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O Defunto Morreu

O Defunto Morreu

TONY SALES

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Capítulo

É uma narrativa muito interessante: um homem morre subitamente entalado. De uma forma sobrenatural, assiste o seu próprio velório. Durante algumas horas de velório, muitas revelações são feitas, e o que ele pensava de ter uma vida sobre seu domínio, se torna uma grande confusão. Sua esposa depois que fica sabendo de algumas coisas que ele tinha feito, supostamente pela ira, tenta mata-lo outra vez. A morte lhe revela muitas surpresas.

Capítulo 1 A MORTE É UMA SURPRESA

Por causa da minha vida sem tempo, era muito raro eu estar reunido com minha família. Em um desses dias raros, resolvi jantar com minha esposa e com meus filhos. Madalena, minha esposa, mulher prendada em todos os sentidos, preparou um jantar especial, sabendo que eu estaria com eles. Fez a minha comida predileta, preparou uma peixada, o meu filho caçula era uns dos mais animados com a presença do pai que era sempre ausente sem percepção.

Mas o inesperado aconteceu, estava eu saboreando a peixada, quando me entalei com uma espinha de peixe, foi muita tosse, falta de ar, bateram nas minhas costas com a mão aberta, me fizeram comer farinha, mas nada da espinha descer ou sair, mas a situação piorou, tudo isso culminou. Não sei dizer se foi um enfarto ou sufocamento, não consigo acreditar, mas nesse exato momento estou assistindo meu próprio velório, as minhas crianças, não sei dizer se estavam penalizadas por meu passar, ou simplesmente comovidas pelos acontecimentos, por estar vendo o sofrimento de Madalena.

Madalena, mãe dos meus seis garotos e das minhas moças, que eram duas, a mais velha tinha apenas dezessete anos, a mais nova tinha quinze anos.

Minha amada esposa, seu estado de desconsolação era lastimável, fiquei extremamente comovido por tanto sofrimento, eu mesmo não sabia que ela me devotava tanto amor, para mim foi surpreendente.

Eu aqui, impassível e inconsolado, por não consegui consolar a minha querida esposa e os meus filhos. Estou profundamente abatido e sem entendimento. — Como pode, eu estar assistindo meu próprio velório? Nunca acreditei em vida após a morte!

Em meu psicológico, se ainda existe, tenho plena certeza que tudo que está acontecendo não deve fazer parte da realidade, e tudo isso é um sonho e acordarei daqui mais uns minutos, mas mesmo nesse sonho, o desistir não deve me influenciar de nenhuma forma.

O mais engraçado é que eu consegui persistir, talvez fosse uma luta irrelevante, cheguei junto do próprio corpo, sensação estranha, me ver dentro de um caixão esperando apenas o momento de colocar a tampa e seguir rumo ao cemitério, fiquei alguns instantes me olhando, e tomei a iniciativa de tentar levantar meu corpo, uma tentativa em vão, não conseguia tocá-lo, pelo menos tentei transformar aquela minha cara sisuda, pegando em minha própria face lutando para deixar uma face com um pouco de contentamento, mas, outra tentativa em vão.

Cheguei à conclusão que meu corpo não se conformou com a morte, e por isso a face sisuda e sem aceitação da morte, eu me pergunto: — Pode alguém se conformar com a morte? — Na verdade, acho que nem aqueles que tiram a própria vida se conformam com a morte.

Mas, eu não me entregarei, jamais aceitarei a morte, a minha morte de uma forma tão banal, eu era muito novo, com uma vida inteira pela frente, não deixaria de existir facilmente, não me entregarei!

Nunca em minha vida fui moribundo ou convalesci na cama de um hospital, nem ao menos uma dor de cabeça eu sentia, jamais fui um paciente com alguma enfermidade nas mãos de algum médico, uma coisa que nunca entendia muito bem: Um doente sendo chamado de paciente! Para mim isso mais parecia uma ironia do destino ou dos homens, porque pelo o que presenciei em minha vida, foram doentes geralmente impacientes.

