Pensem em um desespero que domina a alma da gente e dá vontade de morrer... Estou sentindo algo assim agora. Voltei para o Brasil há alguns meses e acabei me apaixonando perdidamente por um homem que me trata como um ser insignificante, como um mero inseto aos seus pés. Não entendo por que mulheres tendem a gostar de cafajestes; não entendo por que todo meu ser anseia por aquele patife. Esse sentimento está aqui, encalacrado no meu peito. Foi paixão à primeira vista. É complicado explicar. Nossas famílias são amigas desde sempre, mas ele se afastou cedo por ter ido estudar em outro país. Quando voltou, foi a minha vez de partir para um intercâmbio de dois anos, então nossos caminhos se desencontraram. Ouvia sempre meu pai falar dele; todos sempre o elogiavam. Reencontrei-o pessoalmente em um jantar em minha casa; ele era o cara mais lindo, viril e cheiroso que eu já tinha visto. O olhar instigante sugeria o que uma mulher poderia encontrar em um quarto com ele, cujo meio sorriso presunçoso tinha o poder de fazer meu coração acelerar. Chegava a ser desgastante venerá-lo. Eu já tinha namorado duas vezes, em uma delas me envolvendo em um relacionamento sério, de um ano. Mas nenhum dos meus ex me fez molhar a calcinha apenas com sua voz. Afinal, eram moleques de dezesseis e dezessete anos. Enzo Brant Marques é filho de um dos sócios do meu pai, tem 28 anos e, segundo ele, isso impede de assumirmos um caso. Acabei de completar 18. Enzo afirma muitas outras coisas também. Desde que me viu, ele me odiou; disse que prefere loiras a ruivas como eu. Até pensei em pintar o cabelo por causa disso. Também disse que sou mimada e manipuladora, e que ele era a única pessoa que não cairia nas minhas artimanhas. Eu não entendia, afinal, nunca armei artimanhas... Eu apenas o desejava mais que tudo e isso me deixava apavorada.
Eu a vi. Depois de seis anos mantendo-a morta na minha mente, eu a vi. Desejei, naquele
momento, que a terra tivesse se aberto para eu desabar, afinal, já estava no inferno mesmo.
Foi ontem, sábado.
Desde que me separei de Lílian, há mais ou menos quatro anos, mantenho uma vida livre de
solteiro. Não quero pensar em me envolver novamente. Mulher para mim, a partir de então, existe
apenas porque não consigo ficar sem por questões óbvias.
Saio só com aquelas que sabem que comigo será sexo casual de uma noite; elas precisam ficar
cientes de que não vou me apaixonar, não vou me prender e não vou telefonar no dia seguinte. Não
pensem em arrogância e coração de pedra. Isso é prevenção.
Eu me previno para não cair novamente em cilada. Só um veterano de guerra é capaz de saber o
que um campo de batalha lhe reserva. Antes do casamento, juro que eu não era esse homem
meticuloso no quesito foda. Pelo contrário, não tinha preocupação alguma.
***
Eu bem que queria ter ficado em casa, jogado no sofá coçando o saco, despreocupado,
assistindo a qualquer besteira. Mas fui na conversa de Max e Davi, e acabei vendo o que não queria.
Davi é meu irmão, e Max, nosso amigo. Não só somos amigos de adolescência, como também
conduzimos, em um tríplice poder, a diretoria da AMB - Banco de Investimentos e Consultoria
Financeira.
Três jovens fundaram essa empresa há vinte anos: Assumpção, Meyer e Brant. Agora, dois
faleceram e um está em cima de uma cama. As tragédias não aconteceram ao mesmo tempo. A
primeira foi com o pai de Max. Ele morreu de câncer cinco anos atrás. A segunda foi com meu pai,
que faleceu em um acidente. E, por último, Jonas Assumpção sofreu um infarto agressivo há duas
semanas, mas não morreu. Ele teve de ser afastado da empresa.
Assumpção tem apenas duas filhas. Uma se casou e mora em outra cidade, e a outra filha sumiu
para Deus-sabe-onde, nem mesmo aparecia para visitar o pai ela. Sei muito bem o motivo de ela ter
sumido, e, sinceramente? Isso me mata toda vez que lembro, toda vez que meu corpo cisma em
queimar de saudades daquela garota.
