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O Abandono da Lógica

O Abandono da Lógica

naiaragomesp

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Capítulo

Alessandra Brown cresceu em um mundo repleto de amor e carinho, mas tudo isso foi arrancado dela após um acidente de carro que matou seus pais. Atormentada por um novo e violento trauma, a jovem consegue escapar para um lugar distante e recomeçar. O destino então a coloca na vida de Taylor Walker, um homem extremamente lógico e prático que sempre evitou complicações em sua vida pessoal. Uma série de encontros e situações inusitadas o aproxima de Alessandra e abandonando toda sua lógica, Taylor toma para si a difícil tarefa de afastar os fantasmas do passado da jovem e mostrar a ela que é possível voltar a amar.

Capítulo 1 Um Novo Início

Ela não sabia o motivo, mas estava inquieta. O calor a deixava inquieta e trazia lembranças. Sua vida mudara, irrevogavelmente, em um verão. Há cinco anos, Alessandra Brown soube que seus pais morreram em um acidente de carro e quando sua guarda passou a ser de seu tio Charles, irmão mais novo de seu pai, ela viveu um trauma terrível que deixara marcas profundas em sua alma. Toda sua vida desmoronou no verão de 2000 e, mesmo após alguns anos, algumas vezes, ao ver as flores desabrocharem ou ao ouvir crianças brincando no parque embaixo de um sol quente, sentia dor.

E pensava como seu futuro poderia ter sido diferente... como seria a sua vida, se aquilo não tivesse acontecido com ela... detestava a si mesma por desejar o impossível.

Após tomar seu café da manhã, Alessandra decidiu cuidar de suas flores em um pequeno canteiro externo de seu apartamento. Cuidar delas trazia prazer e dor. E o que era a vida, perguntou-se enquanto passava a ponta do dedo numa pétala, sem os dois?

Seus aposentos estavam em silêncio, a percepção da solidão estava mais forte. Pensara em adotar um animalzinho de estimação, para que alguém a recebesse à noite, alguém que a amasse e dependesse dela, mas depois percebeu como seria injusto deixá-lo sozinho o dia todo. Ela pousou os olhos em uma fotografia antiga dela e de seus pais, na casa de seus avós. Sentia tanta falta da época em que era apenas uma criança boba e superprotegida... todas aquelas lembranças pareciam pertencer a outra vida.

Alessandra se tornou uma mulher do tipo que não gosta de correr nenhum risco. Sempre tentava dar um passo depois do outro, disciplinara-se para ser prática e cautelosa. A mudança para Redmond não fora um impulso. Estava cansada de continuar vivendo em Mountain View, a cidade onde passara os piores anos de sua vida e, além da inquietude, estava com medo. Naquela manhã, quando desceu de seu apartamento, que conseguira alugar por um preço bem bacana, encontrou um jornal jogado ao lado das caixinhas de correio e nele continha notícias sobre Richard Thompson, o homem responsável pelas piores dores de Alessandra, por todo seu desespero e angústias. As notícias indicavam que, após dois anos desaparecido, Richard voltou a realizar investimentos imobiliários e pretendia construir um novo hotel em Mountain View. Alessandra sabia o motivo do homem estar desaparecido, mas o que a preocupou mesmo foi o fato dele estar livre novamente. Richard Thompson conseguira sair da cadeia.

A notícia descoberta logo no início da manhã a fez ficar em estado de alerta e muito tensa, quase não fora trabalhar, mas então se repreendeu dizendo que contas não se pagavam sozinha. Richard Thompson ficara no seu passado. Mesmo após todo o sofrimento que a fez passar, ela não queria vingança e sabia que, sozinha, não conseguiria justiça. O melhor a fazer, era não pensar muito a respeito, porque sempre que se recordava de Thompson, ocorriam suas crises de pânico. Ele não a procuraria novamente, não depois de tudo o que aconteceu, assegurou-se. Ela estava livre agora, tinha que se vestir e ir trabalhar.