Sempre fui um homem batalhador, consegui me estabilizar financeiramente muito bem, dono de várias posses e uma conta bancária ótima, jamais deixei faltar o sustento da minha família, meu lema de vida era: desistir jamais por fadiga ou cansaço, tudo pode ser superado nessa vida, até mesmo as derrotas servem de base para o recomeço, quando não há mais esperança, é porque a morte fez parte.

Irônico é que a minha pessoa, talvez inexistente agora, está começando a acreditar que isso não é um sonho, se for verdade a esperança já era, mas ainda vou persistir, perseverar, mesmo que a esperança esteja por um triz. Esperança é trilhar as sendas da sua própria história sem o medo de ser atropelado pelos sintomas da vida que às vezes são assintomáticos fazendo o destino duvidar.

Parei um instante para olhar aquele corpo no caixão, apesar da face sisuda, existia uma perfeição naquele rosto sem nenhuma mancha ou mácula, eu me imaginei um ator de filmes de faroeste, face rude, pose de galã. A maquiagem geralmente esconde os defeitos, transformando todos os traços de inconformidade.

Voltando ao assunto, dentre as pessoas que estavam ali, existia uma pessoa em especial, meu melhor amigo, além de sócio nos negócios, mas a minha cara de espanto era muita, ele se aproveitando de um momento frágil da minha digníssima esposa, enquanto a consolava, umas das suas mãos bobas estavam de uma forma disfarçada sobre as coxas da minha Madalena, eu fiquei irado, meu melhor amigo se aproveitando de um momento de infortúnio, eu imediatamente saí do meu lugar de observação, desci até eles, tentei lhe dar um soco naquela cara safada que já conhecia há muito tempo, mas as minhas mãos passavam por ele como se fosse vento, minha cólera era muito grande, que cheguei a pensar no céu, não por causa da pretensão e alegria de provavelmente fazer parte do paraíso, mas por sentir raiva que não teria direito a estar desfrutando de um céu. Minha suma vontade era estrangular aquele cara de pau, mata-lo.

Fiquei horrorizado com o meu próprio cachorro, precisamente indignado, um ser que eu mesmo o alimentava, para falar a verdade, ele era o único ser naquela casa que eu dava atenção, mas naquele momento humilhante, ele estava sendo ingrato, vendo Raul, meu melhor amigo passando as mãos nas pernas de Madalena, eu gritava em vão: — Morde a mão dele, Tupã! — Madalena, tão inocente que não percebia a intenção daquele pilantra, e para completar a minha cólera, o miserável cão infiel estava lambendo as mãos do Raul, agora eu vejo que só temos valor na vida enquanto estamos vivos, mesmo que esse valor seja irrisório, mas, o mais importante é estar vivo para se fazer notado.

O pior de tudo isso era que o miserável cão infiel parecia estar me vendo, bem que eu ouvia as pessoas dizerem enquanto eu estava vivo, que os cães conseguem ver os mortos, e ele estava me vendo, não cessava o latir, me olhando fixamente com muita ferocidade, eu fui salvo por um estranho ponderado que pegou a guia e o prendeu, retirou ele do recinto, infiel cão, sempre o alimentava com bananas, algo que ele gostava muito.

Mas a decepção era maior com o outro amigo infiel, meu corpo ainda estava quente, ele já pretendia esquentar o corpo da minha Madalena, por um momento ele se vigiou e viu que alguns ali no velório já percebem as suas pretensões com relação a Madalena, e retirou a mão da perna dela, mas eu fiquei boquiaberto ao perceber que Madalena não havia gostado da desistência dele no uso das mãos , ela parecia estar gostando daquelas mãos bobas, que para mim, eram idiotas, eu conhecia perfeitamente essa mulher e sabia do que ela gostava, não foi à toa que tivemos oito filhos, meu corpo rígido, morto, ainda não se decomponha, ela já estava maquinando travessuras com Raul, em sua mente, que eu com toda certeza sabia ser muito fértil para fazer mil e umas travessuras, estranhas peripécias!

Se os mortos sentem agonia, agora eu sentia uma angústia tão grande misturada com decepção, eu estava vendo tanto sofrimento na face de Madalena minutos atrás, mas agora vejo outra coisa, imaginei que ela guardaria um luto de pelo menos um ano, mas vi sua mente aflorando numa puberdade adolescente, desabrochando como flores ao amanhecer.