E acho que vocês já perceberam a quem estou me referindo.
Essa coisa de remoer o passado não acontece todos os dias; talvez apenas uma vez no mês.
Sempre acontece quando algo desencadeia uma lembrança dela: um detalhe, uma garota ruiva
passando, uma personagem de quadrinho de cabelos de fogo, ou até mesmo uma ida à casa da
mamãe, onde tudo aconteceu. Então me pego pensando sobre o que aconteceu com ela, por onde
anda, com quem está, se já casou ou virou lésbica, se tem dinheiro ou vive de esmolas. E aí vem a
culpa e o autojulgamento por ter sido um troglodita.
Voltando para o presente: Jonas era o diretor financeiro da AMB, e agora a parte do trabalho
dele ficou sob minha responsabilidade e também do meu irmão Davi.
Conclusão: sem Jonas por lá, nós três somos os legítimos mandachuvas da AMB. É isso mesmo,
os fodões do pedaço.
Sou, modéstia à parte, um conceituadíssimo Controlador Regional de Finanças, Max (que se
chama Maximiliano) é Gerente Tributário Sênior, e Davi, meu irmão, é Consultor Financeiro Sênior.
Não posso falar pelos outros, mas ganho, em média, uma bagatela de 40 a 50 mil por mês. Uma festa
para um homem solteiro que não tem muito com o que gastar. Não sou bilionário, mas digamos que
tenho uma vida confortável, um carro legal, um apartamento legal, em uma parte legal da cidade.
Nós fazemos negócios com boa parte do mundo, com foco no Brasil, no Japão, no Canadá e nos
Estados Unidos. Ajudamos a reerguer empresas que estão no buraco, ou negociamos com novos
compradores. Temos desde clientes pequenos, como aquele casal de idosos que quer investir as
economias em alguma coisa lucrativa, como também clientes raríssimos, que simplesmente
resolveram acreditar nos três jovens empreendedores para investir, ou buscam consultoria com a
gente.
Somos executivos de respeito. Trabalhamos arduamente a semana toda, mas, no final de semana,
nada nos impede de sair e cair na farra. Isso é meio comum no mundo dos engravatados.
No último sábado, à noite, nós três saímos, escolhemos o lugar mais quente e boêmio do Rio, e
fizemos a festa. E, graças a Deus, o Jorge não estava lá.
Jorge é um filho da mãe imbecil, advogado da empresa e queridinho de Jonas Assumpção. Acho
que é afilhado ou sobrinho, uma coisa assim. Ou seja: ele é um pentelho desgraçado e intocável. E
sempre temos o azar de esbarrar com ele em nossas noites de liberdade. Que o infeliz não cruze meu
caminho hoje. Vou logo avisando: fora da empresa, não sou um executivo de respeito, mas apenas um
homem com um punho pesado.
Será que dá para ver todos esses olhares cobiçosos para os três garanhões? Sim, somos
requisitados, e sabemos direitinho a fama que temos pela cidade. Além dos negócios, fazemos
questão de impor nossa imagem nas rodas da alta sociedade, por isso escolhemos lugares
estratégicos para deixar nossa marca. Consequência: lista de espera de pretendentes. Mas a vida não é
só chegar e pegar. Desculpe, gatas, somos seletivos, e, se vocês não tiverem uma boa bunda, ou
peitos apetitosos para compensar, bom caráter não vai nos comprar.
Oi! Espere aí!
Não pare de ler porque fui sincero. Sem essa de ficar com raivinha de mim. Muitos homens, seu
namorado ou marido talvez, não vão dizer essas coisas na sua cara, mas pensam nisso, com certeza.
Mulheres têm um sexto sentido. Homens também, e o sexto sentido masculino tem um nome, ou
melhor, vários: pinto, peru, pau, pênis, pica, etc.
- Ei, cara, será que você já não olhou bundas demais? É hora de escolher uma - Davi adverte
Max. Estamos acomodados em uma mesa, tomando cerveja e observando a movimentação das
pessoas se balançando no centro da boate.