Conseguira um emprego de faxineira em uma empresa muito bem-conceituada no ramo da tecnologia da informação, a Walker Games. Não era o cargo dos sonhos, admitiu, mas pagava as contas e era melhor do que trabalhar de garçonete com todos aqueles clientes com a mão boba. A verdade era que Alessandra estava com dificuldades em encontrar emprego, pois com tudo que ocorreu em sua vida, ela não conseguiu finalizar o ensino médio e mesmo que conseguisse, ela não teria condições de pagar uma faculdade e, por esse motivo, não era contratada para nenhuma vaga em que se candidatava. Felizmente, foi aceita e se sentia bem trabalhando na Walker Games. Era estranho ver tantos jovens de óculos sempre carregando um notebook para lá e para cá pelos corredores, mas como era uma empresa que desenvolvia aplicativos para celulares e jogos, isso era bastante comum. Alessandra se lembrava que desde muito jovem, queria estudar programação, mas esse sonho, assim como muitos outros, fora tirado dela. Às vezes se pegava olhando para os jovens e desejando que fosse ela ali sentada, desenvolvendo algum aplicativo que fosse ajudar e divertir pessoas de todo o mundo.

Alessandra se vestiu, fez um rabo de cavalo em seu cabelo loiro que caía sobre os ombros e se olhou no espelho. Com os cabelos amarrados, ela notou que seus olhos ficavam levemente maiores em seu rosto, o que dava a impressão de ser mais jovem do que realmente era. Decidindo ignorar sua aparência naquele espelho, ela saiu de seu apartamento e andou até o ponto de ônibus mais próximo.

Quando Alessandra subiu no ônibus, encontrou Magda, uma senhorinha solitária que aparentava ter seus setenta anos e toda manhã passeava naquele exato ônibus por pura diversão. Magda levantou seus olhos da revista que estava lendo e a viu. Uma moça tão jovem com tanta tristeza e frustrações no olhar, pensou a senhora enquanto acenava para a jovem chamando-a para se sentar ao seu lado.

- Bom dia, Magda, como está seu passeio hoje? - perguntou Alessandra com um sorriso levemente forçado no rosto.

A senhora fez uma careta.

- Esse patife do motorista teve a audácia de se atrasar dez minutos hoje. - Magda encarou Alessandra. - E você, menina, não há comida onde você mora? Porque cada vez que a vejo está mais magra.

Alessandra estremeceu, quando Magda decidia dar sermões sobre comida a conversa se estendia até chegarem próximo ao seu local de trabalho.

Percebendo que enquanto falava, estava sendo quase completamente ignorada por Alessandra, Magda lhe deu um beliscão no ombro.

- Ai! O que foi? - perguntou Alessandra esfregando o braço.

- Eu perguntei se você comeu esta manhã, menina - disse Magda, levemente irritada com a falta de consideração da jovem perante sua preocupação com o bem-estar dela.

Alessandra revirou os olhos.

- Comi. Quer uma lista? - perguntou emburrada.

Notando o aborrecimento e a tensão que emanava da jovem, Magda decidiu abrir mão da sua voz de sermão e tentou ser mais carinhosa.

- Me desculpe por me intrometer - disse com a voz calma. - Eu realmente só estou preocupada com você. Deve colocar carne em cima desses ossos.

Alessandra notou o quão rude foi com a senhora que parecia ser o único ser humano vivo que se importava com ela. Há dois anos, antes de Alessandra decidir se mudar para Redmond, ela tinha alguém que se importava verdadeiramente e a amava. Alessandra viveu com Marta, uma enfermeira que a acolheu quando ela perdeu tudo, ela era uma senhora de cinquenta e seis anos que morava sozinha e decidiu tomar a menina para si, cuidou dela e lhe deu amor. Alessandra nunca mais teve notícia de seu tio Charles, porque, de certa forma, tudo o que aconteceu em seu passado, era culpa dele. Marta se tornou uma espécie de mãe brigona dela, mas com o passar do tempo, Alessandra soube que ela estava com sérios problemas de saúde. A enfermeira não contou nada para Alessandra para não a preocupar, mas a jovem sabia o que estava acontecendo. Certa noite, quando estava sozinha no apartamento, Alessandra encontrou alguns exames da enfermeira. Marta estava com um tumor agressivo e em estágio avançado no fígado. Dez meses depois da descoberta, Alessandra se viu sozinha no mundo, de novo. Marta se fora. A enfermeira não tinha muitos pertences, mas teve o cuidado de garantir que Alessandra ficasse com uma pequena quantia que havia em sua poupança. A jovem, então, decidiu desocupar o pequeno apartamento que Marta alugava, largar seu emprego de garçonete em um bar de quinta categoria e começar uma nova vida em Redmond, onde seus avós maternos moravam.

