Eliza Blanch é uma celebridade mundialmente famosa. Cantora, modelo e atriz, a jovem de apenas 17 anos já tem milhões de fãs, e uma riqueza incontável. Qualquer um que olhasse, teria inveja de sua vida, porém ninguém sabe que por trás de toda aquela encenação, Eliza vive o próprio inferno na terra. Seus pais só se importam com uma coisa: o dinheiro e fama que ela pode alcançar, e não se importariam de sacrificar a vida de sua própria filha para conseguir isso. E por mais que ela tente agradar, nunca é o suficiente, seus pais sempre querem mais, até prejudicando a saúde da filha no processo. Até que Eliza não aguenta mais, e decide que sua única saída é fugir de casa até que possa fazer 18 anos e ser responsável pelo seu trabalho e dinheiro. Bruno Ribeiro é um pobre órfão, que está prestes a completar 18 anos e ser expulso do orfanato. Seus pais haviam morrido em um terrível acidente, ou pelo menos, era isso que todos acreditavam. A única outra família dele, eram seus irmãos mais novos, que Bruno preferia manter distância, após ter sido detido por problemas que ele mesmo causou. Seu único consolo era que quando saísse do orfanato iria morar com Gabriela, sua única amiga que compreendia o inferno pelo qual ele passava. Os dois juntavam dinheiro para esse momento, até que, faltando apenas uma semana para a sua maior idade, Gabriela é adotada por uma família, o deixando sozinho. Após colocarem pressão para que ele ajude seu irmão, Bruno decide fugir para algum lugar longe, aonde possa esquecer o seu passado, e não fazer mal a mais ninguém. O que nenhum dos dois esperavam era que um encontro inesperado poderia salvar os dois da vida que tanto odiavam.
Eliza Blanch havia sido anunciada como a celebridade do ano.
Ou pelo menos isso era o que diziam diversas revistas que foram colocadas à frente de Eliza. A menina, com apenas 17 anos, era uma cantora, modelo internacional e já havia feito algumas pontas em filmes e séries. Sem contar que ela era a brasileira com mais seguidores nas redes sociais, estava lançando um álbum novo, em uma disputa acirrada para ser a protagonista de um novo filme, e fora indicada a diversos prêmios, incluindo de melhor cantora, personalidade da música, personalidade do ano e pelo menos seis outros.
Seus pais não poderiam estar mais felizes e orgulhosos. Faziam questão de falar isso o tempo todo, e insistir que ela continuasse daquele jeito. E não é que ela não quisesse, era só que tudo aquilo já estava ficando demais.
- Eliza, querida, estamos atrasados para tirar as fotos para seu novo álbum. - Jéssica, a mãe dela falou.
Jessica também era uma cantora, assim como a filha, exceto que não havia feito tanto sucesso em sua época. Toda a fama dela veio de sua vida como modelo e influenciadora digital de vida saudável, para a infelicidade de Eliza, que sempre era obrigada a comer muito pouco e fazer grandes quantidades de exercício.
- Mas mãe, eu nem tomei café da manhã ainda. - Eliza resmungou.
A jovem havia levantado assim que o sol nasceu, e mal tinha tido tempo para nada, já que sua mãe a levou para a academia, dizendo que não se come antes de fazer exercícios. E quando ela terminou, tomou banho, colocou sua roupa, e seus pais já a estavam chamando para mostrar as revistas e contar sobre os prêmios.
- Quanto menos você come, menos engorda querida. Vai ficar melhor nas fotos, agora vamos, vamos!
- Pai! Por favor...
- Escute sua mãe, ela sabe sobre essas coisas. - Paulo respondeu, abrindo um largo sorriso. - Você está fazendo mais sucesso do que nunca, graças aos nossos conselhos. Tem que continuar assim se quiser ganhar os prêmios, e aquele papel no filme.
Eliza se segurou para não revirar os olhos. Eles estavam sentados na sala da enorme mansão que havia sido comprada com o trabalho de Eliza. O cômodo tinha pé direito duplo, um espaço amplo, e uma linda escadaria que mármore que dava a um mezanino no segundo andar. Tinha também uma pequena parte para expor os prêmios que Eliza ganhava, e seus discos que viravam platina. Todo aquele lindo espaço era sustentado unicamente pela cantora. Não que seus pais não ganhasse bem, além de sua mãe ser uma celebridade, seu pai era um grande produtor musical, e trabalhava com os maiores nomes da música do país. Mas era o dinheiro do trabalho de Eliza que sustentava aquela casa. Eles moravam no interior do Rio de Janeiro. Não era exatamente no interior, mas a casa era afastada de tudo, cercada por um enorme campo, florestas e fortemente guardada. Eliza gostava daquela casa, gostava de todas as casas que tinham, tanto no país, quanto no exterior. E sabia que não poderia manter aquele estilo de vida sem o seu trabalho.
