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Anjo Sombrio - Irmãos Dvorak - Livro II

Anjo Sombrio - Irmãos Dvorak - Livro II

Gray Queen

5.0
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Leituras
19
Capítulo

Uma mulher marcada por um relacionamento violento. Um homem marcado por um erro do passado. Um encontro capaz de mudar suas vidas. Matteo é um homem fechado que guarda suas dores e sentimentos para si. Enquanto Ayla é uma mocinha em busca de um recomeço. Em "Anjo Sombrio", o recomeço não precisa ser doloroso. Lembranças não ofuscam o prazer, e o amor está a um ramal de distância. Te convido a conhecer os Dvorak. *É necessário ler o primeiro livro para entender algumas partes desta história.

Capítulo 1 I

Ayla Garcia

- Você enlouqueceu, minha filha? O que pensa em fazer se deixá-lo? O que vai comer? Onde vai morar? O seu pai não vai permitir que volte para casa e ...

- Mãe, eu não estou feliz. Ele me bate por qualquer motivo.

- Isso é normal. Acha que é a única? Os homens são assim, precisam extravasar a tensão do dia de...

- Eu não acredito que estou ouvindo isso. - Levantei indignada. Estávamos sentadas no sofá da sala da casa dos meus pais.

- Seu pai fez isso várias vezes e nem por isso o deixei. Somos felizes.

- Não são não. - Fiquei abismada. Como nunca percebi que algo assim acontecia. Enquanto andava de um lado para o outro na sua frente, recordei vários momentos que sugeriam os maus-tratos; as constantes marcas no rosto e corpo dela que geralmente aparecia e era associadas a tombos. Imaginar que minha mãe suportava a dor de uma agressão constante doeu muito. - Isso não é normal e não vou agir como se fosse. Eu posso trabalhar, não sou nenhuma inútil.

- Quem você acha que vai te dar emprego nessa cidade? Você vai ser considerada uma adultera. Ninguém vai querer sequer estar perto. Estamos em uma cidade pequena, com pensamentos ultrapassados.

- Então eu vou embora. Posso conseguir trabalho na casa de alguma família longe daqui, pelo menos até conseguir algo melhor.

- Você não está pensando direito, filha, só volte para sua casa e seja uma boa esposa.

***

Acordei com a sensação do ônibus parando. Agradeci mentalmente por acordar e estar longe daquele pesadelo. Naquele dia, eu saí da casa dela aos prantos. Isso aconteceu muito depois da primeira vez que Roberto me agrediu. Eu esperava que não fosse acontecer novamente, mas depois da terceira vez, decidi dar um basta e visitei a casa dos meus pais e contei para minha mãe o que vinha acontecendo. Naquele dia me perguntei se realmente era algo comum, com o qual eu teria que me acostumar. Demorou para "cair a ficha" que minha mãe estava errada, não só em aceitar aquilo como normal, como ao me deixar literalmente viver as mesmas dores que viveu. Se morar com um homem significava se entregar a todo tipo de tortura eu poderia muito bem viver sozinha, não existia sexo que valesse a minha paz de espirito, muito menos minha saúde física. Se não era possível trabalhar e refazer minha vida na cidade onde nasci, faria em outra. Lutaria com todas as minhas forças. E seria feliz. Eu não seria como minha mãe.

A pessoa ao meu lado se levantou e começou a pegar suas coisas no bagageiro sobre nossas cabeças. Foi só assim que percebi que o ônibus havia não só parado, mas que chegamos em algum lugar de desembarque.

- Já estamos em São Paulo? - perguntei para a moça que viajou ao meu lado.

- Sim. Estamos no Terminal Rodoviário Tietê.

- Obrigada. - Era exatamente o meu ponto final. Pelo menos pelos próximos minutos, pois ainda faltava muito para chegar à casa de Helena.

Levantei também e peguei minha única mala, pequena o bastante para viajar comigo. Vez ou outra olhava ao meu redor, como se alguém pudesse aparecer de repente e me levar de volta. Só de pensar nisso meu corpo doía onde estava ferido. Segurei as lágrimas e peguei os transportes necessários para chegar até onde minha amiga de colégio morava.

Ela me esperava no ponto de ônibus. Não havia mudado muito apesar de ter passado tantos anos. Seus cabelos ainda era longos e negros, sua pele morena, desde a primeira vez que a vi que a comparo com as figuras de índias nos livros de história. Vê-la me fez recordar da nossa infância, de como éramos felizes e inocentes. Meus olhos se encheram de lágrimas com a saudade.