- Calma. Só quero ter cuidado para não ser dedo podre como o Enzo. - Ele olha para mim e
faz um gesto sugestivo com a sobrancelha. - Lembra o que aconteceu com ele semana passada?
Eles falam de mim como se eu nem estivesse aqui.
- Vai se ferrar - insulto, com um tom de voz elevado.
- Tá. Quem se ferrou foi você. Que fora, cara.
- Pelo menos ele descobriu a tempo - Davi fala em meu socorro.
Eles estão falando sobre eu quase ter pegado um travesti na semana passada. Era muito parecido
com uma mulher, e só me dei conta do perigo quando outro igual a ele se aproximou e acabou com a
festa do sujeito, dizendo, com uma voz grossa: - Ei, bicha, conseguiu um gatão, hein?
Eu estava bêbado, mas, mesmo assim, queria acertar a cara do imbecil. Sorte que os rapazes não
permitiram, senão iriam, com certeza, dizer que eu estava sendo preconceituoso. Pra porra com
preconceito. Pego trinta anos de cadeia fácil, mas marmanjo nenhum rela a mão em mim. E pensar
que ele apalpou meu pau... e eu quase o beijei. Não sei o que seria de mim se o tivesse beijado.
- O lugar era outro, aqui não tem esse tipo de gente - ralho de cara feia. Cruzo os braços e
encaro Max de modo ameaçador. Ele nem liga.
- Você está sendo preconceituoso - Max alerta. No rosto dele vejo um repuxar debochado de
lábios.
- Pimenta no cu dos outros é refresco. Deixa um cara desses pegar no seu pau, aí quero ver se
você continuará com essa opinião - gesticulo, bravo. - Que se dane a porra dos direitos humanos.
- Mas seu histórico não é de agora, Enzo - Max continua implicando.
Davi revira os olhos e vira o rosto para duas loiras que estão de olho na gente. Ele me cutuca e
olho também. Daqui não consigo ver direito os rostos, elas estão do outro lado e há luzes, mas por
um momento penso que são familiares. Alguma ex, com certeza; sempre topo com garotas que já
peguei. Dou uma piscadinha para elas e fico mais animado quando pegam as bebidas e vão na direção
de uma mesa onde há uma garota sozinha sentada. Está de costas, mas vejo que é ruiva. Não sei se já
contei, mas tenho um fraco por ruivas. Elas são raras, únicas. São puro fogo.
- Que porra é essa agora, Max? - Ouço a voz de Davi e viro-me para eles.
- Estou dizendo que seu irmão é amaldiçoado com mulheres. Desde que ele se recusou comer a
louca que o perseguia há uns seis anos.
- Lá vem você com essa conversa de novo, seu filho da puta - vocifero.
- E não é verdade? Você ficou bem abalado com a história. - Ele abana os braços e, fazendose de revoltado, emenda: - Nem quis nos dizer quem era a fulana.
- Vou pegar umas cervejas antes que esse safado coloque a piranha da Lílian no meio, aí o
bagulho vai engrossar, e vamos sair no braço.
Levanto-me e deixo-os na mesa debatendo sobre o fim do meu casamento. Ouço meu irmão
traidor rindo junto com Max.
Sei que, às vezes, eles gostam de zoar comigo pelo fato de minha esposa ter me chifrado com o
motorista da autoescola. Agora, sou um homem de 34 anos e divorciado. Não era nem para eu ter me
casado; não sei onde estava com a cabeça quando arrumei aquele rolo.
Vou direto ao banheiro para urinar, com os sentidos triplicados, em alerta total. Depois da
semana passada, desenvolvi um trauma, e o banheiro masculino é um dos lugares onde o perigo é
maior.
Entro, posiciono-me meio de lado, em frente ao mictório, olhando pra porta e para um cara do
outro lado. Termino e saio rápido. Nem me dou ao luxo de lavar as mãos, afinal, não peguei em nada
mesmo, só no meu pau.
Volto para o bar. De longe, vejo Davi e Max conversando com duas garotas que estão em pé,
perto da mesa deles. Percorro com o olhar o ambiente e deparo com a mesa daquelas garotas que vi
há pouco. As duas loiras já estão acompanhadas por dois caras.