Acontece que Eliza já não conseguia nem mais usufruir os privilégios daquela vida. Não tinha tempo para nada, entre os trabalhos de cantora, atriz e modelo, os eventos sociais, os encontros com a imprensa, entrevistas, ensaios e aulas, ela mal tinha tempo para dormir. Era comum ver a jovem passar várias noites em claro, trabalhando. Assim como era comum vê-la pulando refeições. E aquilo já estava acabando com ela, não conseguia mais continuar com aquele ritmo, muito menos aumentá-lo. Principalmente agora. Em um mês ela faria dezoito anos, e iria para a faculdade, já que tinha feito um acordo com seu pai. E então seria impossível continuar com essa demanda, ou até mesmo gravar o filme.
- Mas eu não quero o papel no filme. - Eliza disse, soltando um longo suspiro. - Se eu fizer o filme, não vou poder fazer faculdade, e vocês me prometeram!
- Não estamos dizendo que não pode fazer faculdade, só que vai ser adiada. Uma oportunidade como essas não aparece duas vezes.
- Sim, aparece, eu posso...
- Querida, confie em nós, sabemos o que é melhor para você. - Jessica disse, sem ao menos olhar a filha. - Agora, vamos, estamos atrasadas.
Claro, Eliza pensou, eu nunca sei o que é melhor para mim. Era isso que seus pais sempre diziam, que ela era jovem demais, ingênua demais, boba demais. A menina não duvidava que seus pais soubessem o que era melhor para ela, mas gostaria que pelo menos uma vez ouvissem o que ela tem a dizer.
As duas saíram da casa a caminho do estúdio de ensaio fotográfico. Eliza passou o caminho inteiro olhando a estrada que levava para fora de sua casa, imaginando como seria andar por esse caminho sem se preocupar com nada além dos problemas de uma adolescente normal.
Como se ela soubesse o que era ser uma adolescente normal. Nunca foi a uma escola, nunca teve nenhum amigo, nunca saia de sua casa, a não ser para trabalhar, ou a eventos que Eliza Blanch era convidada. A realidade era que ela estava cansada de ser Eliza Blanch, que era seu nome artístico. Ela só queria ser a Maria Elizabeth Guimarães, pelo menos por algum tempo, só para conseguir respirar. Mas ela mal sabia quem esta era.
Quando chegaram ao estúdio, rapidamente puxaram Eliza para fora de seu carro, e a levaram pra se vestir, maquiar e fazer o cabelo. Era sempre a mesma rotina. Aumentavam os cachos de Eliza, de seu cabelo ruivo brilhante, passavam sombras para realçar os olhos violetas únicos que ela tinha, e tentavam esconder suas sardas com muita maquiagem. Ao final de todo o processo, não conseguia sequer se reconhecer no espelho.
- Eliza, minha diva preferida, está pronta? - O fotógrafo perguntou, se aproximando dela. - Vamos?
- Claro. - Eliza respondeu, abrindo um sorriso ensaiado.
Mas assim que ela se levantou, sentiu uma tontura e teve que se apoiar na mesa a sua frente para não cair. Quando as manchas sumiram de sua visão, percebeu que estava ofegante, e o fotógrafo estava parado ao seu lado, parecendo preocupado.
- Minha estrela, você está bem? - Ele perguntou, arqueando as sobrancelhas. - Talvez sua pressão tenha baixado.
- Eu me senti um pouco fraca, só isso. - Eliza falou, erguendo a mão para negar a ajuda que a ofereciam.
- Quer algo? Água? Suco? Uma bala, talvez sua glicose esteja baixa.
- Não, não e não! - Jessica disse em um tom severo. - Eliza não pode comer balas ou tomar suco, ela precisa manter a forma. Tragam uma garrafa de água para ela e vai ficar tudo bem.
- Mon chérie, sua filha não precisa emagrecer ainda mais, ela está ótima!
- Se ela quiser continuar trabalhando como modelo, precisa perder pelo menos mais dois quilos.
- Só se ela quiser sair voando. - O fotógrafo retrucou baixinho, de modo que Jessica não ouviu.
Eliza aceitou a água, sentindo o líquido descer e chegar ao seu estômago vazio. Após respirar fundo, ela disse que estava pronta, e foi até o cenário, fazendo as poses que mandavam, e até improvisando algumas vezes. Passou-se alguns minutos, mas para Eliza pareceram horas. Toda vez que a câmera disparava e os flash piscavam em sua direção, mais manchas apareciam, e a tontura piorava.
Eliza sentiu que tremia, mas tentou esconder. Um enjoo tomou conta de seu estômago, que protestava veementemente.
- Eliza, está tudo bem? - Ela ouviu alguém perguntar, mas parecia tão distante.
Eliza abriu a boca para responder, mas nada saiu, porque naquele momento, seu corpo perdeu todas as forças, desabando, e a escuridão tomou conta dela.
