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Capítulo

Marcela Brown era a típica garota californiana: alegre, mas de pouca paciência. Quando ela mudou-se para Nova York, seu maior desejo era esquecer que um dia se apaixonou tão perdidamente por alguéme saiu com o coração quebrado. Com o diploma em mãos, decidiu que jamais iria cair novamente na lábia de qualquer homem. Era feliz sozinha, com seu estilo diferente, sua aura confiante, amigos maravilhosos, e com seu segredo torturante escondido sob sete chaves. Mas sua paz acabava no apartamento 403, onde morava a segunda pessoa mais babaca do mundo: George Smith. Ela não o suportava, suas noitadas com várias garotas, suas bebedeiras, seus amigos, o som da sua voz e até olhar para ele era algo repugnante. Mas a vida de ambos colidiram tão rapidamente que eles logo se viram em uma paixão ardente. Um romance contubardo, cheio de segredos, onde cada um teria que colocar sua força em prática, se perguntando até onde o coração humano era capaz de aguentar até encontrar um final feliz. E, com o passado de ambos oculto em segredos terríveis, George e Marcela se perguntavam se realmente teriam um final feliz enquanto lutavam para segurar um relacionamento que todos sabiam que não daria certo, porque, além do mais, personalidades tão distintas eram apenas a gasolina no fogo. Enquanto se feriam, vendo como vida estava pregando-lhes peças, eles aprenderiam que amar era doloroso, mas que enquanto estivessem conectados por esse sentimento, nem a pior coisa no mundo podia separá-los.

Capítulo 1 festa de ursinhos

2013

[George Smith]

- Como ela se chama mesmo?

Gabriel me passou a garrafa de tequila, ainda se recuperando do longo gole que o

fizera perder os sentidos por pelo menos três minutos. Fracote. O que realmente tinha meu

respeito era Weslley que já tinha virado cinco cervejas e estava de pé com a melhor cara de

sóbrio possível. Óbvio que depois do pé na bunda que levou de Helena era quase

dormente no quesito bebidas alcoólicas.

Talvez Matarazzo não estivesse se dando conta do quanto gritava, por isso lancei o

pior olhar de reprimenda possível. Aquela garota tinha ouvidos supersônicos; conseguia

captar o mínimo barulho ou menção ao seu nome a quilômetros de distância. Foi assim

com Brenda na última sexta.

Estávamos conversando baixo na porta do elevador quando eu tentava dispensá-la

da maneira mais gentil que eu, George Smith, chegava perto. Não encarando-a nos olhos

por mais de cinco segundos (essa era minha regra: mais de cinco segundos, mais

desculpas fajutas), acabei tocando no nome Marcela sem querer, apenas por achar que era

certo avisá-la sobre minha vizinha maluca que se vestia como uma criança daltônica e que

pegava no meu pé mais que chiclete, e só ouvi as dobradiças velhas da porta dela

rangendo. Assim que virei-a para encará-la, seu cenho franzido em desgosto quase me fez

rir porque percebi que estava ouvindo à surdina. Ela odiando admitir, era uma daquelas

senhoras fofoqueiras que tinha em todo prédio.

Nossos olhares se cruzaram instantaneamente, e tive um vislumbre pequeno das

suas bochechas ganhando uma tonalidade cor-de-rosa bonitinha sob a pele bronzeada

californiana. Tinha sido pega no flagra, óbvio. E pelo menos não tive de ensiná-la a

decência do constrangimento.

O cara mais sem vergonha querendo passar ensinamentos à alguém? É mais fácil

eu começar a curar, zombou Wesley quando lhe contei desse incidente. Podia discordar

dele, mas estava certo. Não tinha um pingo de moral para julgá-la.

- Acho que é... Marcela Brown! - Wesley subiu o tom de voz propositalmente no nome

dela. - É de Marcela Brown que estamos falando, George Smith?

E mais algumas oitavas no meu.

Joguei uma lata de cerveja na direção da cabeça dele que foi desviada a tempo.

Droga. Era para acertá-lo bem no olho para ver se calava a boca ou perdia a visão.

- Wesley, você ficou maluco? Se essa mulher entrar aqui que nem o Rambo

derrubando a porta e me der um tiro logo de vez, volto dos mortos para puxar seu pé a

noite.

O sorriso dele foi de orelha a orelha ao passo que eu olhei pelo vão da porta para ver

algum sinal de pés intrometidos com meias horrendas. Pelo menos daquela vez ela não

estava agindo como uma maluca e cuidando da minha vida mais do que cuidava da sua.

- Por que você tem tanto medo dela mesmo?

Franzi a testa para Gabriel que deu de ombros para minha pergunta muda: quê?

- Não tenho medo dela. Apenas respeito-a.

O silêncio que seguiu depois que falei isso foi estranho. Matarazzo encolheu os

ombros e Wesley começou a assobiar, desacreditando. Eu pensei. Era mais fácil me entreter

com Cheryl, meu encontro daquela noite, e a foto da lingerie azul que comprou e mandou

como anexo para mim em baixo das seguintes palavras: tire-a e esquente-me.

Tentadora? Com certeza. Só de pensar nisso meu pau criava mãos junto com as minhas bolas e

batiam palmas com um coro de anjos atrás.

Estava tão distraído que minha mente logo vagou por Milena e sua indiscrição. Na

última noite pude ouvi-la perfeitamente num momento um tanto enrolado consigo mesma, e

não mentiria que fiquei bem curioso para saber o que rolava no quarto ao lado pelo jeito

que ela sussurrava palavras desconexas e gemia baixinho. A primeira das outras três

vezes naquela noite. E a coisa parecia só esquentar a cada cinco minutos de pausa para

recuperar as forças porque voltava mais eufórica e escandalosa, chegando até gemer o

nome do Chris Evans. Quis morrer de rir por ter fantasias sexuais com o Capitão América,

mas, como sempre, fui cauteloso e continuei a apenas escutar - e controlar imagens

repentinas dela enfiando os dedos em si mesma ou movimentando o clitóris.

