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O movimento oscilante da caminhonete, somado ao vento gélido que descia das montanhas e à sombria expectativa acumulada em meu peito, fazia meu corpo estremecer. Uma manta fina era a única proteção contra o frio, cobrindo minha silhueta esguia por cima de um vestido leve e amassado, impregnado com o cheiro salgado da maresia - um lembrete cruel dos últimos anos.
Aquele cheiro. Como eu o odiava.
A estrada diante de nós era um mosaico de irregularidades. A cada solavanco, meu tornozelo lesionado latejava com uma dor que parecia rasgar os nervos. Encolhi-me instintivamente, tentando proteger a ferida.
- Já estamos chegando, criança - anunciou a senhora sentada no banco à minha frente, ao lado do motorista.
Mesmo com a mata densa ao redor e a luz fraca da lua filtrada pelas árvores, minha visão aprimorada de shifter - uma metamorfa de sangue lobo - me permitia captar cada detalhe de suas feições. Assim como meu olfato, não deixava dúvidas: ela era uma loba anciã.
Seus olhos cansados carregavam um brilho acolhedor, o rosto marcado pelas rugas do tempo contrastava com o sorriso gentil. Mas meu instinto gritava: não confie.
"Quão rápido ela se transformaria se eu tentasse fugir?", provocou uma voz sussurrante dentro de mim.
Afastei o pensamento com um leve balanço de cabeça. Ela parecia inofensiva, mas se os últimos cinco anos me ensinaram algo, foi que as aparências enganam. E, às vezes... até matam.
- Acabamos de atravessar os limites da alcateia. Assim que chegarmos, vou providenciar roupas limpas e quentes para você, tudo bem? - Seus cílios falhos piscaram para mim por cima do ombro.
- Onde estamos? - Minha voz saiu rouca, quase um sussurro arranhado pela secura da minha garganta.
A água havia acabado horas atrás. Minha boca estava seca, minha garganta ardia e cada centímetro do meu corpo latejava, dormente, por tanto tempo sentada.
- Nordeste de Eldrida. Estamos na floresta entre as montanhas litorâneas de Corallia. A cidade mais próxima fica a alguns bons quilômetros daqui - respondeu o motorista, um senhor robusto com olhos atentos, que cheirava a sal e metal.
Percebi que ambos eram um casal pela forma como se tratavam, com uma ternura discreta. Mesmo quando pensaram que eu estava dormindo no banco de trás da caminhonete, ouvi as risadas e o tom cúmplice nas conversas baixas.
Eu conhecia Eldrida. Uma região pequena, em sua maioria habitada por humanos. Fazia anos que eu não passava por lá, mas lembrava que meu pai gostava de levar a família até aquelas praias.
Por um segundo, a memória do rosto dele tentou invadir meus pensamentos. Afastei.
Já estávamos naquele veículo havia horas, desde que saí da ilha onde fui encontrada, quando o sol ainda não tinha alcançado o meio do céu. Não entendia como aquele casal havia me achado, nem o que faziam em um lugar tão isolado.
Ninguém ia àquela ilha. Ninguém voltava de lá.
Eu mesma nunca tinha ouvido falar dela até ser jogada ali. E mesmo depois de todo esse tempo... não sabia exatamente onde ela ficava.
Foram cinco anos. Eu contei os invernos. Cinco longos invernos.
- Nunca ouvi falar de uma alcateia entre as montanhas daqui - comentei, tentando manter o tom de voz neutro.
Lembrei de quando admirava aquelas montanhas de longe, sentada nos ombros do meu pai. Ele sempre dizia que aquela floresta era perigosa demais para qualquer matilha se estabelecer.
- O caminho é difícil, poucos se arriscariam. Mas do jeito que as coisas estão... - A mulher parou a frase no meio, como se a resposta estivesse explícita.
"Do jeito que as coisas estão" Algo no jeito que ela falou fez um arrepio subir pela minha espinha.
Antes que eu perguntasse, o motorista interveio.
- Hoje os machos saíram para caçar. Teremos um banquete. Quem sabe carne de rena.
- Oh, sim! - sua companheira completou, animada. - Você deve estar com fome, não é?
O ronco alto e constrangedor do meu estômago respondeu por mim.
Os dois riram, um som aquecido demais para o gelo que eu sentia por dentro.
A fome me seguia como uma sombra desde o dia em que fui jogada naquela ilha esquecida. Peixes, raízes, insetos... O que encontrava, eu comia. Não era vida. Era apenas sobrevivência.
Durante grande parte do tempo, deixei minha loba assumir. Viver em forma animal foi a única maneira de aguentar. Mas, às vezes, voltava à forma humana... só para lembrar quem eu era. Só para que o ódio não me consumisse por completo.
As lembranças vinham como facas. A noite da traição. A areia molhada. O gosto de sangue na garganta.
Aiden.
Mesmo quando minha memória embaralhava rostos e detalhes, o nome dele continuava gravado como uma cicatriz.
- Quando chegarmos, o Alfa vai querer vê-la - cortou a idosa, puxando-me de volta à realidade.
Meu corpo congelou. Não pela palavra "Alfa", mas pela sensação que explodiu dentro de mim. Minha loba interior se retesou.
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