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Capítulo

Bethany tem uma ótima vida superficialmente. Mas, como qualquer pessoa, tem pequenas partes ocultadas em seu interior. Em um momento oportuno de ousadia, ela foge de tudo que a aborrece, tenta seguir com uma nova vida e, claro, sem preparo algum, acaba por ter problemas. Todavia, sortuda como é, conhece alguém que a ajuda. Diferente dela, esta pessoa é totalmente indiferente sobre tudo o que é determinado essencial para ser feliz. Como qualquer um, Bethany se intriga com isso. Logo então descobre que esta pessoa não tem somente partes; sua essência era quase inteiramente ocultada. Isso mesmo. Quase. O envolvimento no dia a dia aos poucos a revelou, no entanto. Mas Bethany não sabia que apreciaria, ou pior: desejaria desfrutar disso. Pois, de uma maneira ou de outra, o encanto está no oculto. É melhor sentir do que apenas olhar.

Capítulo 1 Desconhecida

— Desculpe, mas só tenho isso... — respondi, engolindo em seco.

— Certo, mas se apresse. Já vamos fechar — respondeu a atendente. Observei-a andar até detrás do balcão e logo desaparecer pela porta dos funcionários da lanchonete.

Eu tentava controlar o meu pânico. E agora? O que faço?

Não tinha um tostão no bolso. Fui burra o suficiente para sair sem pegar uma quantia favorável de dinheiro. Mas, bem, eu saí às pressas. Eu... fugi de casa.

Ainda não conseguia acreditar. Agi de maneira automática, com raiva e... cansaço. Sabe quando você vive dizendo uma coisa e não imagina que a fará? Eu fiz e há algumas horas.

Só esperava nunca ser encontrada. Eu não voltaria de jeito nenhum. Mais fácil seria morrer.

Comigo, só levei uma mochila, com algumas roupas e documentos. De resto, deixei para trás — se bem que não havia como trazer, mesmo.

A atendente voltou, vestindo agora um surrado casaco de cor creme, desligando as luzes de um lado do salão da lanchonete. Eu permanecia do lado de cá, desesperada internamente. Já até com dor de cabeça.

Devia ser onze horas da noite, mais ou menos. Se eu saísse dali, com certeza seria assaltada para levarem o pouco que tinha ou pior... Eu mal sabia onde estava também.

Depois que puxou as cortinas das janelas, a atendente caminhou até a minha mesa e sentou-se na cadeira do lado contrário. Minha impressão é que ela era um pouco estranha, sei lá. Tinha um olhar muito sério. Parecia querer me penetrar ou esbofetear a qualquer hora e, do jeito que eu estava enrolando para sair, não tinha dúvidas que talvez o faria.

— Qual é o problema? — quis saber ela, cruzando os braços. Sério, aquele olhar estava me dando calafrios.

— É que estou... estou esperando alguém... — menti.

— Garota, se este alguém quisesse vir até você, viria em um horário acessível. De preferência, um horário em que estivéssemos abertos — rebateu.

Esta situação estava ficando insana. Se eu contasse a verdade, talvez me ajudasse? Provável que me levaria a uma delegacia. Eu era uma menor, rebelde, sem um responsável presente, no fim das contas.

Bom, se fosse o caso, inventaria algo para me safar. Jogar os documentos fora, talvez. Fingir amnésia, demência... dane-se.

— Olha, na verdade, realmente não tenho pra onde ir. Aconteceram algumas coisas em casa e eu... fugi. É complicado — contei, tentando soar o mais convincente possível.

— Você mora por aqui? — perguntou. Eu engoli em seco.

— Não. Peguei um ônibus qualquer e vim parar aqui.

— Você tem algum problema mental ou algo do gênero? — questionou. Arqueei uma sobrancelha, sem entender.

Era ironia ou uma pergunta séria? Ela realmente me fitava como se eu tivesse algum tipo de demência.

— Não, claro que não — respondi, tentando esconder minha irritação perante o questionamento.