Não minto que já tive pensamentos eróticos com ela (os mais recentes foram de

como seria a sensação de ter meu pau enterrado bem fundo na boceta dela e qual seria

sua feição quando tinha um orgasmo), mas a garota me irritava tanto que eles logo eram

substituídos por homicidas incontroláveis. Só tinha vontade de, sei lá, cortar os fios do

elevador com ela dentro para ele despencar não sei quantos andares abaixo só para eu

poder dançar na cena do crime e jogar Banco Imobiliário na recepção do necrotério. Marcela

Brown era incomodada e incômoda demais, e naqueles últimos dias cuidava mais dos

meus assuntos do que os seus.

Nem sua amiga ruiva bonitinha e seu amigo moreno (que tinha um namorado

chamado Alex e que falava o nome dele 100 vezes durante um diálogo) conseguiam

controlá-la, e ela passava o dia todo falando mal do vento se deixassem. Dois dias antes,

quando eles foram visitá-la todos de uma vez, escutei-a carregado de infelicidade reclamar

do pobre senhor Popples, o poodle da senhora Jefferson do 398, que tinha a mania de

levantar mais cedo que o galo de uma fazenda, subir as escadas de incêndio e urinar na

porta dela. Podia achar cômico se não tivesse concordado uma momento quando indagou

ao nada o por que da "velha maluca da Maury Jefferson não meter uma coleira na bunda

do animal, se fosse possível, para livrá-la de limpar mijo de cachorro às seis da manhã", e

só levei-a a sério porque uma vez tive o azar de pisar na urina dele e quis mesmo chutá-lo

da cobertura e ainda defecar no seu pequeno cadáver.

Nick disse que eu precisava urgentemente de um psicólogo para tratar dos meus

pensamentos insanos. E ele tinha meia parcela de razão.

Ok, o mundo inteiro tinha razão que eu estava ficando maluco, porém, não era minha

culpa. Todos ao meu redor sabiam o motivo de eu estar quase ganhando o troféu de Ser

Humano Com Menor Teor de Normalidade de Nova York e seu nome e sobrenome: Marcela

Sou Chata Pra Caralho Brown.

Espera, esse era do mês passado. O de abril foi renovado com sucesso: Milena Sou

Chata Pra Caralho, Tão Chata que Aula de Sociologia Se Torna Um Show de Comédia

Perto de Mim Brown.

E talvez eu estivesse tão obcecado por acabar com a presunção dela que tenha

ouvido uma risadinha sarcástica pelo corredor. É, realmente estava ficando maluco.

- E como anda o encontro com a Cheryl?

Dei de ombros, agora encarando o vão da porta com mais desconfiança. Não

esperava menos se ela estivesse mesmo nos espionando.

- Só espero que consiga comê-la no fim da noite, Gabriel.

Levantei minha cerveja para ele bater com a garrafa de tequila, mas só recebi um

menear incrédulo de cabeça.

- Você é um galinha, Smith. Não sabe o quanto esse pessoal daqui te odeia e

ainda vai trazer mais uma de suas escandalosas para cá?

- Tenho culpa se sou um garanhão?

- Não, mas tem por não saber controlar um bando de mulheres - acusou Wesley

para o meu desgosto.

Fiquei realmente ofendido com seu perjúrio.

Mentira. Nem liguei. Palavras desse tipo de Wealey Ramirez eram tão redundantes quanto

bocejar de manhã. E era mais ou menos o jogo do sujo falando do mal lavado. Ele também

não tinha o histórico tão limpinho quando se tratava de mulheres.

- Desculpa, mas estou sem grana agora para fazer a encomenda das suas asas,

anjinho - desdenhei fazendo-o revirar os olhos.

Gabriel interveio antes que nós dois começássemos a nos matar com garrafas de

cervejas quebradas.

- Ela é bonita?

- Cheryl Miller? Caralho, nunca vi mulher mais gostosa! Tem uns peitos que...

- Uau, você é tão amplo quanto uma caixa de fósforo - falou ele irritado pela

minha descrição sem nenhuma informação a mais. - Não quero saber dos seios dela,

George.

- Mesmo que sejam bonitinhos?

Minha adição de palavras ao seu sermão não resultou do jeito que queria.

- Isso soa machista, burro e insalubre.

- Você é burro e insalubre - repliquei, fazendo bico.

Odiava levar sermão de Gabriel, ainda mais porque ele era tão sem moral

quanto eu. Queria mesmo que eu começasse a lembrá-lo das várias informações que nos

dava sobre as garotas com quem transava? Sobre as várias bundas, peitos e vaginas que

tinha a cara enfiada? Não adiantava falar de machismo ou insalubridade: ele era mil vezes

pior. Pelo menos eu não saía me gabando.

- Mais gostosa que Marcela Brown? - provocou Wesley.

Encarei-o de modo sugestivo. Sem dúvidas. Se bem que ela parecia ter uma barriga

admirável e seios bem genuínos se fôssemos comparar as belas pernas.

Mas para manter as aparências, mudei meu olhar para indiferente.

- Marcela Brown não é gostosa. Parece uma prima minha de nove anos.

Eles deram risada.

- Eu teria coragem de dormir com ela - revelou Matarazzo.

Fechei a cara.

- Duvido muito. Se ela não cortasse suas orelhas ou pênis fora quando estivesse

distraído, me jogaria do prédio.

- Mas pena que ela não faz meu tipo.

- Cafona demais? - tentei, insolente.

- Durona - corrigiu Wesley.

- Durona? - repeti confuso.

- Claro - respondeu Gabriel. - Qualquer garota que tem peito pra te colocar no seu

devido lugar, é durona.

Testei a palavra na língua. Ela não deslizava com suavidade; arranhava assim como

Marcela. E me colocar no meu devido lugar? Sério? Só era educado demais para não colocála no dela.

- Talvez você esteja enganado. Talvez ela só seja uma mimada que está recebendo

castigo por, sei lá, gastar o dinheiro todo do cartão de crédito e quer descontar a raiva em

mim, o pobre do George.

Gaten negou como se tivesse certeza do contrário.

- Não sei, acho que não. Porque, tipo, qual seria o motivo dela ter pego uma cisma

logo com você de cara?

Dei de ombros, inocente. Sabia do motivo dela me odiar perfeitamente, mas não

ligava o suficiente para isso.

- Não faço ideia - respondi, bebendo um gole da cerveja.

