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Urna Dourada - Pacto

Urna Dourada - Pacto

CherryDArc

5.0
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27
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3
Capítulo

Lizzie Bennett não acreditava em contos de fadas tampouco mitologias, embora fosse fascinada pelo conceito. No entanto, as coisas mudam quando se vê obrigada, para salvar a própria vida, a forjar um pacto com um ser que deveria ser fictício. Agora, convivendo com um homem de outro período e lidar com as bizarrices que ele atraí, ambos precisam deixar de lado suas diferenças e se unirem para descobrir quem deseja tanto acabar com eles antes que o caos reine absoluto e destrua tudo que Lizzie conhece.

Capítulo 1 Aquele que emerge dos Contos

A camada fina de poeira que impregnava os artefatos era uma demonstração de como o Senhor Homei estava tendo dificuldades para continuar com a manutenção do lugar - o pó se acumulava na superfície e escurecia a cerâmica de boa qualidade de alguns e desgastava o material de outras. A falta de limpeza poderia causar uma má impressão e, por consequência, afugentar a clientela que já não é muita considerando que a venda de antiguidades é um nicho bem específico de negócio e os poucos que surgem são bem exigentes com esse tipo de organização e cuidados.

Não o culpava pela pequena negligência com os artigos expostos, afinal se tratava de um homem de idade avançada que tentava como podia manter tudo ativo e o nome da família vivo. E justamente pelo respeito e carinho que desenvolvi por ele que passei a trabalhar para o Senhor Homei e auxiliá-lo em questões que sozinho ele não conseguiria. Apesar de algumas complicações não muito significativas, todos os anos que estava atuando como ajudante, foram recompensadores e não me via longe do ambiente terno e sereno e da hospitalidade dele.

Conheci a loja ainda na minha adolescência, quando encontrei um panfleto que anunciava a chegada de novas aquisições que, para meu eu de quinze anos soava impressionante, estava aberto ao público. Tenho um gosto genuíno, talvez um demasiado entusiasmo, por objetivos, decorações e qualquer coisa que remetesse ao vintage e, para aproveitar a oportunidade, fui pesquisar. Poderia dizer que fora o mais próximo de amor a primeira vista que tive, o que, para mim àquela altura, seria julgado como algo espantoso - visto que até o momento o conceito de se apaixonar sequer tinha cruzado minha mente.

O antiquário se localiza em uma área que possuía um bom fluxo de pessoas, mas não atraía tanta atenção como os grandes centros comerciais que serviriam como uma competição indireta. Na porta, agarrada com minha mochila surrada, um perfume suave para meu olfato desacostumado com aromas mais delicados me encorajou a entrar, me conduzindo timidamente pelo espaço cheio de excêntricos artefatos bem catalogados e peças com aspecto frágil e bonito. Para alguém facilmente encantada como eu, as prateleiras reluziam com um brilho cativante, tudo que compunha o acervo da loja - uma infinidade lista que mal entendia sua finalidade - tragava minha curiosidade. Não demorou muito para que o Senhor Homei me saudasse amavelmente, permitindo que explorasse mais dos recantos do estabelecimento e me fissurasse mais na mercadoria que ele tanto estimava, com ele explicando pacientemente como funcionava cada artigo que desconhecia.

Depois do contato, a princípio, iria esporadicamente visitá-lo, duas vezes na semana como um padrão mínimo estabelecido, porém, a medida que crescia, a frequência se tornava maior até me voluntariar para ajudá-lo e faço até os dias atuais. Senhor Homei era como um parente, ou o mais perto de avô que tive, e me recusava a deixá-lo a própria sorte enquanto envelhecia e, principalmente, nos afazeres da loja que, por anos, me refugiava das minhas inseguranças e me fazia sonhar acordada imaginando como seria viver em um período diferente.

Retornando os pensamentos ao presente, notei que a área onde havia relíquias orientais se encontrava em condições melhores comparados aos demais. Não estranhava essa cautela toda, desde que comecei minha jornada laboral ali, Senhor Homei pedia para que não mexesse muito naquele canto específico, deduzi vagamente que seria por conta de sua origem asiática que teria um apego maior com objetos ligados a sua cultura. Ele nunca contava muito sobre determinados pontos de seu passado, mas falou um pouco sobre serem heranças de família que se transmitia de geração a geração para que a próxima pudesse zelar por eles até que chegasse a hora - e nem mesmo ele sabia o que seria essa hora. Dentre todos, havia uma espécie de urna cheia com que supus serem selos de papel com símbolos que descobri posteriormente serem budistas, e ocasionalmente me pegava encarando-o em meio as tarefas, como se existisse algo que me chamasse, embora fosse muita loucura imaginar tal bobagem.