Já era. Elas arrumaram parceiros. Meus pensamentos desanimados me fazem suspirar.
Fico com uma ponta de inveja deles que, hoje, vão mandar ver bonito nas gostosas.
Pego minha cerveja e dou a primeira golada. Estou de costas para o bar, de olho na pista de
dança tentando encontrar uma presa fácil. Então, ouço uma voz macia e suave ao meu lado, meio
gritando por causa do som: - Uma Coca Zero, por favor.
Viro-me e vejo a visão da glória. É a ruiva. Ela está de costas para mim. Usa um vestido sem
mangas, mas comportado, com comprimento um pouco acima dos joelhos, deixando à mostra parte
das pernas perfeitas.
A bunda é um deus nos acuda. Tudo do que um homem precisa para ser feliz; eu dormiria
aconchegado nessa bunda pelo resto da vida. Sinto uma necessidade desgraçada de pegar nos cabelos
dela.
- A noite parece estar fraca. Uma Coca Zero? Fala sério - digo, e ela se vira para me olhar.
Foi aí que eu quis que a terra se abrisse para me engolir. Fui pego no susto e demorei para
recobrar, pelo menos, as batidas cardíacas, porque a respiração já era. Nunca achei que uma pessoa
pudesse ficar mais bonita com o tempo. Quer dizer, bonita é pouco perto dessa força da natureza que
está em minha frente, encarando-me como se eu fosse o pior tipo de homem do mundo.
Devo estar patético: de boca aberta, rosto pálido (apesar das luzes) e mãos trêmulas.
Maria Luíza.
Minha perdição.
Meu inferno.
Meu pior castigo.
A maioria de nós, homens, consegue perceber o perigo, mesmo que, às vezes, caiamos em
ciladas, como caí com o travesti e com a Lílian. Mas também temos aquele sexto sentido que nos
alerta de vez em quando. Pena que nosso sexto sentido não detecta o perigo nas mulheres. Entretanto,
detectei perigo assim que vi a bela e jovem Maria Luíza, Malu, como era chamada. Eu disse que tinha
fraco por ruivas, não é? Pois ela é minha ruiva predileta, uma ruiva legítima. Linda, como se tivesse
saído de uma revista. Parecia uma boneca quando tinha dezoito anos. No dia em que eu a revi, depois
de anos, soube que estava ferrado. Ela me encantou, sorria sempre para mim e começou a me
perseguir. Foi um inferno ter de fugir de Maria Luíza.
Se eu tivesse cedido à minha obsessão, creio que coisas piores poderiam ter acontecido. Meu pai
ainda estava vivo, era o melhor amigo do pai dela, tinham acabado de perder o outro sócio, e a
empresa estava meio cambaleando. Imagine, junto a isso tudo, eu comendo a princesinha deles?
Agora, seis anos depois, ela parece uma serial killer gostosona.
Na época, a melhor saída foi humilhá-la, para que ela me deixasse em paz e eu pudesse remoer
minha paixão doentia sozinho. Agora, já não sei se aquela foi a melhor saída.
- Maria Luíza - sussurro, impressionado. Ela apenas me encara. O homem do bar lhe entrega
o refrigerante, e ela agradece com um sorriso sincero. Quando me olha novamente, não há mais
sorriso. Só um olhar mordaz.
E, então, ela simplesmente vira as costas e sai. Eu poderia ter voltado com o rabo entre as pernas
para minha mesa e pronto. Mas fui um idiota e corri atrás dela, trombando nas pessoas.
- Espera! Malu, você...
Seguro no braço dela. Parando de andar, como naqueles filmes de terror, ela começa a se virar
lentamente. A menina de O Exorcista, sabe? Só falta a baba verde, pois a expressão é a mesma. Noto
que seus dedos em torno da latinha de Coca estão meio esbranquiçados por causa da força que ela
está colocando.
- Pode, por favor, manter sua mão longe de mim? - ela pede, em uma ordem rouca e
compassada.
- Desculpa. - Solto-a imediatamente.
Que bundão estou sendo. O pedido de desculpa saiu tão rápido e automático que nem tive como
impedi-lo.
Ela respira fundo, dá um último olhar aniquilador para mim, um giro rápido nos saltos, passa
pelas pessoas e volta para a mesa.
