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Entre teus lábios

Entre teus lábios

Loree Bell

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Capítulo

Apenas segurei sua mão e deixei que ele me guiasse com um sorriso travesso e um olhar quente. Eu ardia. Éramos inflamáveis. Indomáveis. Eu não sabia o que o futuro nos reservava, e tinha certa ânsia da juventude de saber tudo o que podia e tudo o que queria, mas naquele instante, me bastava ter certeza de que jamais esqueceria aquele gosto de hortelã, canela e pecado...

Capítulo 1 ― Emily

Alguns anos antes...

Respirei fundo quando desci as escadas do colégio após o sinal anunciar o fim da última aula, corri uma pequena distância antes de chegar ao estacionamento e vê-lo.

Sorri quando percebi que Rob cantarolava baixinho ao som da música alta que vinha dos fones de ouvido presos ao redor da cabeleira loira e casualmente bagunçada que brilhava ao sol.

Tinha a jaqueta de couro jogada sobre os ombros, o jeans escuro rasgado, os coturnos rabiscados de tinta preta junto ao riso irônico que combinava perfeitamente bem com a maneira sensual que seus olhos azuis fitavam-me.

Me aproximei rapidamente quando ele abriu os braços e me agarrou pela cintura, tirei o cigarro aceso que pendia meio solto de sua boca e coloquei entre meus lábios de forma provocativa.

Sorri desafiadoramente enquanto tragava devagar e soltava a fumaça ainda mais lentamente.

― Se dona Ângela visse a santa garotinha dela agora...

― Ela te mataria com as próprias mãos por desviar a filha dela dos caminhos da moral e dos bons costumes... ― peguei o cigarro com as pontas dos dedos e perpassei deliberadamente a língua entre os lábios em um convite.

Ele nunca esperava demais para me beijar e eu amava a forma descontrolada que ele o fazia. Rob enroscou uma mão em minha nuca me puxando para mais perto, como se me beijar, me tocar, me consumir, nunca fosse o suficiente. E eu acho mesmo que não era.

Adorava sentir que éramos insaciáveis, queimando enquanto tudo ao redor se resumia ao toque de suas mãos em mim, seus olhos devorando-me com ardência e sua boca percorrendo minha pele quase com desespero.

― Vamos sair daqui? ― ele sussurrou em meu ouvido enquanto mordiscava a pele sensível.

Eu não precisei dizer. Eu nunca precisava dizer o quanto o queria para que ele soubesse. Apenas segurei sua mão e deixei que ele me guiasse com um sorriso travesso e um olhar quente.

Eu ardia.

Éramos inflamáveis.

Indomáveis.

Ele me beijou de um modo quase selvagem antes de chegarmos até seu carro naquela tarde, e eu pude sentir o gosto de hortelã e canela que vinha de seu hálito ao me roubar o fôlego.

Eu não sabia o que o futuro nos reservava, e tinha certa ânsia da juventude de saber tudo o que podia e tudo o que queria, mas naquele instante, me bastava ter certeza de que jamais esqueceria aquele gosto de hortelã, canela e pecado.

********

Senti o cheiro pungente do mar enquanto fechava os olhos e aproveitava os últimos momentos estirada na areia, o vento agitava as ondas que quebravam na praia e beijava minha pele com um sopro suave. Movi meus dedos dos pés e me estiquei ainda mais enquanto puxava meu cardigã junto ao colo, numa tentativa mal sucedida de me aquecer sentindo cada músculo protestar após mais um dia cansativo de trabalho.

Meio relutante, abri minha mochila surrada e peguei meu celular. A tela trincada, notificações de chamadas não atendidas e muitas mensagens na caixa postal. Eu não queria falar com ninguém, mas o problema é que isso já fazia algum tempo e quando você se isola há o perigo de não apenas habituar-se à solidão, mas de abraçá-la.

Meus dedos tremiam ao passo que dedilhava a tela a procura daquela maldita foto. Eu não sabia o por quê ainda me torturava, mas era quase consolador sentir a pontada de dor que me invadia ao olhar aquela lembrança de um dia feliz. Afinal, alguma prova deveria existir, de um tempo em que eu não era corroída por uma escuridão tão intransponível quanto a que vivia atualmente.

Não consegui desviar minha atenção dos seus olhos, eles sempre me tornaram cativa. Um tom de cobalto intenso que me trazia memórias incríveis e dolorosas na mesma proporção. Mesmo na foto, você me encarava de volta, como sempre fazia. Me desafiava a mostrar o pior de mim, e depois ria quando eu dava o meu melhor nisso.