Ela se levantou e caminhou até às vidraças, desligando a última luz que jazia no recinto. Meu coração começou a palpitar forte.

— Você não pode ficar aqui. Eu tenho que fechar esse lugar — disse simplesmente.

Sem opção, levantei e peguei minha bolsa, caminhando até a saída. Já do lado de fora, ouvi a tranca da porta sendo acionada. Ia seguir o meu caminho — seja lá qual fosse —, quando algo puxou a barra da minha blusa de maneira leve.

Olhei para trás e era a atendente, indicando com a cabeça para o outro lado da rua.

— Vamos. — Decretou e, após, me deixando claramente confusa, saiu caminhando. Eu a segui.

Ué, era melhor que ficar sozinha na rua e, bem, também tive medo de questionar para onde íamos. Sei que é errado me arriscar desse jeito, mas admito: ela não emanava perigo. A gente pressente essas coisas, não?

Parecia ser um bairro calmo. Prédios e casas simples, antigos e batidos. Quer dizer, era tudo meio deserto, na verdade. Não havia uma alma penada sequer — não que eu estivesse a fim de ver uma, diga-se de passagem — em qualquer rua que entrávamos.

Comecei a sentir o vento mais forte, a temperatura caindo. O casaco dela devia esquentar bastante, imaginava eu e, por mais que fosse extremamente feio e velho, necessitava de um no momento.

Paramos em frente a um prédio desgastado em demasia. Tipo, sério. De todos que vi, este era o pior. Lembrava-me alguns subúrbios escassos que uma vez pesquisei na internet para um trabalho do colégio.

Havia um senhor de uns setenta anos, por aí, sentado em um degrau das escadas poluídas que davam acesso ao prédio. Olhava para um ponto aleatório da rua enquanto fumava um cigarro. A atendente acenou para ele. Esse retribuiu e ela continuou a subir as escadas. Apenas troquei um olhar com o velho, mas nada fiz, continuando a acompanhar a moça.

Quando adentrei o local, senti um cheiro fortíssimo de urina e lixo. Era insuportável. Começamos a subir a escadaria, eu mesma com certa pressa, querendo me distanciar o mais rápido possível daquele cheiro. A cada andar que subíamos, eu me deparava com apenas duas portas em meio a corredores minúsculos, uma em cada lado.

O.K., a situação prosseguia estranha, mas fiquei aliviada pelo fato de a atendente não ter feito nenhuma ação drástica referente à minha situação, ao menos. Mesmo que, ressalto, o lugar que havia me trazido não fosse um dos melhores.

Chegando ao sexto andar, eu já ofegava com intensidade pela caminhada — nunca fui muito de exercícios. Observei a moça tirar uma chave do bolso e inserir na fechadura de uma porta, ao lado direito do corredor, com o número seiscentos e doze estampado no centro. Ao abrir, me fitou, indicando para que eu entrasse. Assenti e entrei um pouco encabulada.

As luzes estavam apagadas. Dei mais um passo para dentro e ali fiquei. Logo ela ligou o interruptor, revelando o recinto. Era um apartamento espaçoso até, para uma ou duas pessoas, no máximo. E incrivelmente humilde.

No centro da sala, havia um sofá velho da cor grafite com três assentos e uma mesinha de madeira um pouco a frente deste. Em frente à mesinha, estava posta uma estante minúscula com uma TV de tubo — algo lendário, para mim, de ser visto — em cima. Ao lado contrário do cômodo, tinha uma divisa de madeira que separava a sala do que parecia ser a cozinha.

Dei mais um passo, ainda mais cauteloso, sentindo-me uma intrusa. Ouvi, então, um miado de gato. Instintivamente direcionei meu olhar ao chão, deparando-me com um felino de pelagem preta e olhos esverdeados curiosos. Sorri como cumprimento a ele, mas não ousei me aproximar. Gatos são caixinhas de surpresa malignas.

A atendente — minha salvação, eu esperava —, a qual ainda não sei o nome, e isso estava começando a me incomodar, pendurou seu casaco em um mastro próximo à porta, logo se agachando para acariciar o gato. Aliás, nem para isso mudava a carranca séria. Eu, como uma estátua, permaneci de pé, sem saber o que fazer.