Toma, distraído. Minha própria mente zomba de mim.
***
- Tô indo pra casa - aviso aos rapazes quando chego à mesa. Há duas garotas com eles e,
incrivelmente, ignoro ambas. Davi é um safado. Ele acabou de voltar com Sophia, e fica se
esfregando com desconhecidas nas baladas.
- Indo embora? Por quê? Pegou outro travesti? - Davi arregala os olhos, e Max dá uma
gargalhada.
- Deixa de ser sonso, Davi. Apenas quero ir.
Saí sem mais explicações, e agora aqui estou.
É segunda-feira de manhã e ainda não consegui tirar aquela expressão de ódio da minha mente.
Passei o dia de ontem, domingo todo, praticamente na cama, só pensando no que havia acontecido.
Mas o que eu poderia esperar? Que ela pulasse em cima de mim e implorasse que a comesse, depois
de eu tê-la chamado de puta e vagabunda?
Nada disso dói tanto como quando descobri que sempre estive errado sobre a reputação de Malu.
Eu tinha de afastá-la e, quando soube que ela, possivelmente, era uma vadia, juntei o útil ao agradável.
Usei isso contra ela, meu maior erro. A mulher pode ser mais rodada do que pneu de caminhão, mas
não quer que um homem jogue isso na cara dela. É como falar que uma gorda é gorda.
Descobri meu engano em um dia qualquer, quando o pai de Malu ainda estava muito bem de
saúde e conversávamos. Ele lamentava o afastamento brusco da filha caçula, sua princesinha. Não
sabia o motivo de ela ter sido tão fria com ele. Foi então que esoltou algo assim: - Eu sempre soube
que ela era igualzinha à mãe, determinada e destemida. Mas não esperava que ela partisse daqui tão
rápido quanto chegou.
Fiquei meio desesperado na hora, claro que entendi certo. Clarisse, a esposa dele, foi a maior
puta que já conheci. Ela até quis dar para mim e para os rapazes uma vez, nós três ao mesmo tempo.
Gulosa.
Não era possível que havia sido um mal-entendido sobre a reputação de Malu.
- Então, Malu é igual à mãe dela? - intrigado, perguntei.
- Não, filho. Não igual. Malu odiou a mãe quando descobriu o que ela fazia pelas minhas
costas. Minha filha tem um controle absurdo, ela tem autorrespeito, e se preocupa com a essência,
acima de tudo. Nunca Malu foi interesseira ou vadia como a mãe.
- Mas achei que ela... - aflito, comecei a falar, mas ele me interrompeu: - Seria um pecado
insinuar que as duas fazem as mesmas coisas. Elas são iguais apenas nessas duas características:
determinação e coragem.
***
Agora, estou destruído. Depois da confissão de Jonas, sofri mais do que condenado, culpandome. Por minha causa, Malu foi humilhada e se distanciou do pai, que nem conhece o motivo do
afastamento. Será que ele sabe que ela está na cidade? Hoje mesmo vou visitar Jonas.
Termino de me vestir e saio do meu apartamento. Com a cabeça cheia de pensamentos
perturbadores, dirijo meu Mercedes conversível top fodão até o prédio comercial da AMB.
Davi e Max, com cara de ressaca, me esperam na recepção. Estão cochichando sentados na sala
de espera, inclinados para frente, um em direção ao outro. Um deles tem o cenho franzido, e o outro,
os olhos arregalados. Eles param de conversar assim que me veem, e se levantam prontamente.
- Jorge tem um plano maligno - Davi atira primeiro.
Coloco meus pensamentos em ordem. Guardo, por um instante, tudo o que diz respeito a Malu e
sua família, e relembro os assuntos relacionados com nosso distinto advogado. Por que ele não
apronta na rua? Sabe que, aqui dentro, não posso bater nele.
- Jorge - digo, como para me situar. - O que ele fez agora?
- Há uma reunião da presidência, ele que marcou - Max anuncia.
- Como assim? - Percorro rápido meu olhar chocado entre os dois. - Nós três somos a
presidência. Ele não pode mandar nem na mulher que limpa os corredores; é só a porra de um
advogado.