Ambos ficaram desconfiados. Bem, ainda mais.

- George, como te conheço o suficiente para saber quando mente, sei que neste

momento estás a fazer isso.

Arqueei uma sobrancelha para Wesley. Ele rebateu o gesto.

- Não fale como uma senhora dos século 19 - adverti.

- E mentir é feio, idiota.

- Eu só... - Fui interrompido por batidas na porta.

Franzindo o cenho em pura confusão, levantei do sofá também aliviado por fugir

daquele assunto. Eles iriam ficar bastante irritados em saber que eu comecei a rixa entre

mim e ela. Claro, ainda admitia que tive a chance de me redimir várias vezes e que não

aproveitei-as, mas não diria em voz alta. Abri a porta, olhando para ambos os lados e

estavam vazios, exceto pelo elevador que funcionava, o motor velho rangendo e sendo

empurrado para baixo.

Ainda sem entender nada, voltei a atenção à sala onde meus amigos encaravam

tudo tão confusos quanto. Gabriel levantou os ombros ao meu olhar questionador, dizendo

um claro: não faço ideia, amigo.

E quando ia me virando, xingando o infeliz que ousou perturbar minha tarde de terça,

pisei em algo. Especificamente, uma carta num envelope cor de mijo. Abaixei para pegá-lo,

curvando a cabeça e tentando entender o que acontecia. A trouxe bem para perto,

assimilando a letra. Na capa dizia: Para o senhor George Smith.

- Senhor George Smith - disse Gabriel ao meu lado -, que chique. Não é chique,

Wesley?

- Chiquérrimo.

- Vocês dois, calem a boca.

Tirei a folha, juntando as sobrancelhas para compreender.

Prezado Senhor Smith,

Em nome de todo o prédio do Upper West Side, nós o convidamos para uma

reunião mensal do condomínio, onde iremos nos reunir para ouvir sugestões e

reclamações sobre determinados problemas do lugar. E também o convidamos para

uma conversa (que foi totalmente aceita por todos os outros moradores) grupal com

o assunto principal: sua música e parceiras sexuais importunas, que deixam os

nossos caros moradores incomodados. É de extrema urgência, então não falte. Será

hoje às quatro horas.

Obrigado por sua atenção.

Joshua Ovalle, o síndico.

Moradores que desejam-no na reunião:

- Maureen Jefferson;

- Xander James;

- Walter Forrer;

- Ross Reed;

- Florence Jones;

- Dinah Young;

- Marcela Bobby Brown.

Petição criada e dirigida por Marcela Brown, do 402.

Tinha certeza que meu olho não parou de tremer um segundo sequer desde que

comecei a ler aquela porcaria, porque estava muito puto. Tipo, tão puto que amassei o

envelope que viera a carta e atirei-o do outro lado da sala.

Gabriel morria de rir a minha esquerda, e Weslley, a minha direita. Só queria socá-los

bem no estômago até não conseguirem mais segurar e cagar nas calças. Com certeza foi

ideia dela. Ela me odiava e não havia forma melhor de me fazer pagar do que com uma

humilhação na frente de todos os moradores do prédio. Até podia imaginá-la sussurrando

besteiras no ouvido do frangote do Ovalle que era persuadido por qualquer ser com peitos

que via. E mais perfeitamente ainda para o pobre coitado do Ross Forrer que acreditava

em qualquer merda que ouvia. O doido achava que discos voadores existiam.

- "Parceiras sexuais importunas?

- Meu Deus, isso ganhou meu dia!

Sério, não precisava de Gabriel Cabeça de Pinto Matarazzo repetindo o motivo do

meu surto interno e de Wesley Cuzão McKeeny zombando da desgraça que se apossava dos

meus sentidos. Já não era suficiente me segurar para não ir até o apartamento dela e

amordaçá-la para não dar mais um pio?

- Você vai?

Encarei Gabriel como se ele fosse maluco.

- Nem morto!

- É uma petição, George - explicou Wesley como se não estivesse óbvio. - Significa

que estão suplicando por sua presença lá. É como um ultimato.

- Estou quase para ir no apartamento de Marcela Chatonilda Brown e dar um ultimato nela,

isso sim.

- Com ela amarrada e vendada para você? - provocou Gabriel, balançando as

sobrancelhas.

Ia contrariando-o, dizendo que essa era a ideia mais doida que já tinha ouvido em

meus 25 anos de vida, mas por um momento imaginei Marcela Brown amarrada na

cama com os olhos bem tapados, o corpo disposto e livre para eu fazer o que quisesse

passou pela minha mente e talvez meu saco tenha dado uma pequena latejada. E talvez

aquela tivesse sido a terceira vez naquele dia que tinha um pensamento assim com ela, a

garota mais pedante e insuportável que conhecia.

Mas então balancei a cabeça expulsando esses devaneios sem sentido. Era melhor

quando eu tinha devaneios homicidas com ela.

- Não curto sadomasoquismo - murmurei, lendo mais uma vez a carta para ter

certeza que o destinatário estava correto. Será que não tinha mais um Senhor George Smith no

prédio? Por Deus, que tivesse

- Mas curte Marcela Brown - cantarolou Gabriel, achando que eu não tinha escutado.

- Sem chance. Se ela mudou-se para cá só faz dois meses e já parecem anos,

imagina passar um dia namorando-a? O inferno seria menos doloroso ou até enfiar um pau

de tamanho considerável na bunda.

Wesley fez uma careta, passando a mão no cabelo cacheado loiro.

- Olha, George, mesmo que ela seja tudo isso que você fala - subi o olhar ao seu,

cerrando as pálpebras para o seu tom hesitante -, não acha que pega um pouco pesado

demais com ela? Te conhecemos, cara, e sabemos que não foi ela que começou essa

briga.

Baixei a carta com impaciência.

- Não fale como se eu fosse um monstro. Ela merece. É mesquinha demais.

- Você também, cara. São como café e leite, só que você é mais amargo, claro -

adicionou Gaten, dando um soquinho camarada no meu braço.

- Brigadeiro e confete.

- Nacho e guacamole.

Os olhos de Wesley brilharam.

- Ou cheddar... - sussurrou encantado.

- Ou chilli! - apontou Matarazzo.

