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Ela nasceu e morreu inúmeras vezes. Em cada vida, foi marcada pela mesma dor: amar o mesmo homem... e ser esquecida por ele. Lyris é uma loba amaldiçoada. Desde a era dos primeiros clãs, foi condenada a reencarnar todas as vezes que morre - carregando memórias completas de todas as suas vidas passadas. Sempre, em cada geração, ela reencontra seu companheiro... mas ele nunca se lembra dela. Na sua vida atual, Lyris tenta fugir do destino. Vive entre humanos, evita contato com matilhas, e esconde quem é - cansada de sofrer, cansada de morrer. Mas desta vez, algo muda: ele a reconhece. Em meio a isso, forças ancestrais se movem nas sombras. A quebra do ciclo ameaça um equilíbrio antigo entre o mundo dos vivos, os caçadores e os fantasmas das antigas matilhas. Alguém - ou algo - está disposto a matá-la para que o ciclo continue. Porque se Lyris quebrar a maldição... o mundo dos lobos pode nunca mais ser o mesmo.
O grito rasgou a noite.
Abri os olhos num solavanco, o peito em brasa, os lençóis colados ao corpo por suor salgado. Ainda tinha gosto de ferro na boca, o hálito pesado de fumaça. Vi as chamas lambendo a pele, ouvi o estalo da madeira cedendo, senti o calor que queimava mais por dentro do que por fora.
E a voz dele baixa, cortante, atravessou tudo como um aço frio:
"Você não é nada pra mim."
A mão que eu segurara segundos antes escorregou dos meus dedos. Ouvi o som do impacto contra a pedra. E então, pela enésima vez, morri por causa dele.
Mais uma vez, morri por ele.
Mais uma vez, renasci sozinha.
Levantei, as pernas ainda bambas, como se o chão tivesse cinzas sob os pés. Fui ao espelho: moldura rachada, um fio de cabelo preso com fita no canto. Meus olhos âmbar me encaravam sem piedade; o mesmo rosto que eu vestia há séculos, reclamando os mesmos segredos.
- Quanto tempo desta vez? - sussurrei, e a pergunta sumiu na penumbra do quarto.
Vinte e oito dias desde que acordei neste corpo. Uma mala vazia no armário, um cartão de biblioteca com outro nome dobrado no fundo da gaveta, e a rotina que eu ensaiava para não criar raízes: sair antes do amanhecer, ficar perto da gente comum, desaparecer quando começava a doer.
Nova cidade. Novo nome. Mesmo destino. Sempre sozinha.
Mas a mesma alma marcada. A mesma maldição que me acompanhava há séculos: morrer, lembrar, recomeçar. Sozinha.
Em todas as vidas, eu o encontro. Meu companheiro. O homem cuja alma está entrelaçada à minha por alguma piada cruel do destino. Às vezes, ele me ignora. Às vezes, me odeia. Às vezes... ele me mata.
Mas em nenhuma delas, ele fica.
Suspirei, jogando água fria no rosto. A dor não passava. Nunca passava. Porque, diferente de todos, eu lembro de tudo.
Saí antes que a cidade acordasse de verdade. O céu era um pano cinzento; as luzes dos postes ainda piscavam preguiçosas. Um padeiro assobiava para dentro do seu portão enferrujado; um cachorro revirava o saco de lixo, farejando promessas. Uma velha contava moedas na calçada; um casal trocava palavras baixas e um ônibus soltou um suspiro de ar ao passar.
Gosto de andar entre eles. Os humanos raramente olham duas vezes. Para eles, eu sou só mais um vulto com olhos cansados.
E é melhor assim. Quanto menos laços, menos dor. Aprendi a não me apegar. A não desejar. A não esperar.
Mas o destino sempre dá um jeito de me encontrar.
E isso se provou quando o vento soprou de repente, cortando entre os prédios. Meu corpo enrijeceu. Um arrepio subiu pela espinha.
O cheiro. Inconfundível.
Pinho queimado. Couro molhado. Sangue de lobo.
Meu estômago revirou. O coração tropeçou em batidas fora do compasso.
Ele está perto.
Girei os olhos, os sentidos em alerta, cada passo soava como um presságio arrastando correntes invisíveis, procurando em cada esquina o cheiro que gritava por mim, há tantos séculos.