- Eu também disse isso a ele. Acontece que ele foi muito presunçoso e convencido ao esfregar
na minha cara um comunicado escrito e assinado pelo próprio Jonas - Davi explica, magoado.
- Então quer dizer que...
- Não sei ao certo, Enzo, mas o que presumo é... - Davi para de falar e olha para Max.
- Que a parte dos Assumpção pode passar para as mãos do bunda-mole - Max conclui, sem
medo de falar.
- Isso não pode acontecer. Jonas não pode, simplesmente, colocar qualquer merda na diretoria.
- Olha eu começando a ficar nervoso. Que ser humano pode aguentar passar por isso em plena
segunda de manhã?
- Acho que pode, desde que a pessoa tenha uma procuração - Davi revida.
- Caralho! Estamos fodidos, então?
- Como nunca estivemos - Max concorda e anda na direção dos elevadores, acompanhado
por mim e Davi, calados e taciturnos, como se estivéssemos indo para a forca. Estamos desesperados,
e ferrados por aquele perdedor, o porre da empresa.
Não vou conseguir suportar aquele cara. Acabarei amassando o rosto imbecil dele com meu
punho, e terei um processo nas costas tramitando em algum tribunal. Posso prever isso.
Não sei, ao certo quando começou nossa repulsa por Jorge. Ele nunca fez nada diretamente pra
gente. Acho que foi mais por ciúmes. Vou explicar o porquê: eu e Davi conhecemos Max por quase
nossa vida toda. Ele, sendo filho único, não saía lá de casa. Estudamos juntos, fomos juntos para a
faculdade, compramos briga um pelo outro, e, se um não quer mais uma mulher, passa para o outro
experimentar.
Sempre saímos juntos, sem precisar de outros caras. Afinal, mais de três homens juntos pela
noite não ia ficar muito bem.
É sábado na balada, e sexta à noite na casa de algum dos três. Sexta é a noite dos homens.
Fazemos campeonatos de Fifa no Xbox, ou jogamos baralho enquanto secamos algumas caixas de
cerveja. Se algum de nós estiver com uma garota, ela precisa entender e abrir mão da sexta-feira.
Simples assim, e tudo sai bem.
Então, de repente, chega um sujeitinho do nada, vem de outra cidade e simplesmente começa a
ser o favorito de Jonas e dos nossos pais. Jorge é aquela pessoa mosca-morta que quer agradar a
todo mundo, quer ser o melhor, e que, provavelmente, limpa o pau em lenços umedecidos depois de
gozar. Sou bem capaz de afirmar que ele usa duas toalhas no banho, uma nos cabelos e outra no
corpo. E pronto. Foi apenas isso, e o ódio bateu.
***
Corro, antes da reunião, até a minha sala, pego o telefone para ligar para Jonas e saber que
absurdo é esse. Ele prometeu que eu cuidaria de tudo enquanto ele estivesse afastado. Pelo amor de
Deus! Tenho a procuração; ele deveria ter me comunicado antes de avisar todos.
Antes de a ligação se completar, Marisa, a secretária, coloca a cabeça para dentro da porta.
- Enzo, o pessoal te espera na sala do senhor Jonas.
- Claro - assinto; desligo o celular e corro para a sala que, antes, Jonas ocupava. Agora ela
está vazia, ninguém foi para lá. Fico indignado em pensar que aquele merda quer sentar na cadeira de
um dos patriarcas da empresa.
Abro a porta, cumprimento cordialmente cada um dos presentes e me sento ao lado de Davi. Não
vejo Jorge por perto.
- Cadê o babaca? - cochicho. Davi encolhe os ombros.
Imaginem só isto: nós três, os homens mais poderosos desta empresa, os caras mais cobiçados
da cidade, sentados como a ralé, à espera da digníssima presença do ilustre Jorge. Dá vontade de
esmurrar a parede.
Não tenho tempo para nervosismo. A porta se abre e Jorge entra. Cumprimenta calorosamente
todos e olha de modo fixo para mim, com aquela cara de deboche. Ele sabe que, dos três, eu sou o
que mais o odeia.
