.

- Vejo que não costuma pintar as unhas - constatou Pierce. - Nem as dos pés? - acrescentou, surpreso.

- Não. Acho que não preciso me preocupar com isso. Estou sempre andando descalça e mexendo com materiais estranhos nas aulas de arte. Seria muita perda de tempo.

Pierce segurou a mão dela.

- Obrigado, Brianne.

A maneira como aquilo foi dito deixou claro que não estava sendo fácil ele admitir que precisara de alguém para ajudá-lo. Com um sorriso compreensivo, Brianne respondeu:

- Há momentos em que tudo o que precisamos é de um ombro amigo. Sei que é um homem forte e que vai superar esta fase difícil.

- Talvez.

- Com certeza - garantiu ela, com firmeza. - Não acha que já é hora de ir para casa? - Então olhou ao redor. - Há uma loira de cabelos longos sentada diante do balcão que parece bastante interessada em olhar para cá. E pela expressão no rosto dela, deve estar planejando levá-lo para casa, fazer amor com você e então roubar sua carteira.

Pierce se inclinou para a frente.

- Acho que eu não conseguiria fazer amor com ninguém esta noite. Estou atordoado por causa da bebida.

- Aposto que a "moça" ali não se importaria com esse detalhe.

O sorriso de Pierce surgiu de maneira natural.

- Você se importaria? - insinuou ele. - Se quiser, pode vir comigo para tentarmos...

- Oh, não com você bêbado desse jeito - Brianne o interrompeu. - Minha primeira vez terá de ser como uma noite de Ano-Novo, com muitos fogos de artifício, só que durando pelo menos cem vezes mais. Como posso esperar algo assim de alguém que bebeu meia garrafa de uísque?

Pierce inclinou a cabeça para trás, com uma gargalhada. O riso foi intenso, espontâneo e agradável. Pelo visto, ele era alguém que se entregava de corpo e alma às emoções.

- De qualquer modo, leve-me para casa - pediu Pierce, quando parou de rir. - Acho que estarei mais seguro com você. - Colocou então algumas notas sobre a mesa e hesitou. - Também não poderá me seduzir, certo?

Brianne levou a mão ao peito e fez uma expressão satírica de falsa inocência.

- Pode deixar. Prometo que não abusarei de você.

- Então está bem - murmurou ele, cambaleando um instante ao ficar de pé. Apoiando-se no ombro dela, franziu o cenho. - Puxa, nem me lembro de que maneira cheguei aqui. Pensando bem, acho que abandonei uma reunião onde estava negociando a construção de um novo hotel.

- Calma. Com sorte, todos estarão esperando sua volta - respondeu Brianne, sorrindo. - Mas agora é hora de levantar âncora, meu caro. Vamos procurar um táxi.

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