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Bruno estava deitado em sua cama, esperando pacientemente que ninguém o perturbasse naquele dia. Ele jogava à bola para o alto, e a pegava no ar, se entretendo com aquela brincadeira. Ouviu o som da porta abrindo, mas sequer olhou para descobrir quem era.
Muito tempo morando no orfanato o fez descobrir certas coisas: quando você olha para a pessoa que entra em seu cômodo, você da abertura para ele falar com você. Não que algumas pessoas se importassem, elas simplesmente invadiam seu espaço, sem ao menos perceber. Mas Bruno já tinha se tornado um especialista em afastar qualquer um que chegasse perto demais, já fazia parte de quem ele era.
- O que está fazendo aqui?! - Ele ouviu a voz de Fernanda perguntando. - Não deveria estar na escola?
Theo e Fernanda eram os responsáveis pelo orfanato aonde Bruno ainda morava. Não por muito tempo, já que em duas semanas ele faria dezoito anos, e seria expulso de lá, assim como já tinha visto acontecer com vários outros.
Os dois diretores viviam em pé de guerra sobre como deveriam gerenciar o orfanato, e enquanto Theo gostava das coisas rígidas, Fernanda sempre era mais liberal, de modo que ele cuidava dos adolescentes, e ela das crianças menores. Para a infelicidade de Bruno.
Era uma sorte Fernanda tê-lo encontrado naquele quarto e não Theo. Senão ele estaria a meio caminho para levar uma surra, ou receber trabalhos que ele não queria fazer.
- Estou doente. - Bruno respondeu, sem tirar os olhos da bola que subia e descia em sua direção.
- Você não parece doente. Pelo contrário. - Fernanda soltou um suspiro, fechando a porta atrás de si. - Bruno, eu estou preocupada com você.
- Não precisa.
- Você está comparecendo cada vez a menos aulas, não conversa com ninguém além da Gabi, e o orientador me disse que você nunca falou nada nas sessões.
- Só porque o tribunal impôs que eu fizesse terapia, não significa que eu precise dizer algo. - Bruno retrucou.
- Não, não significa, mas...
- Dizem que só de você comparecer às sessões, já é um grande passo.
- Quando faz por vontade própria sim, você só faz para não voltar a prisão juvenil.
- Escute, o juiz determinou que eu fosse, então eu estou indo. Eu não ultrapassei o máximo de faltas da escola, não estou fazendo nada de errado! - Bruno falou, sentando-se e elevando a sua voz.
- Não disse que estava fazendo algo de errado, é só que não é saudável um adolescente...
- O que? Não ter uma família? Não ter ninguém que o queira? Ter sido preso e julgado? - Bruno perguntou, arqueando as sobrancelhas. - Acredite, tenho problemas maiores do que o fato de eu não querer falar com ninguém.
- Isso não é verdade, você tem uma família. Seus irmãos ainda estão no Orfanato da Benedita e Felipe sempre liga para cá, sempre pergunta de você
- Eu já disse para falarem que eu morri, ou que eu não existo. - Bruno murmurou, respirando fundo para não perder a paciência.
- Não podemos dizer isso, e você sabe. Bruno, o Felipe tem treze anos, não é estúpido. Mas ele e Clara ainda são crianças, você é como um modelo para eles.
Bruno fechou os olhos, fechando seus punhos. Dói ouvir sobre os seus irmãos. Dói muito. Felipe era cinco anos mais novo que Bruno, de modo que agora ele tinha completado treze anos recentemente, um pouco antes de Bruno fazer dezoito. Já Clara era a caçula da família, e tinha apenas seis aninhos, não deveria nem se lembrar de seu irmão mais velho, o que tornava a situação perfeita. Porém, quando seus pais morreram, Felipe tinha nove anos, bem mais velho que Clara, que tinha apenas dois. E ao deterem Bruno, ele esperava que seu irmão esquecesse da existência dele. As coisas seriam bem mais fáceis se ele esquecesse que teve algum dia um irmão mais velho, que algum dia o admirou.
- Você sabe, quando fizer dezoito, se estiver trabalhando e tiver sua casa, você pode buscá-los. Eles estão...
- Eles não precisam de mim! - Bruno gritou, se levantando. - Eu não sou o modelo ideal de ninguém! Eu não sou o certo para eles!
Antes mesmo que Fernanda pudesse responder qualquer coisa, Bruno puxou sua mochila e saiu do quarto como um furacão. Não entendia porque todos insistiam tanto nesse assunto, estava claro que ele não servia para cuidar de uma criança. Seu irmão merecia uma família decente, que o amasse, não merecia um criminoso.
Bruno sabia que ele só poderia trazer mais infelicidade a vida de seus irmãos, e não podia fazer isso com eles. Não quando eles eram as únicas pessoas que Bruno amava que ainda estavam vivos.
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