- Bom dia a todos. - Ele se posiciona atrás da mesa de Jonas, mas não se senta. - Estou aqui
em nome do querido Jonas Assumpção para dizer que ele tomou uma decisão sobre seu cargo aqui
na empresa.
Ele para de falar, olha para nós três e, em seguida, para o pessoal do conselho administrativo.
- Até ontem, Enzo Brant e Davi Brant cuidavam dos interesses do senhor Jonas, mas informo,
agora, que a procuração que foi dada a eles não tem mais poder legal algum.
- Explique isso direito, George - Max fala, dobrando a língua e pronunciando o nome em
inglês, só para provocar.
- Eu, como advogado da empresa e sobrinho de Jonas...
- Meio sobrinho - Davi interfere.
- Tanto faz. - Ele esnoba Davi e continua, imponente: - O caso é que Jonas confiou em mim
para dar a seguinte notícia: a partir de hoje haverá, por tempo indeterminado, alguém ocupando esta
cadeira. - Ele pega um papel e passa para a gente. - Essa é a procuração legal. A nova integrante
deste conselho terá o mesmo poder que vocês três têm aqui dentro.
Antes mesmo de ler, levanto os olhos e o encaro.
- Não é você?
- Não. Lógico que não. - Um ar vitorioso passa pelo rosto dele.
- Sou eu - diz uma voz que vem da porta, e todos se viram. Menos eu. Conheço a voz, até
mesmo entre os gritos de dor no inferno. Sinto uma batida falha no meu peito, e um nó aperta minha
garganta.
OK. O universo estava de boa cuidando da sua vida quando, de repente, pensa: Eu poderia me
unir ao destino para foder com a vida de um humano. Vamos fazer um sorteio com o nome de todo
mundo, e voilá! Enzo Brant vai ser ferrar a partir de segunda-feira.
- Maria Luíza? Você não estava estudando fora? - Davi pergunta. Levanto os olhos e ela já
está atrás da mesa, ao lado do merdinha do advogado. Os dois trocam sorrisos, e fico estático.
- Aparentemente, já estou no Brasil de novo - ela ironiza, sem perder a pose.
Está mais linda do que no sábado. O cabelo preso no alto da cabeça, com mechas avermelhadas
caindo macias pelos ombros. A camisa de seda que ela usa é comportada, e mantém os seios lindos e
redondos bem discretos. Ela olha para mim e só há uma reação: desprezo.
- Para quem não me conhece, sou Maria Luíza Assumpção. Me formei em economia, e meu pai
está muito orgulhoso por eu ter aceitado assumir o lugar dele. - Ela sorri cheia de charme, mas
algo me diz que o sorriso é falso. - Creio que o peso estava muito grande para os irmãos Brant.
Estou certa, senhores? - Levanto os olhos mais uma vez e assinto. Nossos olhares se encontram,
mas ela nem parece afetada. - Então, isso é tudo. Marquei esta reunião apenas para informá-los da
minha presença de agora em diante. Não quero que me tratem como se eu fosse meu pai. Sou uma
mulher normal, comunicativa e carismática. Quero manter uma boa relação com vocês, e também
que sigam as mesmas regras que meu pai e os senhores Augusto Meyer e Otavio Brant decretaram no
início. Exijo respeito acima de tudo, não só a mim, mas também a todos os funcionários, do faxineiro
aos membros da diretoria. - Ela se cala, passa os olhos por todos na sala e respira fundo para
continuar a falar: - A partir de hoje, ficarei nesta sala até meu pai voltar. Quando esse dia chegar,
não sairei da empresa, apenas me afastarei deste cargo. Alguma pergunta?
- Por mim, tudo bem - Max diz, de olho nos peitos dela. Davi também concorda. Eu escolho o
silêncio.
- Só mais uma coisa - ela levanta um dedo. - Antes de dispensá-los, quero tratar de um
pequeno assunto meio constrangedor.
Maria Luíza olha para Jorge, depois para mim. Fica alguns segundos mirando meus olhos,
depois diz, um tanto calma: - É sobre relacionamentos amorosos entre funcionários da AMB.
Nem olhe pra mim. Não estou comendo ninguém aqui dentro, penso, tentando lembrar se houve
algum deslize e meu pau acabou escapando sem querer das calças. Não tem como, a maior parte dos
funcionários é formada por homens e, neste andar, a única mulher é Marisa, casada e com cinquenta
anos.
