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A chuva batendo no telhado, copiosamente, desde que se lembrava, não tinha visto o sol, nem de relance o mês todo, já estava acabando novembro, teoricamente a primavera daria lugar a um verão ensolarado no Natal no Hemisfério Sul.
Desde pequena, sua cidade natal era famosa pelas longas temporadas de chuva, tinha ótimas lembranças de banhos de chuva no verão, também de ficar sentada na janela observando a chuva lavar tudo pelo caminho, não importava quantos dias já se passavam chovendo, sempre vinha uma tormenta mais forte e sempre havia o que carregar, nasceu em uma casa no alto de uma colina.
Depois de alguns anos, mudou-se de cidade e descobriu que a chuva não era rotina em outros lugares, sentiu falta da umidade, logo retornou e a chuva novamente fez parte de sua rotina, tão certo como viver numa nuvem, os dias de sol, por serem mais escassos, eram aproveitados de forma plena, era como se quando a chuva dava trégua tudo parecia mais sublime.
Naquele dia, contudo, já adulta, não reparava mais no tempo, sol ou chuva, eram parte da rotina, na verdade a chuva a tornava resmungona, sempre que podia, dava uma volta em alguma cidade para ver um pouco mais de sol, principalmente na casa dos pais que ficava no litoral. Levantou-se com o barulho com que acordou da água transbordando da calha e respingando em algum objeto no chão.
Aquele barulho a deixava inquieta, alguma coisa dentro dela ficava a flor da pele, algo estava errado, desceu as escadas e deu comida aos cachorros, tinha dois companheiros de guarda fiéis, sempre felizes independente do tempo, da hora ou do humor da dona.
Foi depois então ver o que estava fazendo barulho na sua janela, como temia, um balcão com seus vasos de flores foi derrubado. Imediatamente fez uma varredura, patas de lama em todos os lugares na garagem.
Ao que parece os dois monstrinhos caninos se mantiveram ocupados por toda a noite, o barulho que ouviu a noite não foi um trovão ao final, eram os monstrinhos derrubando o balcão, e o barulho que seguia a calha era água batendo nos vasos caídos.
Ótima maneira de começar um dia, mal passava das 7 da manhã, pegou um balde, vassoura e pano, ia se atrasar para o trabalho, mas não ia deixar que os dois monstrinhos fizessem mais bagunça e também precisava tentar salvar suas flores, juntando o pouco que sobrou de terra do chão.
Passava das oito e meia quando finalmente chegou ao escritório, seus colegas, na verdade sua equipe de trabalho nem comentaram seu atraso, ultimamente não conseguia chegar no horário, péssimo exemplo para gerente.
Ao que parecia chegar às oito da manhã era uma missão impossível, também não cobrava pontualidade de ninguém, tinha em mente que a produtividade vinha em primeiro lugar, quer chegar às dez da manhã e sair às cinco da tarde? Tudo bem, desde que no decorrer do dia se trabalhe com excelência e se produza acima dos colegas.
Todos admiravam e gostavam de sua maneira de gerir, também tinha aqueles que reclamavam, principalmente por que seguiam estritamente as regras, mas produziam pouco, não gostavam de serem cobrados, entrar na hora e sair na hora era tudo que eles achavam ser suficiente para a empresa.
Mesmo como gerente nunca tinha demitido ninguém, pelo menos não diretamente, buscava remanejar alguém que não se encaixava na equipe, trocando funcionário com outro setor, por isso sua equipe era cobrada constantemente e ela se via na obrigação de passar a situação real para todos, sem passar a mão na cabeça de ninguém.
Naquele dia, tudo parecia conspirar para dar errado, além de chegar atrasada, acabou esquecendo de ir para um reunião na parte da tarde, ficou tão atarefada a manhã toda que não foi almoçar, então no meio da tarde resolveu comer um lanche como ultimamente sempre fazia, um horário de almoço num intervalo curto.
Quando já estava sentada na cafeteria esperando seu pedido ficar pronto, recebe uma mensagem do chefe: “onde você está?”, respondeu depressa: “cafeteria, almoço”, recebeu em resposta: "esqueceu a reunião as 15:30?”, em seguida: “estamos esperando você".