Ele também já mencionou que em caso de extrema emergência, a urna precisava ser tirada de seu "sono" e retornar a vida - que nunca entendi o que significava.

Chacoalhei a cabeça no instante que minha mente começou a vagar por um terreno nebuloso de teorias mirabolantes, afastando distrações e me focando somente na minha função. Passei um espanador pelas estátuas para remover a poeira e evitar que corroesse a estrutura, deslizando cautelosamente pelo entorno dela.

- Senhor Homei, gostaria que eu fizesse um chá? - indaguei ao passar no balcão onde ele escrevia os relatórios de checagem.

- Oh, sim, muito obrigado, Lizzie. - ele sorriu, ajustando os óculos.

Parecia um ritual diário que realizava para o preparar o necessário para o chá, dosando as ervas e a água para que ficasse com um sabor mais acentuado - uma técnica que aprendi com o Senhor Homei que adorava as variações de chá. Despejei calmamente um pouco em xícaras e levei, em uma bandeja, para ele que ainda estava concentrado no que transcrevia.

- Algum problema, Senhor Homei?

Ele negou com a cabeça, reflexivo.

- Não se preocupe, são apenas formulários. - esclareceu com afabilidade. - Logo já terei terminado e poderei dedicar melhor atenção aos clientes que vierem.

- Se precisar de ajuda, pode falar comigo.

- Eu agradeço. - assentiu com um sorriso fraco estampado em sua face enrugada.

Ele bebericou um pouco do chá, saboreando-o com graça. Em seguida, seu olhar repousou sobre a urna e exalou pesadamente.

- Lizzie, pode me fazer um favor?

- Claro, claro. - assenti solícita.

- Poderia sair mais cedo hoje?

Franzi o cenho com o pedido.

- Por mim tudo bem.

Ele suspirou aliviado.

- Muito obrigado.

O que o Senhor Homei tinha de bondoso, tinha de enigmático.

Com a limpeza e a organização dos artefatos concluída, arrumei os panfletos para distribuir e aproveitar meu tempo livre para divulgar a loja. Estávamos em uma temporada de visitação experimental e decidi criar novos meios para angariar clientes, então, saindo da loja, segui meu caminho repassando as novidades para pessoas que sugeriram estar interessadas.

Virei-me, no meio do trajeto, vendo o Senhor Homei fechar antes do horário habitual - o que era bastante incomum de ocorrer. Revi meus passos e ações durante o dia para analisar o que teria ocasionado essa atitude, tentando resgatar da memória até falas inconvenientes da minha parte.

Nada veio a mente.

Assustada, cogitei ser algum problema de saúde e fiquei tentada a retornar, contudo, permaneci em meu percurso e repelindo os primeiros indícios de uma paranoia despontando ferozmente. Se ele estivesse doente certamente notaria. Risquei mentalmente a possibilidade, entregando os panfletos como planejei até restar poucos e ir para casa.

As ruas desertas me obrigaram a apertar o passo para evitar algum encontro desagradável. Antes que disparasse em uma correria alucinante, um sentimento desagradável revirou meu estômago, era um frio nauseante e doentio que ameaçava me adoecer. Não tinha como ignorar aquele pressentimento que crescia feito uma entidade ativa e que não me abandonaria se não averiguasse por uma última vez. Girei nos calcanhares e corri o máximo que minhas pobres pernas seriam capazes, suportando o músculo se exaurir com a corrida e o esforço demasiado aplicado nela e minha respiração ofegante tragar o ar em gorgolejos secos.

Vamos lá, preciso ser mais rápido que isso!, berrei para mim mesma, pondo toda força de vontade naquele acirrado percurso.

Ao finalmente chegar, a fachada da loja estava arruinada por um incêndio. Sem pensar duas vezes e sem perder o ritmo, entrei no estacionamento torcendo que tenha sido um acidente fácil de solucionar, mas antes precisava achar o Senhor Homei para prestar o devido suporte a ele e chamar os bombeiros e a polícia. Protegi meu nariz e boca com o tecido da manga da minha blusa, esquadrinhando o local para ver onde ele estaria.

Segui para a porta dos fundos da loja, fugindo da camada de fumaça que cercava a loja. Congelei com a imagem prostrada de um homem a poucos metros de um Senhor Homei cansado, deitado no chão, contudo, lutando para se reerguer.

O que eu faço?

O Senhor Homei me encarou, sem demonstrar sinal de perplexidade, talvez para não chamar a atenção do inimigo que estava focado nele.

