- Obrigada de verdade, mas minha bolsa está bem leve. – Ela me passa um sorriso acolhedor e na mesma hora acabo me punindo por ter duvidado da boa vontade da senhorinha. Mas o que eu posso fazer? Enquanto divago tentando tirar minha mente do aperto que estou vivendo, alguns minutos se vão. - A senhora sabe me dizer qual o ponto da Quinta Avenida? – Chego a suspirar, pois desta vez não estou indo para a tão conhecida e cheia de classe rua de Nova Iorque que leva o mesmo nome e eu amava passear. - Vixi, menina. Já é no próximo ponto. – Ela olha para o fundo do ônibus onde fica a porta da saída. - Só um milagre para dar tempo de você conseguir descer do busão. – O pânico toma conta de todas as minhas terminações nervosas, pois realmente não vejo como conseguirei tal milagre, e o bus, que deveria ter no máximo cinquenta pessoas, parece que têm pelo menos o triplo. - Obrigada. – Desesperadamente, depois de quase pular para alcançar a cordinha que sinaliza ao motorista que é chegado o meu ponto, peço licença e prossigo para minha saga. Em segundos o ônibus estaciona, para meu desespero ser ainda maior estou consideravelmente longe da porta, incansavelmente peço licença, aumentando o meu tom de voz de forma que não estou habituada, as pessoas notam o meu desespero, em uma empatia coletiva, parecem viver o mesmo pânico que eu e em um ato de amor, que só usuários de transporte público vivenciam, eu ouço: - Esperaaaa aí seu motô. Morro de vergonha por chamar tanta atenção e um outro passageiro prossegue: - Segura o busuuuu pra moça...
Patrícia Menezes
Ainda
sem acreditar que um ônibus é capaz de comportar tantas pessoas em
plena seis horas da manhã, usando todo estoque da minha fé, que descobri ter
há pouco tempo, esperando que um espacinho surja entre os passageiros, faço
o pagamento da tarifa absurda, dada a má qualidade do veículo e só após três
quarteirões consigo passar pelo torniquete.
Dando um jeitinho do lado direito, me espremendo a esquerda, caminho
alguns passos sentindo a minha saia lápis girando no meu corpo e o receio de
ficar exposta toma conta de mim, que Deus me guarde.
Mesmo assim, prossigo me equilibrando como eu posso, até alcançar um
lugar para me segurar.
- Quer deixar a sua bolsa comigo, moça? – Uma jovem senhora, de
aparentemente quarenta e oito anos, me oferece cordialmente a ajuda.
"Boa sorte amanhã na entrevista, cuidado com seus pertences no ônibus
cheio, você corre o risco de sair de bolsa vazia, Paty. Não confie em pessoas
aparentemente do bem, em um transporte público a gente nunca sabe o que
pode acontecer. A realidade aqui é diferente demais de onde você veio..."
Lembro-me do conselho da minha nova amiga e vizinha Carolina, que
tem sido uma verdadeira professora da vida real para mim e temo. O fato é que
eu realmente não tenho como saber se quem me oferece ajuda, agirá de boa fé
e o que levo na bolsa, dentre alguns pertences, está o meu iPhone ainda novo
que eu não poderei substituir tão cedo.
- Obrigada de verdade, mas minha bolsa está bem leve. – Ela me passa
um sorriso acolhedor e na mesma hora acabo me punindo por ter duvidado da
boa vontade da senhorinha. Mas o que eu posso fazer? Enquanto divago
tentando tirar minha mente do aperto que estou vivendo, alguns minutos se
vão. - A senhora sabe me dizer qual o ponto da Quinta Avenida? – Chego a
suspirar, pois desta vez não estou indo para a tão conhecida e cheia de classe
rua de Nova Iorque que leva o mesmo nome e eu amava passear.
- Vixi, menina. Já é no próximo ponto. – Ela olha para o fundo do
ônibus onde fica a porta da saída. - Só um milagre para dar tempo de você
conseguir descer do busão. – O pânico toma conta de todas as minhas
terminações nervosas, pois realmente não vejo como conseguirei tal milagre, e
o bus, que deveria ter no máximo cinquenta pessoas, parece que têm pelo
menos o triplo.
- Obrigada. – Desesperadamente, depois de quase pular para alcançar a
cordinha que sinaliza ao motorista que é chegado o meu ponto, peço licença e
prossigo para minha saga.
Em segundos o ônibus estaciona, para meu desespero ser ainda maior
estou consideravelmente longe da porta, incansavelmente peço licença,
aumentando o meu tom de voz de forma que não estou habituada, as pessoas
notam o meu desespero, em uma empatia coletiva, parecem viver o mesmo
pânico que eu e em um ato de amor, que só usuários de transporte público
vivenciam, eu ouço:
- Esperaaaa aí seu motô.
Morro de vergonha por chamar tanta atenção e um outro passageiro
prossegue:
- Segura o busuuuu pra moça...
Dou mais uns passos, sinto até um ventinho na popa do meu bumbum que
mostra o quanto minha saia subiu e eu finalmente consigo alcançar os degraus.
