Luke é um chefe da mafia entediado, em uma operação a fim de descobrir o assassino de seu irmão, ele encontra algo único. Em um quarto minúsculo e dentro de uma caixa trancada, ele acha uma garota bonita que o encanta imediatamente. Agora, ele precisa ensinar tudo do mundo para ela.
Pov Charlie
As pessoas costumam dizer que o ser humano é capaz de se adaptar a tudo, que nos modificamos ou modificamos o ambiente à nossa volta para nos adequar e nos adaptar.
Eu era a prova viva de que isso é mentira.
Durante muito tempo me vi em uma situação de cárcere, sem me conformar nem por um minuto enquanto era mantida naquele cubículo.
Um espaço de três por dois e meio, era possível contar nos dedos a quantidade de passos que eu dava para cruzá-lo, sufocante, escuro, com apenas uma janela retângular com grade de onde nem era possível ver a rua. Ainda assim, era o meu mundo.
Passei os dedos pelas lombadas dos livros na estante mais alta, títulos infantis e juvenis na maioria, mesmo que meus preferidos fossem romances censurados em qualquer parte onde havia toque. Eu preenchia as lacunas com meus pensamentos, isso ele não podia controlar.
Quando o autor dizia "ele se aproximou", eu deitava no travesseiro e ficava imaginando motivos para se aproximar de alguém, de mim, onde ele tocaria? No meu rosto? Na minha mão? No vão triangular entre minhas pernas? Um lugar que aprendi a odiar ao longo dos anos, coberto pelo ferro da castidade onde nem o mais hábil ladino das histórias de fantasia conseguiria invadir
Algo escorregou pelo espaço entre a porta e o chão, me tirando da minha fantasia abstrata. Me levantei depressa, o bilhete que eu tanto ansiava finalmente havia chegado.
"Tudo pronto". Era o que dizia, mas a esperança de que sairia daquele quarto em breve foi manchada por duas marcas de digitais carimbadas em sangue no papel e sufocada pelo baque oco na porta pelo lado de fora.
Dei alguns passos para trás, até estar encostada na estante de onde caiu alguns livros, ouvi cada um dos trincos na porta serem abertos, os sons metálicos agindo como catalisador, juntando toda a agonia naquela contagem regressiva assustadora.
Ao final dos cinco cadeados, um silêncio de alguns segundos onde havia uma falsa paz, antes da porta abrir, lentamente, revelando uma visão assustadora.
O homem que me prendeu, ao qual eu era obrigada a chamar de pai, apoiou o braço no batente da porta, parecia cansado e furioso, em sua outra mão ele segurava o cabelo castanho claro de um garoto que não devia ter mais que a minha idade, alguns ainda o chamariam de criança, mas ele era o único que me encontrou ali, alguém que meu pai confiou um dia para me entregar os livros, comida, roupas. Alguém que eu também confiei que acabaria com meu sofrimento.
Ele me olhou com súplica, seu rosto estava irreconhecível, deformado pela surra, eu não tinha como ajudá-lo, eu também estava assim por dentro.
- É isso que acontece quando tenta fugir - a voz rouca que vinha carregada de pena fez meus pelos se arrepiarem - quando você vai aprender?
Meu pai sacou uma pistola da parte de trás da calça e rápido como arrancar uma farpa, ele a encostou na nuca do garoto e puxou o gatilho, o som do tiro naquele espaço minúsculo reverberou pelas paredes e fez meus sentidos entorpecerem.
Meu pai soltou o corpo morto que caiu do lado de fora do quarto e se aproximou de mim, exatamente como eu tinha imaginado, mas seu toque em meu rosto foi áspero e asqueroso.
Não era a primeira vez e naquele momento soube que não seria a última. Ele saiu do quarto e a porta bateu, ouvir aquelas trancas se fecharem doeu muito mais do que em qualquer dia.
Me sentei na cama, eu já nem conseguia mais chorar. Não sabia quando teria outra chance de ao menos tentar fugir, então precisava começar cedo. Jogar bilhetes pela janela não resolveu, meu pai colocou uma rede de pegava tudo o que caía daquele pequeno espaço que o vidro abria, assim como quebrar o vidro para pular também se mostrou ineficaz, mal tinha espaço para minha cabeça.
