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Capítulo

Sophia nunca sobe o motivo da sua existencia e porque de todo o seu sofrimento. Com o passar dos anos, apenas se convenceu de que precisava continuar viva. Mas muitas coisas aconteceram de ruim ao decorrer da sua vida o que só a deu determinação para seguir em frente. Será que em algum momento seu sofrimento terá fim? Ela saberá enfim, o motivo da sua existência?

Capítulo 1 Eu preciso continuar, Jardim

Desde antes de eu nascer, dava para ver que eu não queria nascer. Eu

tardei o máximo que deu. E passadas duas semanas da data marcada para

o meu nascimento, fui forçada a sair do útero, aonde não queria nem

sequer ter chegado.

Quase morta, vim ao mundo. Nem sequer respirava. Por que não

me deixaram morrer? Levaram-me para longe da minha mãe que, em

poucos instantes, chamou meu nome. Desde então tenho um nome,

porque passei a ser chamada assim. Desde então, estou viva, mas não

vivo.

Por meus pais, tento permanecer viva. Mesmo não querendo.

Então, tento me esforçar ao máximo para gostar da vida. Mas quem

consegue fazer isso plena segunda-feira de manhã? Definitivamente

impossível. Não, eu não estou brincando. Estou no ensino médio. Tenho

três provas agora de manhã, dois trabalhos para apresentar, sem contar

as outras coisas que tenho para fazer que são inadiáveis! Aí você pode até

pensar que eu tenho os mesmos problemas de todos os adolescentes da

minha idade. Mas também, como posso julgá-los quando contei apenas a

melhor parte?!

Mas no momento, não tenho tempo para ficar reclamando. São

quase sete da manhã! Nem vai dar tempo de tomar café da manhã, de

novo.

-Filha, você vai chegar atrasada a escola de novo! Yuri desce já daí!- berrou minha mãe ao meu irmão, depois de me apressar.

-Tô indo mãe!

Sem muita cerimônia, chequei mais uma vez o calendário e

peguei os livros, que eram grandes e pesados, de tal forma que ao colocar a

mochila nas costas desequilibrei-me quase caindo para trás. Logo que me

recompus- ia já descendo as escadas – lembrei-me dos meus resumos e

flash cards que havia deixado na escrivaninha. Não poderia esquecer deles,

não com três provas. Ainda bem que lembrei a tempo.

- Meniiiina! Ah meu Deus, não é pra hoje mais não! Desse jeito você

chega a tempo da turma da tarde começar!

- Já estou indo! E, aliás, não tem turma da tarde. Esqueceu de que eu

mesma tenho aulas até de noite às vezes.

- Isso não vem ao caso. Se continuar nesse ritmo, vai acabar sendo

expulsa! Quanta falta já teve só no último mês?

- Oito, acho...

- Como assim "acho"? Não sabe que a tolerância máxima de faltas à

escola é de dez ao ano?

Em meio aquele caos rotineiro, meu pai não parecia se

incomodar com a situação, permanecia imerso em seus próprios

pensamentos, o que era de se esperar. Bem sereno, continuou ali

beliscando a comida e degustando pacientemente seu café, enquanto nos

encarava com um olhar de cansaço e desistência. Talvez eu devesse fazer

o mesmo que ele. Para que tentar quando o fracasso é iminente?

Apenas agarrei minha xícara de café e a virei com desgosto,

engolindo o mais rápido que pude. Enrolei num guardanapo meu misto

quente e apanhei uma maçã na cesta de frutas, sem escolher muito, por

sorte estava suculenta.

- Tchau pai! – dissemos eu e Yuri.

- Tenham um bom dia – disse ele finalmente.

Puxei a porta já com certo desânimo, terminei de comer a maçã

enquanto minha mãe ligava o carro. Olhando pelo retrovisor pude ver o

tédio do meu irmão que já sabia que passaria horas na escola. Nem ele

que mal sabia ler e escrever, estava animado para a escola.

- É melhor comer antes que esfrie –lembrou minha mãe- tente não se

atrasar da próxima vez.

-Hummm... – apenas assenti com a cabeça enquanto mordia meu misto

quente.