Recuei o mais silenciosamente quanto possível e segui as instruções do Senhor Homei e peguei a urna dourada, removendo os selos como se minha vida dependesse da minha velocidade e do meu manejo, um pouco desengonçado. Em um ímpeto brusco, abri a tampa do artefato, contudo, nada aconteceu. Decepcionada com a falta de ação, retornei para os fundos da loja e gani horrorizada com a figura sombria sustentando o pobre ancião pelo pescoço.

- Seu velho inútil, onde estão as relíquias? Onde? - vociferou, chacoalhando violentamente o pobre senhor.

A fúria me dominou e, engolindo o medo, me joguei para cima do cara que largou o Senhor Homei.

- Deixa ele em paz, seu troglodita cretino! - o impacto da colisão não derrubou o cara que mais parecia uma parede de pedras que um humano.

- Agora você depende de garotinhas para te proteger, monge? - ele riu. - Que patético! Você decaiu no nível mais baixo.

- Não vou deixar que machuque ele! - gritei pronta pra usar o que sabia de lutas, o que seria basicamente nada.

- O que está fazendo aqui? Eu disse pra voltar pra casa. - ele censurou, mas não havia raiva em seu tom e sim tristeza.

- Eu não podia te deixar sozinho! - expliquei, dando dois passos até um puxão em meu cabelo me fez gritar.

- Você claramente não tem medo nenhum por sua vida, mas e a dessa garota? - o cara pressionou com tanta força meu cabelo que temo que o aperto fosse o suficiente para rasgar meu couro cabeludo fora. Arquejei com a dor e a lutei para sair do seu escopo. - Você vai deixar que essa jovem vida seja ceifada e ainda na sua frente? Vai sacrificar essa vida inocente por uma informação, monge?

Senhor Homei parecia aflito.

- Deixe-a em paz, ela não tem nada a ver com isso. - pediu, fazendo um movimento de mãos como se estivesse preparado para atacá-lo.

- Decisão errada. - disse me arremessando para trás e indo confrontar Senhor Homei.

Quando me recuperei do susto, vi o ancião deitado contra uma parede aparentemente inconsciente.

- Não...! Não! - choraminguei, me rastejando até os dois. Estendi a mão, impotente.

Uma risada atrevida soou, cortando o silêncio opressor.

- Atacando velhotes e garotinhas? - a voz indagou como se dramaticamente não acreditasse no ocorrido. - Vemos aqui quem é o ser patético. Garanto que se fizer algo ao meu mestre, serei impiedoso com você, seu verme.

Sob a luz da lua uma silhueta se delineou, imponente e altiva.

- Quem diria que encontraria o famoso rei vermelho. É uma honra estar na presença de tão ilustre criatura. - o homem fez uma mesura um tanto sarcástica.

Rei vermelho?

Não. Isso não é importante.

Meio desengonçada, me levantei e andei até o Senhor Homei para lhe dar assistência, usando meu conhecimento em primeiros socorros. Um estrondo ensurdecedor acionou minha adrenalina e o instinto de fugir e desconectar-me da realidade, contudo, contive meu terror e deparei-me com a visão de um homem alto, ruivo pisando na cabeça do homem que nos atacou.

- Você não foi um grande desafio. Deve ser por isso que impõe sua força em mulheres e velhos, não é? - pisou mais na cabeça dele. - Não consegue dar conta de um oponente de verdade, não é?

Respirei fundo, tentando entender a situação enquanto o Senhor Homei tossia recobrando a consciência.

- Céus, que alívio, Senhor Homei. - gaguejei.

- Você está bem velho mesmo, hein. As vezes esqueço que os humanos envelhecem rápido. - o homem ruivo comentou em tom mordaz.

- Você... Fez bem em chamá-lo, Lizzie. - Senhor Homei balbuciou sem forças.

- Eu o chamei?

- Aquela urna era a prisão do rei vermelho. - explicou pausadamente.

- Você pediu pra uma menininha me tirar do selo, esse é o seu nível de desespero, velhote? - escarneceu maldoso.

- Ei, tome cuidado como fala com ele. Tenha mais respeito com um idoso. - ele revirou os olhos com minha repreensão. Entretanto, se agachou para checar o estado do Senhor Homei.

- Você foi longe demais nessa brincadeira, velhote.

- Talvez, mas agradeço por atender o chamado.

- Então essa garota será minha mestra agora? - debochou, me examinando.

- Por favor, eu te peço, proteja Lizzie... E não deixe que as relíquias caíam em mãos erradas... - Senhor Homei fechou os olhos e não esboçou mais nenhuma reação.

- Não, Senhor Homei... - arfei, espantada.

- Fica tranquila, garota. Ele está vivo, mas, como vocês humanos diriam, em coma.

Disquei o numero da ambulância e dos bombeiros para lidarem com a situação a ajudar o Senhor Homei a se recuperar.

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