Fingir ficar doente, quando meu pai trouxe um médico que foi executado depois de me tratar. Gritar, implorar, ficar sem comer, sem banho, sem água. Nada funcionava. Nem mesmo partir para o coração mole dos poucos subordinados de meu pai que sabiam da minha existência.
Mas tinha que ter uma saída. O que os livros me mostravam era que coisas absurdas aconteciam, mas o herói sempre dava um jeito de tudo dar certo no final. Eu precisava ser a heroína da minha própria história, porque ninguém viria me salvar.
Só me trouxeram comida no dia seguinte, me levantei e como protesto, peguei a faca da bandeja e mesmo que ela não fosse afiada o suficiente, a usei para cortar as mechas longas do meu cabelo. Não foram cortes precisos, apenas peguei pequenas mechas e segurei em arco para então passar a faca partindo os fios.
Ainda assim, dias se passaram até que algo realmente acontecesse. Meu pai entrou no quarto com passos firmes.
- As coisas que você me obriga a fazer - seus olhos se encheram de água.
Pela porta um homem grande entrou empurrando uma caixa de madeira, a primeira coisa que pensei foi em como eu iria caminhar pelo quarto com aquela coisa ali dentro, demorei alguns segundos para perceber que ela era o suficiente para suportar minha altura e largura do meu quadril.
- Não, pai. Não.
- Você pediu por isso, Charlie - ele agarrou meu pulso, eu lutei, me debati, bravejei com toda a força que meus 156 centímetros permitiam, mas eu tinha apenas quatorze anos, contra dois homens adultos e maus.
Fui jogada para dentro da caixa, algo duro bateu na minha lombar me fazendo gritar de dor, então meu pai tirou o objeto e o prendeu em torno da minha cintura, era frio. O outro homem saiu do quarto sem expressar o mínimo de emoção.
- Eu odeio você - cuspi as palavras com toda a raiva em meu peito.
- Um dia, você vai entender - ele se afastou e olhou para mim ali dentro - você é preciosa demais para esse mundo, Charlie.
Ele bateu a porta do caixão enquanto eu gritava e ouvi mais uma vez cadeados serem trancados, bem mais perto dessa vez, em poucos segundos tudo estava escuro e silencioso, nos dias, meses e anos que se passaram, não existiu um só dia que eu não o quisesse morto, sete anos depois, Luke me deu isso.
***
Pov Luke
O interior espaçoso do meu Land Rover preto estacionado em frente a fábrica têxtil desativada, havia se tornado sufocante nos últimos cinco minutos, tudo piorava com a comitiva de homens armados com metralhadoras e canhões automáticos que cercavam o carro e mais alguns posicionados no telhado e no final da rua sem saída.
Spooky apertou a escuta em sua orelha, inclinando o rosto para o lado do vidro a fim de ouvir melhor, ao voltar ele tinha péssimas notícias.
- Mais dez minutos - suas palavras secas me desanimaram ainda mais.
Deitei a cabeça para trás até encostar no banco, ninguém do lado de fora conseguiria me ver vulnerável com o insulfilm negro que cobriam todos os vidros, meus olhos se distraíram com os clarões nas janelas quebradas, luzes que acompanhavam o som dos tiros de revólveres e Ak-47, os fuzis de assalto eram dos meus homens, as pistolas da quadrilha de menor poder não tinham a menor chance.
Dez minutos de pensamentos corroendo minha sanidade, dez minutos de desespero interno sufocados pela natureza da minha profissão. Dez minutos até que a porta do carro abrisse e eu pudesse assumir a máscara de assassino de aluguel bem sucedido, com um senso de humor mórbido e uma crueldade sem limites.
- Está limpo - Spooky saiu do carro e deu a volta no SUV até parar ao lado da minha porta. Desci com calma, a falta de pressa fazia parte do personagem, andei com confiança até a entrada da fábrica que teve seu portão de ferro aberto pelo lado de dentro.
O galpão já deixava claro para que fim aquele local era utilizado, à esquerda estavam as mesas compridas com balanças de precisão e embalagens, além de montes de coca, crack e maconha. Nada glamuroso, apenas mais um traficante de drogas sujo.