— O sofá é seu, por hora — falou sem me fitar. — Quero saber mais detalhes sobre o que realmente aconteceu com você amanhã.

— Claro! Sem problema algum. Muito obrigada mesmo — respondi, sincera. Independentemente de quem fosse, com certeza tinha minha gratidão, ao que parece.

— Mas preciso fazer um teste. Sente-se. — Ela apontou ao sofá.

Eu franzi o rosto sem entender, mas caminhei até o móvel e me sentei. Quase não sentia minhas pernas. Eram muitas quadras da lanchonete até aquele lugar.

A moça pegou o gato no colo e se aproximou.

— Se Kiara rosnar, terei que trancá-la no quarto para não lhe arranhar — disse ela, simplesmente. Eu levantei a sobrancelhas, surpresa pelo felino ser uma fêmea. Então, fiquei atenta.

Quando aproximou Kiara — e que nome fofinho, realmente gostei —, o animal pulou no meu colo, dando-me um susto, esfregando o focinho na minha barriga. Eu a acariciei ternamente, sorrindo que nem uma abestada.

— Normalmente ela é bem agressiva — comentou a dona. Seu semblante era tranquilo agora, mas, de certa forma, quase inexpressivo.

— Ela é uma gracinha — elogiei. Eu também tinha um gato, chamava-se Harris. Talvez o único que me faria sentir saudades de casa.

— Tem comida congelada na geladeira, se estiver com fome. Não faça barulho, pois os vizinhos daqui reclamam bastante. Tenho que ir dormir agora — disse, caminhando até uma porta contrária da sala. Provavelmente o quarto.

— Certo, mas... — Comecei, tentando achar as palavras certas. Ela me fitou com aquele mesmo semblante indecifrável, esperando minha pronúncia. — Qual o seu nome?

— Mia.

— O meu é Bethany. E obrigada, de novo. De verdade. — Agradeci com um sorriso. Ela apenas assentiu e girou a maçaneta, entrando no outro recinto e fechando a porta em seguida.

Com certeza, era uma pessoa muito estranha, mas não parecia ruim. Pelo menos não aparentava mesmo.

Eu levantei do sofá e fui até a cozinha. Estava morrendo de sede. Era um pouco rude mexer nas coisas dos outros sem que saibam... mas, se disse que eu poderia comer comida congelada, beber água era o de menos. Talvez exagerei e bebi uns dois litros ali. Até pensei em ver o que tinha na geladeira para comer, mas não estava com fome. Comi um pouco na lanchonete usando a última grana que tinha.

Havia um fino cobertor próximo ao braço do sofá. Deitei e me cobri com ele, tentando me aconchegar o máximo possível para não ter torcicolo mais tarde. Contudo, o objetivo de ter um sono confortável foi para o ralo depois que a gata começou a miar que nem doida em frente à porta do quarto da dona.

Miava como se estivesse chorando. Era até um pouco deprimente ver aquilo. Aliás, por que Mia não a deixou no quarto? Perdi a paciência e levantei, pegando a gata no colo, comecei a fazer carinho para ver se parava de miar. Em determinado momento, para a minha alegria, ela parou e dormiu em cima da minha coxa. Ufa.

Enquanto a acariciava, passei o polegar perto de seu olho pequenino e senti seu pelo úmido. Gatos não choravam com facilidade. Aquilo era muito estranho. Talvez a gatinha estivesse doente. Animais doentes me preocupavam mais do que pessoas doentes.

O apartamento estava silencioso, exceto por um ruído bem incomodo. Tenho a audição muito sensível neste horário. Um ruído quase inaudível, realmente. Como arrastar, raspar uma casca de madeira no chão. Era como isso, mas muito baixo mesmo. Talvez viesse do apartamento ao lado.

Continuou assim, não parava. Era uma droga. Quando pensei que não dormiria mais, o cansaço me venceu e capotei.

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