Pensei, raciocinei, imaginei o futuro sem a minha presença naquela casa, mas percebi que não era percebido, talvez antes da minha própria fatalidade, algo já estivesse acontecendo entre Raul e Madalena, desconfianças de um homem morto, supostamente traído.

Depois do súbito sucumbir da minha existência, a minha audição ficou poderosa, pois geralmente eu me fingia de surdo enquanto eu vivia, eu só conseguia ouvir o que me era conveniente, o mais impressionante era que eu não aceitava críticas, mas me encontrava fazendo críticas a mim mesmo.

Comecei a ouvir sussurros casuais aos meus conhecimentos de andante pela vida, eram sussurros prazerosos, eu duvidei por uns instantes, mesmo em meios aos sussurros consegui reconhecer em fração de segundo a voz da minha filha de dezessete anos, resolvi investigar, ainda não conhecia a lei que regia os que já morreram, nem ao menos se me era permitido ver cenas como essas, mas como se tratava da minha filhinha mais velha, eu não pensei duas vezes, fui observar, a minha vergonha foi extrema. Jamais imaginei presenciar uma situação assim, ainda bem que eu me encontrava supostamente morto, pois eu ainda acreditava que tudo isso era um sonho.

A decepção tomou conta do meu ser, já não sabia o que era a minha pessoa, talvez fosse eu espectro de uma sombra. Morte paupérrima!

Quase chorei, não conseguia acreditar no que eu estava vendo, o mais interessante era que eu sentia as lágrimas inconscientes, elas não eram comtempladas por mim, e nem se manifestavam, triste sina de um morto, não era permitido lacrimejar, eu me perguntei: —Eu agora estava isento de emoções?

A minha filha, a garotinha que mimei, estava igual uma onça, tenho até vergonha de mencionar o que ela estava fazendo, mas acho que foi a melhor maneira que ela achou para ser consolada diante do meu óbito, ainda me espantei mais quando vi quem era o ser que proporcionava tantos sussurros e reações que não ouso mencionar, sempre pensei que ele era apenas o melhor amigo dela, mas agora estava vendo que era algo a mais. Eu era cego ou ausente? Não tenho coragem para responder, mas talvez fosse um covarde fugindo das responsabilidades afetivas com meus filhos.

Fiquei pensando no quanto eu mesmo me iludia, achando que era tudo perfeito, eu achava que aquela criaturinha meiga quando criança, ainda era um ser puro, e agora eu descobri uma fera, mas eu ponderei, talvez ali fosse um momento de desabafo sem palavras, uma forma de tirar as frustrações, pensei no quanto ela me amava, mas também achava que ela estava se lamentando de uma forma errada, mas talvez, mais uma vez estivesse me iludindo, que aquilo tudo fosse um mero momento de satisfação pessoal.

Cheguei à conclusão de que realmente não me era permitido ver tais cenas, que me fizeram corar de vergonha, se realmente me era possível ter tais reações.

Senti a necessidade de saber como estava minha outra filha. Não havia percebido a presença dela na sala onde estava acontecendo o velório, eu implorei na consciência inconsciente para que não esbarrasse em mais nenhuma decepção, eu tinha oito filhos com Madalena, seis garotos, e duas garotas lindas, não foi decepção, mas senti apatia diante da minha morte por parte da minha garota de quinze anos, parecia que não estava nem aí para o que estava acontecendo lá na sala, insensivelmente estava usando as mídias sociais para bater papos com suas amiguinhas e amiguinhos, em nenhum momento eu escutei ela dizer: — Meu pai faleceu! — Cheguei a pensar que ela não falava de mim, porque realmente eu não tinha morrido e era apenas um sonho.

Miserável ser humano que fui, e se algum dia fui humano, pois estou vendo que somente causava estranheza afetiva, sinto agora como um tapa na cara, que falta nenhuma farei, na morte eu sentia o gosto amargo do desprezo. Despida e crua realidade de saber que eu não era amado em vida e nem em morte!

