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Passado
— Sou o mais forte. Posso fazer isso, pai! – Christopher, meu irmão
mais velho, se voluntariou para cortar lenha.
Nossa família havia decidido passar as férias de verão em uma casa
de campo, com o intuito de nos divertimos, mas parecia que eu era o único
que não encontrava graça naquele calor infernal misturado ao cheiro de mato
e cocô de cavalo que transpirava dos cantos daquele lugar.
Nada contra a vida campestre. Porém, eu adorava a cidade grande e
todas as facilidades que ela proporcionava. Confesso que até sentia falta das
aulas na escola – eram muito mais interessantes que cortar o tronco de árvore
para brincarmos de acender a lareira à noite, quando a temperatura
despencava bruscamente.
A verdade era que havia lenha o bastante para o mês inteiro
armazenada nos cestos de verga na sede. Mas o sr. Carl Simmons, meu pai,
desde que eu e meu irmão crescemos o suficiente para compreendermos
sobre ensinamentos de vida, fazia questão de tirar um tempo em sua agenda
congestionada e nos levar para fazer as mesmas atividades que praticou com
nosso falecido avô no passado. Tudo para que no futuro nos tornássemos
homens dignos de todo o império que ele próprio construiu a duras penas.
Com todas essas lições que queria nos passar, desconfiava que meu pai
viraria palestrante quando se aposentasse dos Negócios.
— Não, papa! Eu! Eu! Eu sou mais forte! — a pequena Sienna dizia,
pulando no colo de nosso pai, que gargalhou com o pedido ousado de minha
irmãzinha.
Minha mãe segurou Sienna e a repreendeu com doçura:
— Você é muito pequena, meu amor. E também essas atividades não
combinam com uma donzela feito você.
A garotinha cruzou os braços e enfezou o rosto, com um bico enorme
nos lábios.
O fato era que, dentre os três filhos que minha mãe tivera, a mais
nova ironicamente tinha o gênio mais forte.
Já Christopher, assim como eu, era mais reservado, tranquilo. No
entanto, admito que na infância costumávamos ser mais ariscos, mas isso
mudou com o passar do tempo e agora temos mais juízo do que mais da
metade dos adolescentes esfuziantes da nossa escola.
Meu pai se aproximou e fez cócegas na barriga da minha irmã, que
soltou uma risada engraçada.
— Ao voltarmos à sede, prometo que pensarei em algo divertido para
você, princesinha.
— Promete, papa? — Os olhos dela brilharam.
— Prometo! — ele afirmou e se virou para me procurar. — Mas
agora o seu irmão cortará a lenha. Não queremos passar frio à noite, não é
mesmo, Brandon?
Christopher sorriu pela expressão de insatisfação que deixei escapar
em rosto e logo tratei de desfazê-la.
Sabia como aquilo era importante para o meu pai, por isso não
retruquei.
— Claro!
Levantei do assento e caminhei em direção a Christopher, que me
entregou o machado.
— Manda ver! — Christopher sussurrou.
Sob os olhares atentos de nosso pai, posicionei uma tora em cima do
tronco que servia de apoio e afastei meu corpo para trás. Com atenção,
calculei o diâmetro, demorando mais alguns segundos do que Christopher
levava para cravar a lâmina do machado na madeira.
Escutei os comentários de minha mãe atrás de mim.
— Frio. Estrategista. E com uma ótima... – respirei fundo, levantei o
machado e rachei a tora. — E com uma ótima pontaria — ela completou,
orgulhosa.
— Caramba! – Christopher exclamou, pegando os pedaços lenhas que
caíram no chão. — Mais simétrico do que isso, só os lados de uma bola de
basquete. Mandou mais que bem, cara! — Christopher sorriu e deixou alguns
tapinhas nas minhas costas, enquanto eu ouvia o comentário do minha mãe
para o meu pai.
— Parece que estamos diante de um ótimo sucessor, Carl.
— Besteira, querida! Christopher é o mais velho, estou preparando ele
para isso.