“Que dia”, pensou, respondeu que retornaria imediatamente, pediu para a atendente embalar o pedido para viagem e saiu correndo pela rua com seu guarda chuva laranja, não era mais do que dois quarteirões, mas não queria dar mais mancada de fazer o chefe esperar ainda mais para iniciar a reunião.
Entrou na sala totalmente envergonhada, com as bochechas vermelhas pelo exercício, o pacote de sanduíche e o guarda chuva em uma das mãos o celular e o suco na outra, não tinha o costume de ir fazer lanche com bolsa, levava apenas seu cartão de crédito no bolso da calça.
Com toda a bagunça em casa pela manhã, não teve tempo de passar uma roupa social, estava com calça jeans e blusa, um colar de bijuteria e o cabelo amarrado em rabo de cavalo, mais simples impossível, como era jovem, não era difícil ser confundida com alguma estagiária de vez em quando o que era muito lisonjeiro e até melhorava seu dia.
Contudo, naquela tarde, gostaria de ter perdido mais do que 10 minutos se arrumando, a reunião estava no calendário mensal da empresa, mancada total ter esquecido, totalmente sem desculpas, mas desta vez, gerentes de todas as unidades daquela filial na região estavam presentes, inclusive gerentes de filiais superiores e também o tão temido Ceo da Empresa, Dr. Juliano Ruiz, estava presente.
Sua unidade apesar de pequena era estratégica, ótima com produção, dava suporte e cumpria determinações de outras unidades, como atividade complementar ajudava também a logística, recursos humanos, financeiro e manutenção da empresa.
Por esse motivo sua presença era essencial na reunião, deixar todo mundo esperando era totalmente constrangedor e se apresentar daquela forma, com seu quase almoço era ainda mais, ela ia deixar os monstrinhos de castigo, mas lembrou-se que ultimamente andava distraída e atrasada, portanto se não fosse a bagunça deles, teria outro motivo para estar atrasada.
O gerente da unidade a apresentou a todos formalmente, já conhecia a maioria por telefone, email ou até mesmo pessoalmente em visitas às outras unidades, ela era muito conhecida e todos reconheciam seu excelente trabalho, pelo menos isso a deixou mais confortável, contudo não havia apenas figurinhas repetidas, na sala havia uma turma de três figurões, destoavam dos demais pelos trajes impecáveis, alta diretoria da matriz.
“Ok, o importante era não cometer outra gafe”, pensou, então seu gerente passou ao Juliano, que começou mostrando alguns relatórios, todos receberam cópias, depois começou a falar uma palavra que deixou todos atônitos: cortes de pessoal.
Seu estômago se revolveu, a fome estava criando um buraco negro no seu estômago, consumindo tudo que tinha, inclusive a barra de cereal que tinha consumido antes do meio dia, aquela palavra conseguiu fazer o pouco que havia lá dentro e a deixar enjoada. Prestou muita atenção nos números e em toda a explanação, então o gerente da unidade voltou a falar, agora dando as diretrizes, que partes de cada filial haveria redução.
Já havia se adiantado lendo o relatório de forma dinâmica, pulando todo texto explicativo e indo direto aos números esperados, algumas unidades seriam fundidas e seus funcionários temporariamente remanejados.
Um plano de demissão voluntária e também um processo seletivo de remoção interna seria aberto. Depois do prazo iniciariam as demissões e os fechamentos, ela já esperava a longo prazo um encolhimento nas operações físicas, até porque com a internet sendo cada vez mais presente, os clientes demandavam que as operações passassem à era virtual.
Ela estava até certo ponto se preparando para isso, buscava constantemente modernizar seus processos de trabalho para tornar tudo mais integrado e rápido de executar, mas foi pega de surpresa quando leu no relatório que sua equipe de dez pessoas ficaria reduzida em cinco num intervalo de noventa dias, sendo que na verdade duas pessoas iriam vir de duas outras filiais, então das cinco apenas três seriam da atual equipe.
Sim, havia pessoas não tão produtivas, mas mandá-las para casa parecia um crime que ela não queria cometer, muito menos quando o relatório todo parecia invenção de um diretor que em 10 anos era a primeira vez que pisava naquela unidade.