- Ou a morte - cortei-os incomodado. - Porque prefiro a morte do que Marcela Brown.

Eles deram de ombros, se afastando.

- Ódio sempre dá em amor...

- ... e vocês vão casar um dia - completou Wesley.

Nem fodendo.

Tive que aguentar "meus amigos" me provocando com Marcela durante duas horas, até

às quatro, quando foram embora meio bêbados e rindo a toa. Eles me pertubaram tanto

que quase tive um aneurisma só de raiva. Chegaram até a pensar nos nomes dos nossos

"filhos" - se bem que Agnes era um bom nome.

Assim que cheguei no térreo, dei de cara com Joshua ajeitando a camisa social e o

crachá com o nome. Estava incrivelmente ridículo e até poderia tirar sarro da sua cara se

não estivesse me corroendo para não enfiar sua cabeça entre as portas do elevador e

mandá-lo para o último andar. Seria satisfatório.

Entrei na sala de reuniões e percebi que nunca tinha estado ali. Meu doador de

esperma, Eric Smith, era dono daquele lugar, o que me tornava um, digamos, coguardião. Mas ninguém, a não ser Joshua, sabia disso então não podia usar minhas

habilidades para me safar daquele problema. E contando que o síndico tinha a boca maior

que Empire State, minhas chances eram quase nulas naquele momento.

E ali estava ela, imponente e destemida como sempre, os braços cruzados, as unhas

arranhando o tecido fino do cardigan coral de velho, e quase podia ouvir o som delas.

Essa... idiota.

Pelo jeito que falava de Marcela Brown dava a entender que ela era uma bruxa,

daquelas com orelhas pontudas, três olhos, verruga, bigode, pele verde e nojenta, bem

catarrenta. Mas, puta merda, como queria que fosse. Seria muito mais fácil, pois assim

podia falar que a atração que sentia por ela era um décimo sentido que me levava a beira

da loucura.

Marcela não era horrenda. Na verdade, era bonita. Pra um cacete. O

cabelo castanho-claro batia bem abaixo dos ombros, agora preso em um rabo-de-cavalo

prático. Além disso, ainda tinha o rosto que lhe dava um ar angelical e perverso, como se

fosse aquele tipo de mulher que te faria de gato e sapato com um estalar de dedos. Lábios

carnudos e bem desenhados num tom cor-de-rosa admirável com duas sutis e quase

invisíveis pintinhas perto (não que eu passasse horas observando-a: talvez meu humor

apático quando se tratava dela tenha feito um sensor para analisar coisas irrelevantes),

nariz arrebitado típico de patricinha e os olhos, num tom que nunca soube distinguir,

porque era ora castanho-claro, ora dourado com as bordas verdes.

Juro mesmo que seria de grande ajuda isso.

Era visível o quanto ela mexia comigo, de tantas formas possíveis que nem

conseguia dizer qual era mais forte, mas sua personalidade imprevisível e insuportável me

dava nos nervos. Por isso percebia que minha atração era só raiva reprimida.

Quando nossos olhares se cruzaram, ela deixou de dar atenção a Maureen, apenas

assentindo para o que a outra falava animada, e pude ver, mesmo que num vislumbre, um

sorriso de escárnio se formando em seus lábios rosados. Mas antes de rebatê-lo, Walter

Forrer passou bem na frente, me fazendo suspirar com impaciência. Queria vê-la e mostrar

o quanto... puta que pariu, estava muito bravo.

Só que quando olhei-a de novo, ela já não me encarava mais. Ria de algo que

Maureen sussurrou no seu ouvido, balançando a cabeça. Parecia tão relaxada.

- Pode sentar-se em seu devido lugar, senhor Smith? - a voz de Joshua fez

eco pela sala, me acordando.

Então percebi que todos já estavam bem acomodados, e eu era o único em pé.

Bufando por ter todos os olhares em mim, me larguei em uma das cadeiras velhas de

plástico, cruzando os braços. Aquilo ia ser um tédio só. E um inferno.

- Boa tarde, queridos moradores do Ericys - que original, Eric Smith, que

original -, e é um prazer imenso recebê-los aqui.

- Vamos direto ao ponto, por favor.

Ele pousou os olhos de águia nem um nanossegundo depois que as palavras saíram

da minha boca.

- O que é tão importante para você que acha que uma simples reunião seria de

grande incômodo?

- Um dos seus vários encontros nojentos - respondeu Marcela por mim.

Logo burburinhos tomaram de conta do ambiente, como se fosse a porra de uma

sala de aula. Infantis e intrometidos.

- E por que se importa, Brown? - questionei grosso.

- Estou sendo a porta-voz de todos os outros moradores que tem de aguentar isso;

seja razoável comigo e consigo mesmo e aceite.

Ok., ela era boa com as palavras. Mas não ia deixar as coisas assim, com ela

saindo na frente.

- Você gosta de apontar defeitos, não é? Mas não esqueça que quando aponta um

dedo, três se voltam para você.

- Oh, que sábio gafanhoto!

Dito isso, começou a mexer a ponta do cabelo com o dedo em puro tédio. Só que

não era tédio com o lugar. Macela não parecia esse tipo de garota. Parecia ter tédio de

pessoas, como se a raça humana fosse irrelevante.

Nesse caso, de mim.

Marcela ia pensando em adicionar mais um comentário grosseiro a sua frase, mas

Joshua bateu o martelo de juiz o que provocou um silêncio repentino. O cara estava se

achando demais. Por Deus, alguém avisava.

- Não temos tempo pra isso, senhor Smith e senhorita Brown.

- Sim! Temos que falar de você, George! - alguém gritou.

Olhei para trás em um busca do boca de trapo, pronto para fazê-lo engolir a própria

língua, mas mudei de ideia quanto Florence Jones levantou, o cabelinho na verruga

mexendo à medida que proferia mais injúrias contra mim.

- É verdade! Sempre tive o sono desregulado, porém, nessas últimas semanas, mal

consigo pregar os olhos por causa de George Smith e suas mulheres!

- Sim! - um vozeirão concordou no fundo.

Xander James e seus óculos fundo de garrafa me fizeram perder a noção entre a

realidade e mundo da imaginação por um segundo. Estava imaginando o quanto seria

irado se o Rambo entrasse atirando em todo mundo.