Ela veio correndo e me abraçou com força. Até tentei disfarçar a dor que seu abraço causou, mas ela percebeu.

- Não acredito que aquele miserável teve coragem de te machucar - falou indignada.

Lembrei da nossa conversa por telefone, onde expus brevemente o pesadelo que se tornou a minha vida com o meu companheiro.

- Eu tenho medo de te prejudicar vindo para a sua casa - confessei. Não tinha ideia se Roberto era louco o bastante para tentar me encontrar, mas no fundo sentia que essa possibilidade não era infundada. Alguém como ele poderia ser capaz de qualquer coisa.

- Gata, meu marido é policial e está louco para colocar aquele crápula atrás das grades. Ele odeia homem que machuca mulheres, crianças, idosos, qualquer um mais fraco. - Sua voz demostrava todo o orgulho que sentia do marido e todo o asco que dedicava a pessoas como Roberto.

- Fico que feliz que esteja casada com alguém assim. - Suspirei lembrando que os primeiros meses com Roberto foram incríveis, ele me tratava com rainha. Foi só um ano após começarmos a morar juntos que ele começou a se mostrar. Bebia demais e reclamava demais, e reclamar se tornou pouco, só se acalmava depois de descontar sua frustração em mim. E eu, idiota, nunca pensei em revidar. Afinal, a bebida o deixava assim, e ele passava os dias seguintes se desculpando e me mimando.

- E logo você também vai encontrar um homem de verdade que vai te fazer esquecer tudo aquilo.

"Obrigada" era uma palavra muito fraca diante do que Helena fazia por mim, então simplesmente a fiz parar de andar, coloquei a mala no chão e a abracei com força, ignorando qualquer dor. Se não fosse o apoio dela, acho que estaria morta nas mãos de Roberto. Ela foi a pessoa que me estendeu a mão, que me ofereceu refúgio.

***

A casa de Helena era um pequeno sobrado pintado de azul. Nos aproximamos e vi o homem baixo e corpulento com um menininho de uns dois anos tentando saltar do seu colo.

- Amiga, esse é o meu marido Michael e o nosso filhotinho Gabriel. Amor, essa é a minha amiga Ayla.

- Seja bem-vinda, Ayla. - Sua voz era grave. Devia impor respeito diante dos marginais que prendia. Isso devia compensar o fato de que era quase da minha altura.

- Obrigada! - respondi timidamente. Preferia que a primeira vez que visse o marido da minha amiga fosse em uma situação diferente.

Entramos e Helena me instalou em um quarto com uma cama de solteiro e um guarda-roupa. O quarto tinha a parede pintada com ilustrações de desenhos animados, foi o que me fez perceber que estava usurpando o quarto do pequeno Gabriel.

Apesar da boa vontade deles, eu não podia abusar e, no mesmo dia em que cheguei, pedi a Helena para me emprestar o computador. Precisava de trabalho urgente.

Ela falava o tempo todo que eu precisava descansar, que podia procurar um trabalho depois que estivesse menos dolorida, mas insisti. Já tinha um mês desde a última vez que Roberto me feriu. Ele devia estar esperando o meu corpo se recuperar para começar novamente. Pois morrerá esperando, desgraçado!

Quando encontramos o anúncio das vagas na Dvorak, ela me contou sobre a fama deles em tratar os funcionários com um membro da família e me mostrou várias reportagens sobre eles em sites importantes. Me inscrevi em uma das vagas de secretária, pois tinha experiencia em carteira, trabalhei dos dezoito até os vinte e cinco como secretária do único dentista da cidade. Só sai porque Roberto me obrigou dizendo que eu estava tendo um caso com o meu chefe. Foi aquela a primeira vez que ele me bateu. Eu devia ter dado um basta naquele dia, mas achei que a culpa foi minha - por sei lá qual motivo - e continuei achando que a culpa era minha todas as vezes. E quanto mais me esforçava para não atiçar sua ira, algo sempre acontecia.

A todo momento meus pensamentos se desviavam para tudo o que vivi nesses quatro anos em que estive com Roberto. Perdi o perdi o emprego, perdi o dom de sorrir com sinceridade, perdi peso, perdi a paz de espirito... e assim vai uma imensa lista de perdas que será difícil de recuperar, mas que estou disposta a tentar. Pelo menos eu ainda estava viva, teria uma segunda chance.

Deus, eu te imploro que me conceda essa chance. Pedi enquanto aguardava a primeira entrevista para o processo seletivo na Dvorak.