- Obrigadaaa! – Acabo entrando no clima que, de certa forma, até me
diverte e enquanto o ônibus parte, arrumo minha saia e olho as horas no
relógio de rua que também marca a temperatura, que eu tenho certeza que está
errada, pois o sol, ainda que cedo, já está queimando a minha pele, impossível
ser apenas vinte e cinco graus, eu tenho certeza que não pode ser menos que
quarenta.
Logo depois, voltando a ficar atenta, tento achar a entrada da estação de
metrô da Quinta Avenida, mais popurlamente conhecida como Quintão, de
acordo com minha vizinha, mas eu não encontro.
- Bom dia. – Me aproximo de um rapaz que, como está segurando um
caderno e carrega uma mochila, parece que vai para a faculdade. - Estou um
pouco perdida, você poderia me dizer aonde fica a Estação Quintão? – Ele
arregala bem os olhos e acaricia a testa em um gesto nervoso, com um misto
de compaixão e sem nem ele abrir a boca, já imagino que estou em um reino
far far away*.
- Puta merda! Você com certeza não é das redondezas, estou errado? –
Confirmo as suspeitas dele com gestos. - Moça, tu vai ter que andar bastante,
pois esta estação fica no próximo ponto. – Abro bem os olhos, de forma que
até assusto o rapaz que sem perceber inclina-se um pouco para trás.
Santo Deus! A senhorinha do ônibus me passou a informação errada.
- Obrigada. – O rapaz me olha de cima abaixo.
- Porra, eu não queria estar no seu lugar, obviamente que não sei o que é
usar sapatos tão altos, mas caminhar do jeito que você está por longos minutos
nesses passeios esburacados e nesse sol que arranca a pele, não é de Deus não.
– Nisso ele tem toda razão. - É o estágio do inferno. – Daí eu já não sei, pois
tenho certeza, por experiência própria, que existem coisas piores.
No passado, enquanto eu apenas caminhava até o carro, que eu nem
dirigia, por ter um motorista e andava apenas em pisos lisos, sem nenhuma
pedrinha para machucar os pés, meus louboutins eram maravilhosos, agora,
eles definitivamente são verdadeiras armas.
*Tão tão distante.
- Pois bem, desde já sinto-me cansada, imagina quando começar a
caminhar? – Ele dá risada.
- Meu nome é Sérgio e estou indo na mesma direção que você, posso te
fazer companhia? Prometo que não deixo você cair. – Começamos a percorrer
o trajeto depois que me apresento e enquanto seguimos, o rapaz simpático me
diverte com seus casos do dia a dia, me conta que estuda na Universidade do
estado, que faz o mesmo caminho durante toda semana, pois como tem pouco
dinheiro, só consegue transporte para chegar até a metade do caminho. - Mas
faz parte, eu quero ser um engenheiro e para isso, preciso fazer alguns
sacrifícios agora. – A sua realidade me comove, pois quando entrei na
faculdade, ainda com dezessete anos, nunca sequer passei por alguma
dificuldade e sempre tive motorista na porta. - Te assustei com minha
pobreza? – Ele gargalha. - Dá pra ver que você provavelmente está a pé
porque o carro quebrou, na verdade é o que parece, já que está toda chique na
rua e essas suas roupas, nem sei se são daqui do Brasil. – Dá de ombros. - Eu
acompanho alguns sites. – E tem um olhar clínico, se não fosse engenheiro,
poderia ser um profissional da moda com certeza. E sobre minhas roupas, ele
não sabe, mas da mansão, algumas coisas consegui trazer comigo, dentre elas
todas as minhas vestimentas, bolsas e sapatos que ocupam a metade do meu
atual quarto, que é menor que o meu closet, e então, mesmo após ultrapassar o
portal, que eu nem sabia que existia e separa a riqueza da pobreza, eu ainda me
visto bem.
- Errou, eu não tenho carro. – Chego a suspirar fundo. - Não mais. –
Ele me dá uma piscadela.
- Acertei em parte e tipo, sendo bem sincero, eu enlouqueceria se tivesse
algum conforto e me fosse tirado, deve ser pior do que nascer já pobre.
"-Tio, por favor deixe-me ficar, eu juro que não compactuei com minha
mãe nessa tentativa de incriminar Carla. Na verdade sua irmã sempre me
falou que pegava Carla em atitudes suspeitas e que não a demitia por pena,
por ela ser sozinha no mundo. – Entre lágrimas e ainda assustada por ver
minha mãe sendo presa e meu pai passando muito mal por tudo o que estava
acontecendo, tento justificar, mas meu tio, que eu tenho como um segundo pai,
nem me olha.
- Arrume suas coisas, em uma hora você e seu pai vão para um novo
endereço pois, apesar de tudo, não deixarei vocês na rua e também os darei
um salário mínimo para ajudar com as despesas básicas, até vocês se
ajustarem na vida. – As palavras duras acabam comigo e sem saída, começo a
caminhar para o meu quarto, mas então lembro-me de perguntar algo:
- O senhor não me ama mais? – Tio Muniz vem em minha direção e
segura o meu rosto com carinho.
Capítulo 1 Nem me olha
22/06/2022
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