- Flo tem toda razão. Isso é desrespeito, ainda mais para a minha família, pois,

como vocês sabem, tenho duas garotinhas, gêmeas. Uma vez, Brianna veio até mim e me

perguntou: "Papai, o que é 'come essa boceta'"? - Vários arquejos estupefatos rolaram

pela sala, e mordi os lábios para não rir. Quando dei um olhar de relance em Marcela, notei

que fazia a mesma coisa, os olhos cheios de lágrimas. Ela não achava a situação

desagradável, e sim cômica. - Quando perguntei para ela onde tinha ouvido isso, não

incrivelmente me respondeu que ouviu enquanto passeava pelo saguão e George estava aos

beijos com uma garota perto do armário de vassouras. Fiquei em choque e não soube

como responder.

Não aguentei. Juro mesmo que tentei segurar, mas escapou. Dei uma risada

misturada com tosse e soluço que, Santo Pai, nem sabia como tinha surgido. Xander virou

para mim incrédulo, e Marcela arqueou as sobrancelhas.

- Acha isso engraçado, George?

- Bem, é...

- É engraçado sim - interrompeu Marcela -, porque percebemos o quão cafajeste e

doente é.

- Sim! - a mesma voz grossa concordou.

Sério, eu vou dar um tiro nesse cara.

- E - continuou ela -, se acha situações como essa motivo de piada, imagina

numa pior.

Tudo bem, ela estava se achando a dona da moral, sendo que não tinha nenhuma.

Será que havia se esquecido do seu showzinho pornô da noite passada? Caralho, ela não

fazia ideia que eu sabia disso.

Encarei-a mais uma vez, tremendo de euforia. E por um segundo, com aquele olhar

perverso que me direcionava e a mordida de lábio, imaginei-a com aquela mesma cara

safada de joelhos na minha frente segurando meu pau pronta para abocanhá-lo.

Cruzei mais os braços e troquei de posição na cadeira, visivelmente desconfortável.

- Quer dizer algo em sua defesa, senhor Smith? - perguntou Joshua.

Olhei ao redor buscando uma rota de fuga, ou alguém para me ajudar a sair dessa.

Mas todos estavam ocupados demais sendo cúmplices do ódio recíproco que Marcela sentia por mim.

Estava sozinho nesse barco.

- Na verdade, quero. - Levantei, enfiando as mãos nos bolsos da jaqueta. -

Quero muito dizer uma coisa. Ninguém aqui é santo. - Ao meu lado, Belina franziu a testa.

- Não sou santo, Florence Jones não é, muito menos Xander James. E sem esquecer de

você, Marcela Brown.

- Como ousa? - Florence revidou, arqueando as sobrancelhas.

- Vocês não estão sendo sinceros? Também estou, oras. Florence rouba amostras

de manteiga no supermercado, mas todos se fazem de cegos. - A senhora ficou como um

pimentão, mas não um vermelho. - Xander James finge ser o pai do século, e pode até

ser, porém, trai a esposa desde fevereiro com Dinah Young - o rosto de Xander ficou

branco como uma folha de papel -, mas, de novo, ninguém vê.

Dinah Young, uma garota loira e sardenta, afundou na cadeira, a culpa pesava nos

ombros. E não, não estava mentindo. Os vi no maior romance quando ia banhar na piscina

da cobertura, e quase enfiei a mão no ouvido para pegar meu cérebro e fazer uma limpeza

como o Bob Esponja do tanto que foi nojento.

Continuei falando mesmo que expressões assustadas e estupefatas estivessem me

tirando a noção.

- Ah, sem esquecer de Marcela Brown.

Ela levantou da cadeira e cruzou os braços, os seios saltando da camiseta decotada.

Era a primeira vez que a via sem tantas cores.

- O que eu possa ter feito de tão errado para ser julgada logo por você, George Smith? - perguntou destemida.

- Não sei, talvez atrapalhar meu sono com sua masturbação incansável?

Joshua engasgou com a água.

Florence apertou a bolsa que era sua amiga de sempre - e dos furtos - contra o

peito.

Até Xander, que verificava toda sala a procura da esposa, voltou a atenção para

nós.

Marcela paralisou, o sorriso presunçoso morrendo aos segundos que todos a

encaravam. Os olhos arregalaram e o pescoço, busto e face ficaram vermelhos. Uma

satisfação incompreensível tomou conta de mim e fiquei leve como uma pluma.

- O q-quê?

- Ah, não, Marcela Brown, não acredito que já esqueceu - falei, negando com a

cabeça.

- É mentira - contrariou-me, baixo.

- Tsc, Tsc, gata, mentir é feio. Sou honesto: não me importo de ser pego no flagra

transando. É impossível impedir a mim mesmo disso. Agora você nem tem coragem de

admitir que se masturba quase cinco vezes por noite e ainda pensando no Chris Evans?

Ela engoliu em seco e se aproximou, os passos largos e furiosos. Achei que ia levar

um tapa daqueles e até ajeitei o rosto para recebê-lo, mas fez tudo ao contrário: pegou

minha mão e me puxou dali para fora, fechando as portas com força, e levou-me para o

gabinete de Joshua, trancando-nos lá. Virou-se, apoiando as mãos na mesa dele e

respirou fundo, tentando assimilar os acontecimentos.

Eu já tinha sido chupado ali. Fazia uns cinco meses. Foi quando Maria não quis

esperar até chegar no meu apartamento e me puxou para lá, abrindo meu cinto com

urgência e tirando meu pau para fora, nem me dando tempo de falar um "a" sequer. Joshua

nunca soube disso. Ele me mataria de todas as formas possíveis.

- O quanto você ouviu? - sua voz era um embaraço.

- Anh... Quer que eu comece da menção ao Chris Evans ou a do Leonardo

DiCaprio?

Ela voltou a me encarar, mordendo o lábio.

- Você ouviu tudo?

Ponderei a questão. Agora parecia uma péssima ideia ter dito aquilo para todo

mundo. Ficara constrangida.

- Bom... Sim - admiti. - E gostei.

- Gostou? - repetiu soando mais incrédula do que achava.

- Parecia estar sendo divertido. Adoro ver mulheres num prazer solo.