O restante do caminho foi envolto por um silêncio absoluto. Nem

sequer o meu irmão saltitava no fundo do carro. Assim que descemos,

veio uma chuva repentina, não estávamos preparados. A sala do

Yuri, pelo menos, era a primeira. Eu teria de me molhar até chegar à

minha. Nem me importava mais. Não corri. Andei calmamente

observando o fluxo ao meu redor e a agitação dos que estavam sem

guarda-chuva. Eles sempre tinham alguém com quem dividir o guarda-

chuva. Mas eu estava ali, sozinha, molhada na chuva. Uma chuva fina e

densa. Daquelas que duram horas. Mas eu já estava acostumada.

Situações do tipo eram recorrentes no meu dia a dia.

O sinal bateu. Se eu demorar mais cinco minutos, não vou poder

fazer a prova. Pelo menos não a primeira. Comecei a correr. Corri como

nunca antes. Com se houvesse algo pelo que lutar. Quando pus meus pés

enfrente à porta, o fiscal fechou.

- Ei! – gritei- eu estou aqui, sei que me viu. Qual é?! Não pode deixar

passar nenhum segundo?

- Sinto muito senhorita. Mas chegou atrasada. Aprenda a ter compromisso

e não erre daqui por diante. Mas hoje não fará esta prova.

Bufei chateada. Nada que não acontecesse com frequência e

pudesse ser relevado. Pelo menos teria mais tempo para me preparar

para a prova seguinte. Foi o que eu pensei. Até que Elisa derramou de

propósito seu suco em cima das minhas anotações tão bem estruturadas.

Minhas únicas fontes de revisão. Pronto. Agora o dia terminou de

melhorar!

Tinha que ser ela.

- Ops! Foi mal- disse ela fazendo biquinho com um ar sarcástico- mal vi

você aí no chão! Desculpa se te confundi com a lixeira.

Ela jogou o copo em mim? Ah, ela não fez isso!

- Escuta aqui garota, ei! Você mesma. – disse eu apontando para uma

menina qualquer.

Sem muitos avisos, peguei o café que ela segurava e derramei

todinho eM cima do cabelo recém-escovado de Elisa. Chamas pareciam

saltar dos seus olhos. Mas provavelmente não estava com muita paciência

àquele dia também, porque não fez mais nada a não ser ir embora, depois

disso.

Fui com passos fortes em direção ao pátio. Talvez ali eu pudesse

pelo menos tentar salvar algo da minha pilha de anotações encharcada.

Os bancos estavam vazios, então peguei os flash cards e fui removendo

folha a folha com as pontas dos dedos. Esperei uns vinte minutos e já

estavam secas e pude retomar a revisão. Tá. Talvez eu tivesse exagerado

um pouco quando ela fez aquilo, mas hoje o dia já começou com o pé

esquerdo. Como todos os dias. É por isso que nós duas sempre brigamos,

ou melhor, nós duas temos dias ruins sempre, mas ela para sair do tédio

resolve me provocar. E consegue.

A hora seguinte passou sem muitos eventos e logo os outros

alunos acabaram a primeira prova e eu pude entrar para fazer a segunda.

Não tinha lugares para escolher, obviamente, então eu sentei na

última cadeira do canto ao lado de um garoto pelo qual metade da escola

era apaixonada. Sinceramente, não entendo o motivo. Ele é bem comum:

cachos e olhos castanhos, alto e magro com um sorriso bonito. Ele se

resume a isso. Como boa parte dos garotos, aliás. Apesar da fama com as

garotas, não tem muito sucesso na amizade. Ele só tem que eu saiba dois

amigos. Eu e o Marcos. Estudamos juntos desde o primeiro ano do

fundamental e planejamos trabalhar juntos no ano que vem.

Pois é, terceiro ano! A pressão é enorme. Ainda mais porque

estamos nos últimos dois meses e depois teremos concluído a escola. Era

para estarmos felizes? Porque, assim, eu não estou. Não sei ainda o que

vou fazer da vida, qual vai ser minha profissão... isso tudo me assusta e

Igor e Marcos também estão preocupados, apesar de discordarem para

não aumentar meu pânico. Eles acham que se meus melhores amigos

também não estiverem bem com a situação, eu não vou ter em quem me

apoiar. O que não vai acontecer. Porque eu sei do desespero deles e já

não me apoio neles. Eles não têm que ser fortes para me servirem de

exemplo.