Algumas lágrimas teimosas insistiam em rolar pelo meu rosto enquanto eu observava a garota sorrindo ao seu lado. Tinha os cabelos ruivos um pouco mais claros do que agora, e um sorriso muito mais convincente também. Os olhos castanhos se iluminavam quando encontravam os seus, bem como o semblante. E doía ver. Doía porque eu não me reconhecia mais naquela garota feliz da foto, apesar de ainda carregarmos o mesmo olhar avelã sonhador, hoje eu sabia que estes sonhos tinham raízes muito mais firmes no chão. Aterradas, para ser sincera.

Na imagem, eu me perdia em seus braços. Enquanto agora abraçava sozinha o buraco que você deixou me consumir de dentro para fora. Não era mais capaz de impedir as lágrimas àquela altura, e também não fazia sentido represá-las. Não agora, que tudo já havia se perdido.

― Rob, o que você fez comigo? ― mal reconheci minha própria voz esganiçada.

Apenas um sussurro breve de um nome pronunciado em um fiapo de voz, era o suficiente para deixar que as lembranças dele tornassem a me assombrar...

Estava tarde, precisava voltar para casa antes que fizesse alguma coisa ainda mais idiota. Não morava tão longe dali, mantinha um pequeno apartamento alugado bem próximo do prédio da Editora em que passava meus dias trancada em frente a um computador, com uma chefe regulando até minhas idas ao banheiro.

No entanto, não era de todo ruim, afinal eu morava perto o bastante do mar para fugir do caos da metrópole aos fins da tarde para assistir ao pôr do sol. O barulho das ondas quase sempre me acalmavam, e ultimamente eu precisava muito disso.

Dividia o minúsculo apartamento com Mirian, minha mais antiga colega de trabalho. Para ser franca, eu não precisava de ajuda financeira com o aluguel, mas ela sim, já que planejava se casar em breve e vivia reclamando que suas prestações e boletos se estenderiam pelos próximos dez anos. Mirian, definitivamente era meu total oposto.

Enquanto eu quase não tinha empolgação para sair, Mirian era a própria agitação em pessoa para me arrastar apartamento afora para os mais diferentes tipos de diversão, como ela mesma dizia. Apesar de eu preferir apenas pegar um cinema e comer algo legal em algum restaurante, na maioria das vezes minhas preferências pouco importavam pra ela, que sempre optava por lugares lotados com caras solteiros para poder ficar a noite toda bancando uma de cupido, até o cara escolhido da vez, perceber minha total falta de interesse e cair fora.

Eu não a culpava por tentar. Afinal, sempre soube que o problema era comigo. Qual mulher solteira de 27 anos não estava afim de se divertir um pouco? Eu era jovem, me considerava bonita ao meu modo e tinha certa lábia quando queria puxar assunto. Mas o problema era exatamente este, eu nunca queria. De alguma forma, talvez eu estivesse mesmo quebrada e despedaçada o bastante para qualquer tipo de conserto ou reparo.

Olhei para o relógio acima da porta da entrada e já marcava oito horas. Sabia que Mirian chegaria apenas mais tarde, devido às milhares de horas extras que estava cumprindo nesta semana. Então aproveitei para preparar o jantar, eu gostava de cozinhar apesar de não ser tão boa quanto deveria, já que fazia isso todos os dias. Mas, eu sobrevivia comendo razoavelmente bem.

Preparei uma rápida salada de macarrão e após um banho quente, coloquei meu prato vazio ao meu lado no sofá enquanto ligava meu notebook, já que ainda tinha alguns arquivos do trabalho para analisar. Não era muito a favor de levar trabalho para casa, mas isso passou a ajudar de certa forma. Desde que a insônia e os pesadelos começaram a alguns anos atrás, costumava redigir pautas e ler artigos enfadonhos até finalmente conseguir pegar no sono.

Meus dedos ágeis sobre o teclado foram ficando mais lentos à medida que um pequeno indício de dor de cabeça começava a dar sinais, levando uma das mãos às têmporas, fechei meus olhos lentamente abandonando aos poucos a consciência, sendo arrastada por pesadelos não tão irreais quanto pesadelos deveriam ser.