- Você é nojento.

Dei de ombros.

- Estou acostumado, Marcela Brown. E você dava a impressão que precisava, por isso

não me importei muito.

- Mas se importou o suficiente para falar na frente de todo mundo, não é?

Seu tom agressivo me fez andar dois passos na sua direção, peitando-a.

- Você começou - lembrei-a. - Se não tivesse colocado minhocas na cabecinha

de vento daqueles idiotas, nada disso teria acontecida. Você pediu.

- Acha que gosto de fazer reuniões de prédio para reclamar de vizinhos

arruaceiros? É mais fácil chamar a polícia para dar um jeito!

- Então por que não chamou? Teria te livrado dessa, senhorita Dedinhos.

- Seu...

- Sim, eu sei. Babaca, cafajeste, pau no cu, idiota, sem vergonha e um milhão e

outros adjetivos, mas adivinha só: foda-se. Não ligo. Pode continuar a me xingar, pois eu

estou caindo fora.

Pensei em sair, e até dei um passo para tirá-la da minha frente, mas ela foi mais

rápida, segurando-me pelo braço.

- Pra onde pensa que vai? Ainda não estamos resolvidos.

- Marcela Brown - comecei, arrancando suas garras da minha pele -, não vou

passar mais um segundo aqui contigo nesse gabinete apertado. Prefiro que extraterrestres

me comam por trás.

Sua face franziu-se em repulsa por longos segundos então me soltou.

- Muito obrigado, muchas gracias, sei lá o que quer ouvir, mas saiba que não fez

menos que sua obrigação.

- Não se aprume, pavãozinho, ainda não terminamos.

Enfiei as mãos nos bolsos da jaqueta de novo, arqueando uma única sobrancelha à

ela.

- Não seja tão cheia de si, pelo menos não na minha frente. Não sou um dos vários

moradores que caem na sua lábia malandra.

- Lábia malandra? - perguntou com um meio sorriso nos lábios. - Não fazia ideia

que me considerava malandra.

Curvei a cabeça começando a entender seu joguinho. Ela era boa.

- Depois de hoje, até bato palmas pra você - sussurrei, aproximando o rosto do

seu.

Marcela mordeu o lábio inferior, encarando minha boca e soltando a respiração aos

poucos. As pupilas estavam dilatadas.

- Por quê?

- É bem persuasiva.

- Então acha que, sei lá, eu conseguiria te convencer a me chupar aqui e agora?

Meu pau apertou na calça e quase esqueci como se falava. Suas provocações

estavam me dando reações adversas as que queria, e não gostava disso. Não gostava de

ficar tão duro com seu olhar cheio de promessas não ditas em voz alta, ou o modo

gracioso que seus seios ficavam saltados pelo decote cavado da blusa e podia ver o vão

entre eles, ou até como estava doido para colocar suas pernas sobre meus ombros e

chupá-la bem ali mesmo até deixá-la sem os sentidos.

Eu a odiava tanto que a coisa que mais desejava era fodê-la. Isso era normal?

- Você quer? - repliquei, abrindo um sorriso que, considerado por Gabriel, seria o

cafajeste.

Ela espalmou as mãos pelo meu peito.

- Nem se fôssemos os dois últimos seres humanos na Terra e tivéssemos que

reproduzir, garotão.

Nem sei se era possível, mas meu pau amoleceu num piscar de olhos e logo senti a

cólera comendo minhas veias.

- Boa sorte, Geoge Smith - falou, virando-se para sair. A segui por um algum

motivo.

- Não era eu que deveria estar te desejando isso, ou está esquecida do incidente

de ainda pouco?

Ela começou a andar de costas, ajustando a bolsa esquisita de leopardo ao ombro.

- Me considero tão sortuda e desprovida de pudor quanto você.

- Não consideraria isso se fosse você.

- Tá vendo? Por isso que eu não sou você. Sou positiva demais. - E para

confirmar suas palavras, ergueu os polegares no ar, voltando a andar normalmente. - E

talvez isso me resulte em mais sorte ainda, acrescentando também eu te odiar. O universo

é tão bondoso.

Presunção misturada com ousadia. Como ela podia ser tão intrigante?

Ia adicionando mais alguma coisa ao seu discurso de amor próprio até que olhou

para o chão. Segui seu olhar e notei, mesmo longe, uma nota verde balançando ao ar livre

perto de um hidrante. Ela me encarou mais uma vez, as sobrancelhas arqueadas em

astúcia como se dissesse "tá vendo?", então se abaixou para juntar o dinheiro.

Só que o universo me agraciou porque, qual é, sou George Smith.

Bem quando começou a se curvar, um vento passou, levantando sua saia, e foi aí

que vi o motivo para 99% dos 100 das minhas piadas para o resto da vida: vários rostinhos

de, ursinhos na sua calcinha. De todos os jeitos. Tristes, felizes, zangados,

enojados. Um verdadeiro show de comédia.

Escondi a boca com a mão, olhando para qualquer lugar que não fosse o rosto

constrangido de Marcela Brown. Seria mais difícil esconder a risada desse jeito.

- Você não viu nada - falou, segurando as bordas da saia.

- Bom, vi um par de olhinhos castanhos me encarando e um focinho, mas tirando

isso, não vi nada.

- Você não viu nada! - repetiu só que gritando. E correu dali.

Na verdade, tinha visto tudo sim.

} {

- Calcinha de ursinhos? - perguntou Weslley, chocado.

Assenti colocando uma caixa de sucrilhos dentro da cestinha.

- Já vi de tudo, mas menos uma mulher de 24 anos usar calcinha de ursinho.

- Você ficaria em choque como o Wesley se dissesse que não me surpreende? -

Gaten se inclinou para baixo e pegou um saco de jujubas.

Idiota viciado em doces. E o pior era que eu que iria pagar, se fosse pelo menos ele.

Ia deixar passar daquela vez porque aceitaram vir comigo ao supermercado. Só

daquela vez.

- Nem vou perguntar o porquê - resmungou Wesley.

- Isso é uma ofensa?

- É verdade. Você é um esquisito e o mundo, em sua insanidade, não lhe choca

mais. É quase um imbecil.

Concordei com as palavras do outro, e isso só deixou Matarazzo ainda mais

indignado, se fosse possível. E como era, foi engraçado.