Andei por mais uma quadra. Virei a esquina. E nada. Até que de repente, o vento mudou e, de repente, o cheiro veio, primeiro um nó no estômago, depois corrosão no peito. Meu iPad escorregou das mãos quando uma multidão apressada me empurrou.
- Ai! - soltei, recuperando o equilíbrio.
Um homem com fones me esbarrou no ombro, máquina de café na mão, desculpou-se por instinto sem sequer olhar.
- Droga, desculpa! Nem vi você aí.
Ele já estava longe quando percebi que ninguém mais havia parado. Alguém desviou, outra pessoa só piscou. Meus dedos tremiam. Não pela queda, pela sensação de que eu poderia sumir ali mesmo e ninguém notaria.
Aquilo acontecia com frequência: não ser vista. Aquele homem sequer perguntou se eu estava bem, e em segundos, já estava se afastando.
Naquele instante, percebi o quanto minhas mãos tremiam. O coração batia fora do ritmo.
Não por causa do esbarrão.
Mas porque... eu sabia. Isso se provou quando de repente o cheiro ficou mais forte.
O cheiro ficou mais forte, como se alguém tivesse acendido uma brasa no meu peito: pinho queimado, couro molhado, sangue de lobo, sempre o mesmo rastro que me corta as vísceras.
Ergui os olhos devagar. Do outro lado da rua, ele estava ali. Alto, ombros largos, uma sombra que parecia moldar o ar ao redor. O mundo travou: o vendedor de jornais, a senhora com o carrinho, o ônibus; tudo virou pano de fundo.
Ele me olhou. Não só olhou, mas fitou como se estivesse procurando por algo que tivera e perdido. Havia nos olhos dele algo que eu já vira antes, profundidade antiga, uma ferida que lembrava nomes que não queria esquecer.
Um caminhão buzinou; um cachorro latiu; uma criança soltou uma risada curta, e a cena tremeluziu de novo. Ele abriu a boca, a voz rouca arrancando-se de um sono antigo:
- Você...
A palavra morreu no ar, como se tivesse medo de terminar.
Capítulo 1 A maldição e eu
22/07/2025
Capítulo 2 Os olhos dele
22/07/2025
Capítulo 3 A primeira vida em que ele me notou
22/07/2025
Capítulo 4 A segunda vida em que desejei que fosse mentira
22/07/2025
Capítulo 5 Você não tem escolha
22/07/2025
Capítulo 6 O que você é
22/07/2025
Capítulo 7 A prisioneira entre lobos
22/07/2025
Capítulo 8 Ecos de outras vidas
22/07/2025
Capítulo 9 Vínculo quebrado
22/07/2025
Capítulo 10 Lembranças Sangradas
22/07/2025
Capítulo 11 A revelação
22/07/2025
Capítulo 12 A marca da guardiã
23/07/2025
Capítulo 13 A chegada de Yrene
24/07/2025
Capítulo 14 ENTRE FAÍSCAS E FERIDAS
25/07/2025
Capítulo 15 Cerimônia de Cinzas
30/07/2025
Capítulo 16 Pecado e sangue
30/07/2025
Capítulo 17 Cicatrizes do passado
30/07/2025
Capítulo 18 A amarração
31/07/2025
Capítulo 19 O julgamento
01/08/2025
Capítulo 20 Cinzas do Quebranto
01/08/2025
Capítulo 21 Sangue que regressa
05/08/2025
Capítulo 22 Tudo Que Não Dissemos
06/08/2025
Capítulo 23 A primeira e última vez
07/08/2025
Capítulo 24 O Peso da Manhã
20/08/2025
Capítulo 25 Presa no entre-lugar
26/11/2025
Capítulo 26 O Chamado Que Não Permite Fuga
27/11/2025
Capítulo 27 O Lobo Que Não Devia Existir
28/11/2025
Capítulo 28 Conor Noctis
29/11/2025
Capítulo 29 O cheiro dela
02/12/2025
Capítulo 30 O Centro da Tempestade
03/12/2025
Capítulo 31 VÍNCULO ROMPIDO
Hoje às 02:57
Capítulo 32 O Filho Que a Lua Não Previu
Hoje às 02:57
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