***

Apesar de estar suando frio e com as mãos tremulas de nervosismo, fiz um boa entrevista. A pessoa que me entrevistou se chamava Juliet e foi muito gentil. Perguntou sobre a minha experiencia e motivo de estar em uma cidade como São Paulo. Fui sincera contando sobre o que fazia no consultório e contei que estava na cidade em busca de uma vida melhor. Ela também me perguntou se eu tinha filhos ou algo que me impedisse de viajar com o CEO caso fosse necessário. E respondi que estava a disposição. Pretendia fazer alguns cursos para aperfeiçoar meus conhecimentos, mas sempre encaixaria com meus horários na empresa. Por fim, ela agradeceu e me pediu para aguardar um telefonema. Eu já tinha um celular, Helena me emprestou um dos dela, pois o marido tinha dado um novo modelo no último natal e ela estava com três. Segundo ela, guardando para quando fosse no interior levar para alguns primos que não poderiam comprar.

Quando o telefonema aconteceu quase tive um treco de alegria. Fui contratada. Começaria na próxima segunda-feira. Meu novo ano começaria oficialmente no dia vinte e cinco de fevereiro. Deus ouviu as minhas preces e me ajudou a ser escolhida entre tantas pessoas tão experientes quanto eu, ou talvez até mais.

Eu já respirava mais aliviada depois de alguns dias. Já não olhava mais para todos os lados como se Roberto fosse aparecer do nada. Só os pesadelos que eram constantes. As lembranças dos piores momentos.

A segunda chegou rápido. Helena me ajudou a me arrumar com uma das roupas que trouxe comigo, da época em que trabalhava no consultório, e seguimos juntas para o ponto de ônibus. Ela dava aulas em um bairro vizinho e seu marido ficava com o pequeno Gabriel até a mãe dela chegar. Sua mãe cuidava da casa e da criança e era paga por isso. Segundo ela, não tinha sentido pagar a estranhos por algo que ela podia fazer.

O meu ônibus chegou primeiro. Depois dele pegaria trem e metrô até chegar a Dvorak, no centro da capital. De Franco da Rocha até lá era uma pequena viagem.

O medo que senti de me atrasar e perder a vaga antes mesmo de começar passou assim que entrei no imponente edifício da empresa. Em pensamento, prometi a mim mesma que sairia mais cedo nos próximos dias e que assim que tivesse condições devolveria o quarto do Gabriel e alugaria um lugar mais próximo à empresa.

A recepcionista simpática me mostrou um grupo de pessoas e me orientou a aguardar com eles. Me aproximei do lugar, ficando um pouco afastada. Até que vi uma mulher chegando e se aproximando do grupo. Ela foi ousada e cumprimentou a bela morena que também esperava. Quando vi aquilo me recriminei por me esconder quando deveria conhecer pessoas e começar uma nova vida. Em um rompante - antes de perder a coragem -, me aproximei delas e me apresentei. Foi um alivio perceber que eram pessoas boas e logo estávamos conversando com mais pessoas do grupo. Até que a mesma mulher que me entrevistou apareceu e apresentou dois homens que pareciam saídos de novelas. Eram tão belos que nem pareciam reais. Os olhos deles... Eu nunca esqueceria olhos tão lindos e singulares. Nem sabia que era possível ter olhos cinzas.

Apesar do susto inicial, a impressão sobre a beleza passou rápido. Eu estava tão intimidada com tudo que mal prestei atenção nos dois homens que falavam. Eu queria absorver as palavras deles e não ver se eram bonitos ou não. Já sabia que homens de novelas só namoravam mulheres de novelas. As fofoqueiras do salão de beleza na minha cidade sempre falavam sobre isso. Então para que sonhar que um daqueles homens poderia ofuscar o pesadelo que estava em meu coração?

Depois das poucas semanas morando em Franco da Rocha, também fui capaz de entender como tudo é diferente, mais rápido, com menos sentimento. Não que eu estivesse acostumada a qualquer sentimento além de dor e tristeza, há anos não tinha nada além disso. E a cidade nem era grande, comparado a capital onde ficava a Dvorak, mas comparado de onde vim parecia gigante.

Por poucos segundos recordei da minha vida na minha pequena cidade e cheguei a sentir saudade. Foi por poucos segundos. Logo a imagem de Roberto se formou na minha mente levando a saudade da minha antiga vida.

Quando vi os dois homens se afastando, me senti perdida. Eu não seria a secretária de um deles?

Fiquei parada em um canto esperando enquanto via os outros seguirem seus rumos, com medo de que a minha contratação tivesse sido um engano e eles me mandassem embora.

E agora, o que faço?

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