- A garota que o George gosta usa calcinha de ursinho e eu sou o esquisito?

- Ei! Não gosto dela! - defendi-me como se ele tivesse me xingado ou dito, sei lá,

que gostava de Eric Smith.

- O problema não é com você, amiguinho - rebateu Gabriel, erguendo a mão diante

ao meu rosto. - Wesley me chamou de imbecil.

- E você me chamou de sem critérios.

- Uma coisa é cuspir no prato que se come, outra é vomitar.

Encarei-o mais uma vez à medida que sentia a testa franzir ante sua metáfora sem

sentido.

- O quê? - Wesley coçou a cabeça.

- Ah, mano, sei lá. Sabe que falo um monte de merda assim do nada. Só sabemos

que o George é a fim da Marcela.

- E que você ficou louco de vez - declarei, voltando a andar.

Não tinha lógica. Era claro como água o quanto até o simples fato de compartilhar o

mesmo ar que ela me dava ânsia de vômito, e os retardados que considerava amigos

(amigos da onça, sendo mais simples) insistiam em me jogar pra cima dela. Marcela era

intragável, irritante, redundante, sem graça e muito arrogante. E o pior que em algumas

coisas nós combinávamos, mas de resto?

Por que não me jogavam da cobertura? Seria melhor.

- Vamos lá, idiota, admita que você a acha legal.

- Quando uma galinha tiver dentes, Wesley.

Coloquei a cestinha sobre o balcão e a balconista começou a passar minhas

compras.

- Preservativo? - Gabriel levantou a caixa de camisinhas. - Isso aqui te mantém

abastecido por, sei lá, um ano?

- Não quero ter o risco de pegar uma DST ou engravidar alguém. E sabe que gasto

isso em menos de dois meses.

Quando voltei a atenção à mulher, ela mordia o lábio, me encarando fixamente.

Parecia estática. Até que era bem bonitinha, com os cabelos pretos cacheados e olhos

castanhos. Tinha também uma bela comissão de frente. Tão bonita que não consegui não

encará-la.

- Sabe que sou fogo a noite, Gabriel - adicionei apenas para provocar.

Eles reviraram os olhos automaticamente. A garota soltou um gemido estrangulado e

um resmungo, então entreguei-lhe o dinheiro e ela me deu a notinha, antes escrevendo

algo nela.

- Me liga - falou.

- Pode deixar, gata.

Enquanto deixávamos o supermercado, com Wesley e Gabriel resmungando o quanto

eu era galinha, pensei se realmente era uma boa ligar para alguém aquela noite. Precisava

pensar. E garotas agora? Talvez no dia seguinte.

- Você é um babaca que não consegue manter o pau quieto nem por uma noite -

Wesley reclamou assim que parou em frente ao meu prédio, então fechou a porta do carro

na minha cara.

- Espero que ela tenha o pior boquete de todos! - gritou Gabriel, o carro se

afastando.

- Tchau, amigos! - gritei, acenando.

Claro que estava sendo sarcástico. Um amigo amaldiçoar o boquete que o outro iria

receber era maldade. E nem sabia o nome da garota, meu Deus. Talvez Wesley realmente

estivesse certo. Eu precisava de uma namorada.

Okay, estou mentindo. Não preciso de namorada nenhuma.

Cruzei o saguão, cumprimentando Joshua com um menear de cabeça e me

segurando para não rir da sua cara de panaca irritada. Caralho, esse homem precisava

mesmo de um encontro. Deveria ser solitário e chato ficar o dia todo dentro de um gabinete

fedorento e apertado sem nem poder ir ao banheiro, o que levava a me perguntar onde ele

fazia as necessidades patológicas dele.

Olhei ao redor, vendo A Chata Para Caralho/ Calcinha de Ursinhos sentada numa

cadeira da recepção, falando no telefone com alguém. Parecia desesperada. Mas não me

importava o suficiente para isso. A música do The Clash era mais legal e animada. Entrei no

elevador, puxando as sacolas para a frente e assobiando, e as portas iam se fechando, só

que o braço dela as impediu. Nem sequer me olhou quando se acomodou ao meu lado;

continuou conversando, enrolando um fio da blusa de pêlos cafona no dedo.

- Kelly, você não pode fazer isso! - esbravejou, então me olhou. Notando que eu

parecia alheio com os fones de ouvido, deu de ombros.

Mas eu ouvia tudo. A música não estava alta. Fiquei mais atento.

- A estufa é do papai, você não pode simplesmente destruí-la... Tá, eu sei, ele já

morreu, mas é para guardar, é uma lembrança!

Aguardou o diálogo incansável da pessoa do outro, a qual eu não podia escutar. De

soslaio, a vi empalidecer, a face ficar da cor da minha camisa.

- Kelly, não, por favor. O Memorial dela não. Não faça isso, estou implorando. -

Seus olhos estavam cheios de lágrimas. - Você não... Ai, meu Deus - sussurrou, e levou

a mão trêmula até a boca, chorando, de fato. - Eu podia tê-la por perto... Você... Kelly,

por quê?

Fiquei preocupado. Ela precisou se encostar na parede do elevador, como se o que a

tal Kelly tenha falado tivesse empurrado-na. Parecia frágil e indefesa. E menos

intimidadora.

- Deixe nossas diferenças de lado, por favor, só por agora. Ela... A Jane não tinha

nada a ver com isso. - Ela soluçou baixo, limpando os olhos úmidos. Apertei a sacola com

força. - Você... Você quer dinheiro? Eu mando, mas, por favor, não tire-o da estufa. Eu

sei que faz um tempo que não vou aí... Vou buscá-lo aí! Não interessa se não me queira

na sua casa, eu vou... Alô? Kelly? Kelly! Merda! - resmungou, encarando o celular

desligado. - Merda, merda, merda, merda!

O elevador apitou e ela olhou para cima, depois para o corredor vazio. Ajeitou a

bolsa ao ombro, segurando-se nas portas para manter o equilíbrio. Fiquei receoso em não

lhe dar apoio, principalmente porque estava nervoso com seu estado alterado e o tanto que

chorava, então fui seguindo-a devagar, me preparando para segurá-la se não fosse cair.