Sim, é verdade, eu mato por dinheiro, criei um império assim e quase não preciso colocar a mão na massa, meus subordinados fazem o serviço. Apesar de assassinato por encomenda ainda ser minha especialidade, aos poucos tomei conta de várias atividades ilícitas na cidade, incluindo tráfico, mas nunca concordei em como esse lixo é vendido para qualquer um, homem, mulher, criança... esse último é o que mais me incomoda.
À direita uma sala improvisada, provavelmente onde os capangas se juntavam para foder as mentes com a droga. Sofás tirados do lixo circulavam caixotes com todo tipo de substância.
Um corpo foi tirado de uma cadeira de ferro marcada com bala e pólvora, para que eu me sentasse, endireitei o terno mesmo que ele estivesse perfeitamente alinhado. Sentei e dobrei uma perna sobre a outra. Só então virei meus olhos para o único homem, além dos meus, que estava vivo.
O porco havia apanhado, seu olho direito inchado e roxo quase não abria e tinha mais sangue em sua camisa que nos machucados, provavelmente a garganta estava cheia desse líquido vermelho.
Fiz sinal para que o troglodita que o segurava se aproximasse, o porco foi arrastado até próximo a mim, ele sabia que havia perdido, seria torturado e morto sem piedade alguma. Só isso já era suficiente para fazer qualquer um chorar, mas o filho da puta estava aguentando bem. Assim que foi colocado de joelhos na minha frente, ele cuspiu, respingando sangue nos meus joelhos. Ignorei a malcriação, o troco viria logo.
- Saqueiem tudo, armas, equipamento tático, dinheiro - dei a ordem a esmo, servia para todos que não estavam ocupados com a guarda.
Pela primeira vez o porco se agitou sob a mão pesada do meu homem, quando os outros começaram a derrubar tudo, a intenção era mais bagunçar do que roubar.
- O que quer que façamos com a droga?
- Jogue na lixeira e ateie fogo - abri os botões do terno devagar e de dentro dele tirei uma faca tratorada que fiz dançar nos meus dedos enquanto me inclinava em direção ao porco - vamos começar? - pedi como quem convida para dançar.
- O que eles estão fazendo? - o homem cuspiu as palavras que saíram repletas de sangue de sua boca e meneou a cabeça em direção a escada modular.
- Que tal esquecer o que eles estão levando e se concentrar em me dizer alguns nomes.
- Nomes - ele forçou o riso o que me fez sorrir também, eles sempre pareciam confiantes no começo - como se eu soubesse quem me pagou.
- Nesse caso, vamos começar com o que eles te pagaram para fazer?
- Comer a sua mãe.
- Ah, leitãozinho - meu sorriso cresceu - você está me dando exatamente a diversão que eu procuro.
Sem que eu precisasse falar ou gesticular, o troglodita colocou a mão do homem sobre um dos caixotes e segurou firme, ele tentou se soltar, mas foi inútil, rodei a faca mais uma vez e a deixei com a ponta para baixo e comecei a cantar.
Aquela encenação estava começando a sufocar, queria nomes, queria informação, queria achar quem foi o verme que teve coragem de matar o meu irmão e agora estava galgando um lugar que conquistei ao longo dos últimos quinze anos. Apesar disso, eu não podia me despir da máscara, embora ninguém que eu não quisesse fosse sair vivo dali, nem todos os homens que trabalhavam para mim eram de extrema confiança.
- Oh, I have all my fingers, the knife goes chop, chop, chop. If I miss the spaces in between, my fingers will come off - a cada palavra a faca batia com força entre os dedos, ao final do verso inclinei a lâmina para baixo arrancando o dedo médio com uma precisão cirúrgica.
Aquele grito fez eu me sentir vivo.
- Sigilo... eles pediram sigilo - ele berrou.
- Eles? Estamos chegando em algum lugar - eu brinquei.
- É modo de falar, seu filho da puta. Já disse que não sei quem são.
Um alvoroço começou no andar de cima, olhei primeiro para Spooky que se colocou em ação, se dirigindo à escada com passos pesados. Endireitei o corpo e acompanhei meu braço direito com o olhar enquanto ele andava sem pressa pelo local, eu estava louco para ir embora daquele lugar, a última coisa que eu queria era mais problema
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