- Essa regra não é nova; nós a seguimos com rigor - Davi antecipa.
- Eu sei. - Ela sorri para meu irmão, e é o sorriso mais lindo que já vi. Eu tinha me esquecido
de como é maravilhoso vê-la sorrir. Sabe uma sensação de paz? É o que o mundo sente quando Malu
sorri. Mas ai, quando ela olha pra mim... paz é o caralho! Guerra é o que vejo.
- Quero avisar vocês sobre o meu relacionamento. Não comecei a namorar alguém; já cheguei
namorando uma pessoa que trabalha aqui.
Arregalo os olhos. Agora sim preciso de um desfibrilador. Ela se prepara para foder geral,
enfiou a cabecinha. Um suspense total toma conta apenas de mim. Fixo meus olhos nos dela, exijo
resposta. Ela me fita, destemida. Desde que entrou na sala, passamos um bom tempo mantendo
contato visual.
Malu pigarreia, olha para Jorge e sorri.
- Jorge, além de advogado da empresa, é meu namorado. - Pronto. Socou tudo até o talo. -
Estou comunicando apenas para isso não ficar chato entre a gente. Em todo caso, prometemos manter
decoro na empresa. Prometo que ninguém vai presenciar cenas desconcertantes. Pronto. A reunião
está encerrada; tenham um bom dia.
Estou estático, olhando para os dois sorridentes, e sinto gosto de fel na boca. Me trollou legal.
Todos começam a se levantar. Antes de saírem, fazem uma fila para cumprimentá-la. Eu ainda
estou sentado, com os dentes trincados e o maxilar rígido e dolorido. Semicerro os olhos na direção
do casal perfeito. Ela não poderia ter escolhido uma forma mais cruel e baixa de me apunhalar.
Namorar esse cuzão? Como ela pôde descer tão baixo?
Faço uma análise rápida.
Maria Luíza voltou com tudo.
Bonitona.
Corpão de mulher.
Competente.
Determinada.
E traiçoeira. Ela tem um plano maquiavélico. Qualquer um com cérebro pode ver. Menos meu
irmão e Max, que já estão sorrindo de orelha a orelha diante da minha mais nova parceira de
negócios e rival ao mesmo tempo.
***
Sozinho na minha sala, estou quase afundando o chão de tanto andar. Já tomei umas três doses de
uísque.
Hum, delícia! Aquela bunda... Estou salivando.
Tô ferrado. Isso é fato. Não só terei de lidar com meu caso crônico de pau duro toda vez que
cruzar com ela andando por aí, como vou ter de tentar controlar as explosões de raiva quando eu a
vir com aquele merda. É sério isso? Malu e Jorge? Deus me faça acordar agora, porque não quero
viver neste mundo cruel.
Será que ela ainda sente por mim a mesma obsessão de seis anos atrás? O que terei de fazer para
descobrir isso?
Colocar Maria Luíza contra a parede e tentar arrancar isso dela talvez seja difícil, mas de certo
maravilhoso. Coloco mais uma dose de uísque no copo e caio no sofá. Camisa pra fora da calça,
meio desabotoada, e gravata folgada no pescoço.
No momento, só quero remoer. Pensarei com racionalidade mais tarde.
Capítulo 1 Enzo
25/03/2022
Capítulo 2 Maria Luíza
25/03/2022
Capítulo 3 Enzo l
25/03/2022
Capítulo 4 Maria Luíza l
25/03/2022
Capítulo 5 Enzo ll
25/03/2022
Capítulo 6 Maria Luíza ll
25/03/2022
Capítulo 7 Enzo lll
25/03/2022
Capítulo 8 Maria Luíza lll
25/03/2022
Capítulo 9 Enzo lV
25/03/2022
Capítulo 10 Maria Luíza lV
25/03/2022
Capítulo 11 Preciso de justificativa melhor
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Capítulo 12 Fiquem calmos!
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Capítulo 13 Vamos nadar
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Capítulo 14 sexo perfeito .
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Capítulo 15 QUATRO HORAS DA MANHÃ
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