Desde a morte de Marta, era difícil confiar e se abrir com outras pessoas. Alessandra nascera e crescera em Mountain View e foi lá que perdeu sua família, amigos e a si mesma. Agora, em Redmond, ela era outra pessoa, uma mulher solitária e amedrontada que tentava ao máximo não deixar isso transparecer. Tinha medo de confiar novamente em alguém e essa pessoa a deixar, como aconteceu com seus pais, seu tio e Marta, mas isso estava acabando com ela. Precisava se abrir com alguém, precisava de alguém que pudesse entender o que estava sentindo. Então Alessandra se abriu com Magda há alguns meses e desde então a senhora a tratava com muita preocupação e carinho. Alessandra colocou sua mão sobre a mão de Magda.

- Me desculpe, fui grosseira com a senhora. É só que desde que contei sobre meu passado, você vem se preocupando muito comigo.

Magda começou a afagar os braços da menina.

- Querida, você merece ter alguém que se preocupe com você. Na verdade, você precisa de alguém.

- Eu não quero alguém que sinta pena de mim, Magda. Eu lhe contei minha história porque achei que fôssemos amigas.

Magda bufou.

- Você me contou sua história porque carrega aquele pedaço de jornal velho e idiota dentro da bolsa e quando o deixou cair, eu o li.

Alessandra notou que uma parte daquela declaração era verdadeira, se Magda não tivesse lido a matéria, talvez ela não teria a coragem necessária para se abrir com uma senhora de setenta anos que conheceu andando de ônibus. Era um hábito péssimo e que lhe trazia horríveis lembranças carregar a matéria que divulgava o que ocorreu com ela há cinco anos, mas Alessandra não conseguia evitar, isso havia virado uma espécie de lembrete. Para que não confiasse em ninguém.

Quando chegou na Walker Games, Alessandra estava se sentindo melhor. Sua tensão quase desapareceu. Magda lhe afagou os cabelos até sua parada, o que fez Alessandra se sentir menos solitária. Assim que pôs seu uniforme no vestiário das faxineiras, Clarisse Davis apareceu. Ela era a supervisora da limpeza, portanto, chefe de Alessandra, mas apesar do que muitos dentro daquela empresa diziam, ela não era má. Apesar do rosto carrancudo e da expressão sempre zangada e do tom alto da voz, havia um bom coração dentro daquele peito.

- Alessandra, querida. - Clarisse se aproximou. - Preciso lhe pedir um favor.

Alessandra pegou seus materiais de limpeza no armário, revirou seus olhos e olhou para sua chefe. Já era a quinta vez que Clarisse lhe pedia um favor naquela semana, e era apenas quarta feira. E Clarisse nunca pedia favores, eram só ordens maquiadas com um pouco de lisonja e educação.

- Claro, em que posso ajudar? - Alessandra lhe lançou um sorriso forçado e seu melhor tom de subserviência.

Clarisse juntou as mãos como em uma prece e mostrou os dentes, satisfeita.

- Janete faltou hoje, está com uma gripe terrível. - A chefe de Alessandra começou a andar para lá e para cá no pequeno vestiário. - Em dias normais eu não ficaria aborrecida, mas hoje recebi um telefonema informando que haverá uma reunião muito importante na sala 51 do bloco B e estou com a equipe reduzida.

- Você quer que eu limpe aquela sala enorme sozinha? - perguntou Alessandra.

Clarisse fez que não com o indicador.

- Não, não, querida, já enviei uma equipe para lá, mas estou sem alguém para limpar o escritório do senhor Walker. Você poderia fazer esse favor para mim?