Enquanto esses pensamentos invadiam minha mente, o fiscal

chegou:

-Alunos, ajeitem-se. A avaliação terá início em 30 segundos.

Houve burburinhos na sala. Adolescentes, quase adultos,

tentavam conter a ansiedade e revisar inacreditavelmente rápido o

assunto da prova. Como se divinamente os assuntos que eles não

estudaram fossem entrar nas mentes deles.

Foram as 2 horas mais agitadas do dia. Metade das questões eu

sabia e metade eu chutei, mas com técnica. Devo ter acertado algumas.

Mal pude comemorar uma possível vitória:

-Sophia Castro Magalhães é dessa sala?

-Sou eu.

-Pois bem, me acompanhe até a sala da diretora.

Virei-me para colocar o caderno sobre a mesa e notei que Igor

me lançava um olhar acusador, como se me perguntasse "O que você fez

dessa vez?". Mas nem eu sabia a resposta. Então, segui de queixo

erguido pelo corredor que dava à sala do diretor:

-Entre, por favor. Ele a aguarda. -disse a funcionária que me acompanhou.

-Com licença?

- Sente-se.

-Por qual motivo o senhor me chamou?

-Ah! Pois não sabe? – ironizou.

-Não. – respondi secamente.

-Permita-me lhe refrescar a memória: mais cedo, uma de minhas alunas

do terceiro ano me veio reclamar de uma conduta inadequada – disse o

diretor, encarando-me profundamente nos olhos – de uma colega que

derramou seu copo de café em outra aluna...

-Mas – o interrompi – quem falou isso?

-Sara, da turma A.

Então, me deixa ver se eu entendi... Elisa, que sempre implica

comigo, não reagiu. Mas a garota do café veio reclamar? Mas por quê?

-Eu não entendo. Não foi nela que eu joguei o café. E ela também não vai

com a cara de Elisa!

-Ela disse que ficou brava por você ter desperdiçado o café dela em Elisa,

então eu imaginei que Sara também não gosta dela. Mas a questão é que

você não deveria ter jogado nada nela, para início de conversa! –disse,

alterando um pouco a voz.

-Para início de conversa, eu estava sentada estudando quando ELA jogou

o resto do seu suco em minhas anotações! Levei horas para escrever tudo

aquilo e agora nem poderia estudar! Não bastasse estar encharcada da

chuva, precisava aturar as pirraças dela em plena segunda-feira de

manhã? – àquela altura minhas veias já saltavam à testa e minhas pupilas

se dilatavam.

-Não justifica suas ações. Está de suspenção pelo resto do dia. Acho que é

o suficiente. Não só por ter pegado o café de uma colega e jogado na

outra, mas também, pelo nono atraso do ano. Mais um e será expulsa.

Agora pegue suas coisas e vá já para casa.

Como não havia o que fazer, apenas abaixei minha cabeça e fui em

direção a sala. A passos largos e fortes, segui, preocupada com a última

prova do dia e os trabalhos no turno da tarde... mas agora já não importa.

Não vou gastar a minha paciência nisso.

Ao adentrar a sala os olhares curiosos e desdenhosos me cercavam, mas

dentre eles, dois me chamaram atenção:

-Professor, com licença, podemos sair um minuto? Precisamos falar uma

coisa com a Sophia.

- Claro, desde que voltem ainda hoje. A maioria de vocês diz "só um

minuto" - ironizou- e passa o resto da manhã filando as aulas.

Eles já tinham arrumado a minha mochila. Já estavam

acostumados ao caos rotineiro. Marcos então me entregou minha

mochila e meu casaco e seguimos os três para o corredor:

-Deixa eu adivinhar... tem a ver com Elisa? - Igor falava com um ar

monótono.

Apenas assenti com a cabeça.

-Quantas vezes a gente não já lhe disse para não procurar briga com ela?!

Sabemos que não é você que provoca. Mas, não tá cansada de pagar o

pato?- dava para sentir a preocupação nos olhos de Marcos ao dizer isso-

Cada dia mais temos que suportar dias inteiros nessa escola sem você, e

eu não sei se tá lembrada, mas não temos muitos amigos. Principalmente

alguns de nós...- disse mirando o olhar em Igor que revirava os olhos-

-Eu sei meninos, mas a sorte não anda do meu lado. Nunca andou, e

vocês sabem disso. - suspirei desanimada - mas, eu vou tentar não ligar

para as provocações dela. Mas por incrível que pareça não foi ela que me

dedurou ao diretor...