Mas ao invés de pegar suas chaves e abrir a porta, se sentou na frente dela, puxando os

joelhos rente ao peito e cobrindo a cabeça com os braços, tremendo e fungando, sons

sôfregos saindo da sua boca.

- Marcela, tá tudo bem? - perguntei, me abaixando na sua frente e decidindo se

devia tocá-la ou não.

- E você se importa, por acaso? - Sua voz estava rouca e ao mesmo tempo triste.

- Achei que vivesse apenas para me odiar.

- Você está triste e está sentada no meio do corredor: é preocupante.

Ela subiu o olhar para o meu, o rosto vermelho e o cabelo bagunçado. Realmente

estava frágil. Em pedaços.

- Você não vai me entender, então não tente. Pode me deixar sozinha, por favor?

Encarei-a mais uma vez, ponderando se devia deixá-la sozinha, se era certo. Se a

obedecesse, talvez seu respeito por mim subisse alguns níveis, ou não. Mas se sentasse

ao lado dela, iria me achar intrometido ou legal. Não sabia o que fazer.

Contrariando o bom senso de de qualquer pessoa, levantei, apertando a sacola e

engolindo em seco. Esperei alguma reação da sua parte, me pedindo para ficar, mas nada

veio. Então saí dali, olhando uma última vez para trás, vendo-a resmungar vários nãos e

voltar a chorar.

E pela primeira vez quis entender Marcela Brown.

} {

Já fazia uma semana que não via Marcela. Ela me evitava, e não a

culpava. Talvez eu tivesse sido um pouco intrometido demais, querendo saber sobre sua

vida mesmo que tenha deixado claro que não queria saber dela, e isso tenha deixado-na

irritada comigo. Mas fiquei preocupado. Ela estava triste com um Memorial? Jane? Quem é

Jane?

Ou quem foi Jane? Porque, pelos meus conhecimentos, nós fazemos um Memorial

apenas pra quem já morreu? Irmã? Tia? Uma amiga distante?

Olhei para frente, batucando a caneta no queixo e fixando o olhar em Joshua que lia

um almanaque de esportes com uma atenção patética. Ele era estranho, e eu que era

considerado o problemático. O mundo era uma graça mesmo.

Até que ela entrou, coçando o braço esquerdo e acompanhado da amiga ruiva. O

rosto estava branco e sem vida, os lábios secos, os cabelos presos em um coque

bagunçado e a roupa, mesmo que colorida, parecia sem vida. Não parecia a Marcela que eu

conhecia e odiava.

- Bom dia, Mar e Sophia - cumprimentou Joshua, sorrindo.

- Bom dia, Josh - respondeu, a voz rouca e distante como se tivesse passado os

últimos dias chorando. Sophia acenou.

- Entrega pra você.

Ela parou de andar, confusa, e deu passos para trás.

- Como? De quem?

Eu encarava a cena sem expressar emoção alguma, como o homem apático que

sempre fui. Estava interessado demais em compreendê-la para não encará-la como se não

estivesse a fim.

- Não sei. O entregador deixou aqui e não deu nomes. É pra você. - E puxou um

buquê de margaridas e um cartão.

A boca de Sophia se escancarou e ela começou a dar pulinhos de euforia ao passo

que Marcela passava de confiante e dona do pedaço a garotinha derretida.

- Será que é aquele cara do café que você me disse que só vive te paquerando?

Marcela deu de ombros, então leu o cartão. Seu sorriso no final mal podia ser contido.

- Acho que sim!

Foi minha deixa para levantar e não consegui segurar as provocações.

- Admirador secreto, Mar?

- Sim. É a puta que te pariu.

- Posso ler o cartão?

Ela deu um passo para trás em modo de defesa. Mas aí mudou de ideia.

- Deixa que eu leio. - Ela pigarreou e, estufando o peito, fez uma voz patriota. -

"Caro George Smith, por favor, cuide da sua vida ou enfie um pau na bunda para parar de

ser um babaca. Atenciosamente, Admirador Secreto." - Todos que me odiavam ali deram

risada. Até eu, balançando a cabeça. A velha e arrogante Marcela Brown estava de volta. -

Concordo com ele. Vem, Sophia.

Então se afastaram, ambas animadas, e fiquei encarando-as. Pelo visto o estado de

tristeza absoluta que se enfiou era efêmero. E eu nem precisava ler porcaria de cartão

nenhum. Sabia o que estava escrito nele.

Sabia que seus olhos ficam decepcionantes quando estão inchados ou vermelhos?

Ficam sem contraste com seu rosto lindo.

Volte a brilhar, linda.

Queria saber em quanto tempo ela iria jogar fora tudo ao saber que quem tinha

mandado as flores havia sido eu.

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5.0

Marcela Brown era a típica garota californiana: alegre, mas de pouca paciência. Quando ela mudou-se para Nova York, seu maior desejo era esquecer que um dia se apaixonou tão perdidamente por alguéme saiu com o coração quebrado. Com o diploma em mãos, decidiu que jamais iria cair novamente na lábia de qualquer homem. Era feliz sozinha, com seu estilo diferente, sua aura confiante, amigos maravilhosos, e com seu segredo torturante escondido sob sete chaves. Mas sua paz acabava no apartamento 403, onde morava a segunda pessoa mais babaca do mundo: George Smith. Ela não o suportava, suas noitadas com várias garotas, suas bebedeiras, seus amigos, o som da sua voz e até olhar para ele era algo repugnante. Mas a vida de ambos colidiram tão rapidamente que eles logo se viram em uma paixão ardente. Um romance contubardo, cheio de segredos, onde cada um teria que colocar sua força em prática, se perguntando até onde o coração humano era capaz de aguentar até encontrar um final feliz. E, com o passado de ambos oculto em segredos terríveis, George e Marcela se perguntavam se realmente teriam um final feliz enquanto lutavam para segurar um relacionamento que todos sabiam que não daria certo, porque, além do mais, personalidades tão distintas eram apenas a gasolina no fogo. Enquanto se feriam, vendo como vida estava pregando-lhes peças, eles aprenderiam que amar era doloroso, mas que enquanto estivessem conectados por esse sentimento, nem a pior coisa no mundo podia separá-los.

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