O que se manifestava em mim agora na morte, nunca tive tempo para apreciar em vida, estava apreendendo estranhamente uma lição dolorosa. Sempre fui esforçado e quem pensa que não precisa de esforço para sobreviver na vida, vive de ilusões.

Incertezas me eram colocadas diante da minha suposta morte, eu estava extremamente ofendido com minha própria morte, cruel, sem aviso prévio, supostamente arrogante, chega assim, sem diálogo de rompante, rouba a existência dando gargalhadas de escarnio.

Era tão fácil sentir ódio em vida, mas sempre foi o amor que dava sentido a ela, nos perdemos nas migalhas da incompreensão e arrumamos tempo para odiar, posso agora fazer comparações entre as duas existências, a morte e a vida, às vezes não percebo diferenças, as duas são cruéis, só que uma delas usa mais sutilezas do que a outra, resta saber qual delas!?

Tantas vezes eu me calei diante das ofensas por pura comodidade e não por sabedoria, mas agora nesse exato momento a sabedoria grita a mim para ser usada, e eu duvidava se ela era a própria ofensa, agora eu já não sabia diferenciar se o silenciar era sabedoria ou covardia.

Os camaradas botões, que eu conversava as minhas inquietações, não tinham reposta em vidas, imaginem em morte! Eles eram ouvintes que não opinavam, conselheiros silenciosos esses meus botões, já não sabia se vagava por aquele pequeno espaço solitário, não sabia também se aquele espaço seria vasto ou limitado, não sentia mais a firmeza do chão, somente a oscilação do espaço ócio, meu ser se tornara intocável, minha pele era aquela que estava dentro do caixão, tudo estava se desfazendo, e eu passei a vida toda construindo, até que enfim um momento de alegria me surgiram aos olhos, minha lucidez apareceu por meros minutos, uma alegria instantânea senti, aquela voz que eu reconheci imediatamente ainda sem titubear, o meu filhinho mais novo dizendo: — Meu pai morreu?

Mas onde estavam os outros cincos?

Fiquei sensivelmente penalizado pelo meu garotinho que às vezes até errava o nome, para ninguém perceber só chamava ele de caçulinha, me deparo com a incerteza de qual seria o nome dele mesmo?

O sofrimento dele era por ter perdido o pai que não teve tempo de ser pai, e o meu sofrimento, era por não saber se eu realmente tinha cumprido o meu papel de pai um dia,

Me faço mais uma pergunta que eu mesmo não tenho habilidade para responder: — O que é ser um pai de verdade?

Enquanto meu caçulinha estava ali a choramingar aquele corpo no caixão, procurando entender o que era realmente a morte, acho que ele pensava que eu só estava dormindo e logo levantaria dali, mas resolvi então dar uma volta para saber onde estavam os outros garotos, encontrei eles no jardim bem afastado da residência jogando bola como se nada tivesse acontecendo lá dentro, eles se divertiam muito, e para minha surpresa, apareceu o caçulinha para se juntar a eles na brincadeira. Definitivamente eu era um estranho na minha própria casa!

Será que eu era tão ausente que o amor à minha pessoa tinha sido me negado e eu só estava percebendo agora? Tentei chorar mais uma vez, porque minha vontade era gritar, extravasar essa angústia que nem eu mesmo conhecia em mim, nunca tive tempo na vida para tais sofrimentos, não precisava lamentar por nada.

Mas, em morte, o que seriam lágrimas de alívio, se tornam em uma indiferente mão me sufocando retendo minha respiração, que eu imaginava ainda possuir; ilusão desenfreada de um morto desvairado! A natureza escuta o meu apelo, o vento tenta me acariciar, mas agora a insensibilidade tomou conta da minha existência, me sinto o único morador daquele espaço sem explicação, que ninguém consegue ver ou presenciar, nem ao menos sei falar se eu verdadeiramente existo.

Pensando bem, a insensibilidade já era parte do meu ser quando eu era vivo, só que eu vivia num mundo tão ilusório que não conseguia me condenar, achava que tudo era correto, os erros eram vistos como prognósticos de certezas, não havia quem conseguisse me corrigir, um ser orgulhoso e prepotente que jamais aceitou a correção de seres que supostamente eram vistos, por mim, como inferiores.

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