Após o que pareceu ser apenas alguns minutos, dei um pulo no sofá, me assustando com o barulho da porta da frente. Ignorei a umidade em meus olhos, e passei o dorso de uma das mãos para secá-los antes que pudesse ser flagrada. Certa vez ouvi dizer que poucas pessoas são capazes de chorar enquanto dormem, pelo menos são poucas que têm a experiência com tanta constância, e infelizmente eu era uma dessas desajustadas que tinha a cabeça perturbada o suficiente para isso. Nem o sono era o bastante para me poupar por alguns instantes de tudo o que minha mente carregava.

Ouvi a chave finalmente girando na fechadura, e logo em seguida vi uma Mirian entrando de forma desajeitada equilibrando perigosamente nas mãos duas bandejas pequenas com um lanche em cada uma, dois copos grandes de Coca-Cola ao lado de sua enorme bolsa de grife da qual tinha tanto ciúme.

― Emy, me ajuda com isso aqui! ― ela gritou e eu rapidamente corri em seu auxílio.

― Como conseguiu subir as escadas carregando tudo isso? ― falei enquanto pegava meu hambúrguer e retornava ao sofá.

― Foi quase impossível! Mas, não resisti desta vez, a dieta vai ter que ficar pra depois. ― ela deu uma grande mordida em seu lanche antes de se jogar no sofá ao meu lado ― Estou tão cansada! ― olhei pro seu rosto abatido e os claros cabelos longos terrivelmente desgrenhados.

― Você devia dar uma pausa em tantas horas extras. Se continuar assim, vai dormir nas trinta primeiras noites da lua de mel e Jered vai querer te devolver! ― vi quando ela finalmente sorriu, ainda exausta, mas agora pelo menos sorridente.

Ela se espreguiçou demoradamente e levou as embalagens vazias para a cozinha, enquanto eu desligava o computador. Peguei meus fones de ouvido em cima da mesa de centro, e fui pro meu quarto enquanto dava play na mesma playlist de sempre, com minhas músicas favoritas.

Encarei o espelho com frustração antes de pegar uma escova para tentar ajeitar o caos que era meu cabelo. Tinha de dar um jeito nele para que pudesse estar pelo menos apresentável na manhã seguinte.

Escovei as longas mechas acobreadas, apesar de ter o cabelo liso e fino, eram volumosos e me davam certo trabalho quando tentava mantê-los devidamente alinhados.

Observei meu rosto no espelho, uma face pálida de feições pequenas. Tinha a testa franzida, e notei para minha infelicidade, que as pequenas marquinhas na pele não estavam mais tão lisas quanto costumavam ser, e agora, havia dois minúsculos vincos entre minhas sobrancelhas. Que ótimo! Pensei de maneira sarcástica enquanto finalmente prendi os cabelos e caminhei até o interruptor para apagar a luz.

Eu sempre tive medo do escuro, mas a escuridão passou a me trazer certa dose de conforto junto ao silêncio. No entanto, agora eu não gostava mais tanto assim do silêncio nas madrugadas em que ainda estava acordada, porque o silêncio me deixava de certa forma vulnerável para escutar a mim mesma, e eu certamente não gostava disso. Eu não gostava porque na maioria das vezes minha mente era um tremendo emaranhado caótico de idéias absurdas demais para serem ditas em voz alta. E se eu não podia dizê-las, eu também não queria ouvi-las.

Havia acontecido tanta coisa comigo, que mesmo lutando bravamente para continuar sendo relativamente 'normal', ― e com normal eu quero dizer mentalmente e minimamente sã ― no fundo eu sabia que algo tinha dado muito errado no meio caminho. Sabia disso porque havia abandonado meus remédios para ansiedade havia menos de dois meses, por não estarem mais me ajudando.

Sabia porque eu não tinha mais medo do escuro como costumava. Pelo contrário, eu não era mais cautelosa como a maioria das pessoas costumam ser e este desprendimento me preocupava porque eu também sabia que é isso o que as tornam prudentes quando necessário. Na verdade eu não queria ser cautelosa, eu não queria me poupar e no meu íntimo uma voz que eu conhecia como traiçoeira dizia que isso era certo. Por isso colocava músicas que pudessem me distrair de mim mesma, e isso era bom, apesar dessas músicas me lembrarem um passado distante.

Um passado que eu me permitia reviver apenas em noites como aquela, em que sentia saudade da garota que eu costumava ser. Saudade o suficiente para querer relembrar, por mais que doesse. Um passado com gosto de hortelã, canela e tristeza, muita tristeza.

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