-Como assim? Foi alguma das amigas dela então?

-Não Marcos. Para vocês entenderem eu teria que contar a história... mas,

ok. Vou dar uma resumida: O dia já começou mal, como quase sempre... e

eu cheguei atrasada, de novo. Estava chovendo muito. Não pude fazer a

primeira prova, então resolvi revisar para a segunda. Elisa molhou minhas

anotações então peguei o café de uma garota que estava passando e

joguei na cabeça dela. Então, a garota se irritou. Aparentemente, por eu

ter "desperdiçado" o café dela em Elisa, e então, me dedurou.

-Humm- Igor parecia assimilar e organizar as ideias- Elisa não fez nada ?

Será que ela está doente? Tipo, ela te odeia, mas não reagiu e a garota do

café, sim?

-Pois é, né?! Foi exatamente o que eu pensei. Sarah também não gosta de

Elisa.

-Calma aí... Sarah, a Sarah? Ah, mas você não fez isso?!

-Não vejo nada de mais. Não joguei o café nela! Mas da próxima vez, se

estiver por perto, me lembra pra jogar um litro, e bem quente na cara

dela também.

-Sophia, ela é a garota mais bonita do terceiro ano!

-E o que tem de mais?

-Eu queria ficar com ela desde o primeiro ano, mas nunca tive coragem de

dizer que eu gosto dela... e aposto que Marcos também gosta dela!

-Não diria que GOSTO exatamente... só acho ela bonita. Mas só pelo fato

de ela não gostar de Elisa já imagino que seja uma boa pessoa. Ou pelo

menos usa o bom senso.

-Mas eu também não gosto da Elisa.

-Não precisamos dizer que você é incrível, você já sabe!- disse Igor,

sorrindo.

-Sei, aposto que não pensariam duas vezes se tivessem que escolher entre

mim e ela.

-Nada disso. Amizade em primeiro lugar.

-Aham, acredito... Enfim, como levei a suspensão, tenho que ir embora.

Vejo vocês amanhã. Ah, vocês conseguem se virar nas apresentações?

-Não se preocupe, a gente dá conta. - disseram em uníssono.

Dei um abraço neles e segui, rumo a minha casa. Como eu vou

explicar para minha mãe a terceira suspensão do semestre?! Ela se

importa muito com números. Para ela, cada uma das coisas, até mesmo

as mais simples devem ser contadas e controladas. Todo o tempo é

cronometrado. Isso faz eu me sentir presa, como se a vida fosse um

grande relógio e os fatos em si, não importassem. Apenas o tempo.

Mas, a situação me deixou com raiva. Eu fui a vítima aqui. Então

porque EU estou sendo punida e não ELA? Porque tudo tem que dar

errado na minha vida? E eu nem posso reclamar em voz alta, não quero

encher meus pais com as minhas reclamações idiotas. Eu deveria ter

morrido após o meu nascimento, mas por algum motivo, eu não morri.

Precisei então, encontrar o motivo para viver. E se tem um motivo pelo

qual eu tenho que viver, é a minha família. Mesmo que eu queira morrer,

ou não aguente mais, eu TENHO que aguentar. Eu PRECISO continuar

firme para que eles não tenham problemas. Já os trouxe problemas

suficientes por ter nascido. Esse é o peso que EU tenho que carregar.

Mas porque EU? Dentre todas as pessoas do mundo, porque tinha

que ser EU? Envolta pela raiva, chutei algo que tinha em minha frente.

Mas, o que é esse líquido dourado e viscoso que está vazando? E que

zumbido é esse? Ah, não! Só me faltava essa! AAAAAAAAAAAAAA! Eu

chutei uma colmeia! Droga! Mais isso! Esse dia precisava piorar?

Corri, corri tão rápido quanto nunca antes havia corrido. Ah,

finalmente, um lago. Tirei a mochila das costas e pulei. Num instante as

abelhas me deixaram. Mais uma vez encharcada! Sério, vou começar a

sair logo de roupa de banho!

Já a poucos metros da minha casa, recebi uma ligação:

-Alô, mãe?

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