Isso era ainda pior, pensou Alessandra. Limpar o escritório do grande homem seria tão difícil quanto limpar uma sala de vários metros quadrados. Alessandra nunca chegou a conhecer Taylor Walker, mas já ouvira algo a respeito. Diziam que era um homem muito exigente quanto a organização e praticidade. Também ouvira que era um homem com pavio curto e um terrível mau humor. Notando o desconforto nos olhos de Alessandra, Clarisse se aproximou e tocou o braço da menina.

- Por favor, querida - pediu.

Alessandra assentiu.

- Ótimo. Tire esse avental sujo e coloque um mais limpo, está bem? Pode limpar o escritório daqui a dez minutos. Não haverá ninguém lá, não se preocupe.

Assim que Clarisse deixou o vestiário, Alessandra soltou um sonoro gemido de frustação. Ela trocou o avental que estava usando por um mais limpo e seguiu em direção ao escritório do senhor Walker. Ela nunca chegou a entrar naquele cômodo, talvez fosse ainda maior que a sala de reunião no bloco B.

A porta estava toda aberta e não havia ninguém na sala, o que foi um grande alívio. Ela então se pôs a limpar a grande mesa de reunião que havia no centro do escritório. Em seguida, limpou as prateleiras, o chão e por último a mesa de trabalho do senhor Walker. Quando estava prestes a sair do escritório, pois havia terminado o trabalho, Alessandra notou que o peso de porta que estava no chão, na verdade, era um livro, cujo título era: Use a cabeça Java. Curiosa, ela o pegou e começou a folheá-lo. Leu a primeira página, em seguida leu a segunda, a terceira, a quarta. E ficou completamente encantada com o que estava lendo. Não que estivesse entendendo muita coisa. Entendia que programação era muito mais do que apenas teoria, exigia muita prática, mas sequer tinha um computador.

- Está aproveitando a leitura? - Uma voz extremamente atraente e forte perguntou.

Alessandra assustou-se e deixou o livro cair de suas mãos e pousar direto em cima dos seus pés o que a fez pular pelo escritório com um pé só, pela dor repentina que sentiu. O homem, dono da voz atraente apenas a olhava, divertido.

A dor nos pés de Alessandra parou e ela conseguiu encarar o homem que estava de frente para ela. Era um rosto jovem, porém sério. Cabelos muito escuros cortados na altura das orelhas e estavam muito bem penteados. Seus olhos a encaravam com ar de divertimento, mas Alessandra notou que aquela expressão divertida, não era algo comum para ele. Ele estava com as mãos nos bolsos e parecia muito à vontade. Usava um suéter simples e uma calça jeans levemente surrada. Pelas roupas, Alessandra suspeitou que ele fosse algum programador perdido.

- Você me assustou - disse Alessandra, envergonhada. - Não estava bisbilhotando, juro. Estava apenas limpando o escritório. Posso ajudar com algo?

O homem sorriu.

- Onde está Janete? Ela quem sempre limpa esse lugar.

Alessandra retribuiu o sorriso, pois o achou extremamente encantador.

- Bem, Janete está doente, por isso estou a substituindo hoje. O senhor está perdido?

Agora o homem soltou uma gargalhada.

- Se eu estou perdido?

Alessandra não entendeu a reação do rapaz.

- Sim, acredito que foi isso que perguntei.

O homem se aproximou mais de Alessandra e a estudou. Uma moça muito bonita, cabelos loiros presos em um rabo de cavalo. Parecia muito jovem, mas seus olhos continham uma tristeza obscura que não combinava com alguém de pouca idade. Era muito pequena também e um tanto frágil, mas também havia força ali.

- Não estou perdido, meu anjo.

Alessandra corou como uma idiota.

- Bem, nesse caso, tenho que lhe informar, não há ninguém aqui além de mim. - Alessandra notou que seu rosto estava muito tenso, a maneira como ele a olhava não a deixava nem um pouco confortável. - Gostaria que eu informasse sua chegada para alguém, senhor... como é mesmo seu nome?

O rapaz deu um passo na direção de Alessandra e estendeu a mão em cumprimento.

- Walker - deu-lhe um sorriso largo. - Taylor Walker.

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