Havia dados insólitos, projeções de demanda e a produtividade geral estavam fora da realidade. Infelizmente, por não estar preparada para a reunião não havia trazido seu notebook, tinha um relatório preparado para a reunião mensal, acabou esquecendo que era naquele dia, mas o relatório estava pronto, também possuía projeções mensais e anuais, de pelos menos os últimos cinco anos para corroborar seus dados.
Ao final o gerente da unidade abriu para os presentes darem seus pareceres, muitos dos chefes de unidades estavam acovardados, temendo por seus cargos, outros apenas digerindo tudo que havia sido dito.
Ela pediu a palavra e falou o que acreditava, não se importando com seu cargo, criticou a redução drástica imediata, concordou que a longo prazo havia uma tendência de redução, mas essa redução imediata traria apenas prejuízos à empresa, muitos processos hoje envolvidos seriam prejudicados, a produtividade, o descontentamento, a total falta de tranquilidade ia gerar uma instabilidade geral.
Percebeu Dr. Juliano dar uma risada irônica com suas palavras, ao final, impulsiva que era, explicou que se a empresa seguisse naquela direção não via outra saída que não fosse se voluntariar à demissão, pois não consideraria correto demitir a maior parte da sua equipe e ficar apenas para juntar as peças.
Recebeu uma resposta imediata: "se essa é a visão da senhorita, considere o pedido de demissão aceito", ele olhou aos demais e reforçou o mesmo a eles, se não se sentissem confortáveis com a nova diretiva da empresa, poderiam também deixar o quadro.
Como um total deboche ainda agradeceu a iniciativa dela de pedir demissão e que era de fato um exemplo a ser seguido, já que seus interesses não estavam alinhados com a direção, era coerente que ela buscasse uma empresa que atendesse seus objetivos.
Ela saiu imediatamente da sala, sem cerimônia, afinal, estava demitida, apenas para cumprir trinta dias contratuais de aviso prévio. Voltou à sua sala vermelha da cabeça aos pés, saiu tão atordoada da sala de conferência que esqueceu seu almoço lá mesmo.
Os colegas perguntaram o que havia ocorrido, ela não teve coragem de naquele momento expor, também já não cabia a ela contar a grande notícia, a maior parte deles em breve compartilharia de sua raiva e frustração, mas resolveu que não seria ela que faria isso com eles.
Deu uma desculpa qualquer, informou que terminaria seu expediente mais cedo, devido a não estar se sentido bem. Pegou seu guarda-chuva e foi até o carro, sentou-se e chorou por uns 30 minutos, o para-brisa estava borrado pela chuva e suas lágrimas.
Começou na empresa ainda na faculdade como estagiária, aos poucos foi ganhando terreno, efetivou-se, primeiro emprego, formou-se, nunca tinha trabalhado em outro lugar, era a melhor no que fazia na empresa, todos a conheciam pelo seu trabalho excelente e pela sua rapidez na execução.
Nunca tinha sequer buscado outro emprego, nem sabia por onde começar naquela altura da vida. O que faria se não encontrasse outro emprego? Isso era apenas sua angústia, que logo seria um coro de duzentos funcionários demitidos em noventa dias.
Buscava não se exasperar, ao menos não tinha uma família para sustentar, era sozinha, e se precisasse de verdade podia contar com ajuda dos pais.
Mas o choro ficou ainda mais forte quando pensou nas pessoas que não teriam a mesma facilidade, as famílias que dependiam daquela empresa, pensou no quão fácil era para aquele homem vir de tão longe, imprimir um relatório insólito e apresentar uma solução para todos os problemas da empresa, aquele homem era um monstro com seu sorriso debochado.
A raiva substituiu o desespero, aos poucos as lágrimas eram de ódio daquele ser maligno. Até que seu coração se abrandou, começou a bolar um plano em sua cabeça, enxugou suas lágrimas e deu a partida no seu SUV automático, que recém tinha comprado e estava pagando um financiamento caro.
Mais lágrimas chegaram aos olhos quando pensou que talvez tivesse que se desfazer de seu carro, antes de pedir dinheiro aos pais, ia vender o carro, se necessário, ela amava seu carro, adorava dirigir, principalmente aquele SUV se sentia uma madame, não que fosse fútil, mas gostava de se mimar as vezes.
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