Minha mãe soltou um suspiro demorado e disse por fim:
— Independentemente de quem vai liderar o conglomerado, temos
duas boas opções, meu bem. Criamos bem nossos meninos. Tenho certeza de
que estamos diante de futuros grandes homens.
CAPÍTULO 1
Chicago
— Coitadas! Devem estar completamente arrasadas. — O comentário
em tom de pesar, ainda que tivesse sido proferido baixinho por alguém,
chegou aos meus ouvidos quando fui abraçada por Charlotte, minha irmã
mais nova. Ela chorava incessantemente no funeral de nosso pai.
Embora eu vivesse o auge dos meus vinte e poucos anos e minha irmã
tivesse acabado de alcançar os dezenove, para os amigos da minha família
ainda continuávamos a ser as garotinhas de Tom Davies, meu pai.
Observei minha mãe, que estava imóvel ao nosso lado. Talvez
estivesse ainda em choque devido à rapidez com que as coisas aconteceram.
Nunca imaginamos que papai fosse embora tão cedo, tampouco que
sofreria um mal súbito ao sair de casa pela manhã e nos deixaria sem chance
de despedidas.
Apertei os lábios, sentindo um gosto amargo na boca, e voltei a
assistir o caixão baixar no túmulo. Uma enorme coroa de flores foi posta
sobre o amontoado de terra.
Logo um pingo rechonchudo d’água atingiu minha testa, me levando
a olhar para o céu nublado.
Encarei a chuva iminente e não demorou muito para que algumas
pessoas abrissem seus guarda-chuvas pretos e outras saíssem correndo em
busca de abrigo.
— Temos que ir, mãe. — sussurrei para a senhora de cabelos negros
iguais aos meus.
Por um momento, pensei que ela não tivesse escutado, pois não me
respondeu de imediato. Porém, depois de algum tempo, ela aquiesceu.
— Claro. Temos que ir.
— Vamos, Charlotte — murmurei, afagando os cabelos de minha
irmã.
— Eu não quero ir, Tara. Vamos ficar mais um pouco. — ela
respondeu, me apertando, ainda em lágrimas.
Apesar da minha irmã estar no segundo ano da universidade, ela não
aparentava ter a idade que tinha. Era uma menina doce e extremamente
sensível. Muitas vezes, suas atitudes me levavam a pensar que ela era uma
criança de pernas longas.
— Para de bobagem, está chovendo. Se não sairmos daqui,
certamente adoeceremos. Não é isso que você quer, não é mesmo?
Ela me soltou imediatamente, limpando as lágrimas com o antebraço.
— Claro que não. — Ela fungou. Partiu meu coração a ver naquele
estado, como se meu coração ainda estivesse em condições de ser golpeado
naquele dia.
Corremos pela grama viçosa, alcançando o carro de nossa família.
Antes mesmo de abrir a porta do carona, notei os homens corpulentos
parados debaixo da chuva, ao lado de uma caminhonete preta.
Talvez fossem pessoas que estivessem ali à espera de um próximo
sepultamento ou simplesmente conheciam meu pai e haviam se atrasado.
Seja lá quem aqueles homens eram, isso não ocupou minha mente por
muito tempo, pois tudo estava nebuloso demais dentro de mim.
A verdade era que ninguém está preparado para perder alguém que se
ama, disso eu sei. Mas, perder meu pai naquele momento, foi como se
tivessem tirado o pilar basilar da nossa família. Uma perda irreparável. Eu
ainda não tinha a mínima noção do quão devastador aquilo ainda poderia se
tornar em nossas vidas.
Minutos depois
— Que carros são esses? Estamos esperando alguém, mãe? —
perguntei, estranhando os veículos pretos estacionados em frente à nossa
garagem. Por sinal, um deles, a caminhonete preta, muito se assemelhava à
que eu vi mais cedo no cemitério.
— Não sei. Talvez devam ser os amigos de seu pai querendo notícias
— mamãe respondeu, parando logo atrás e destravando o cinto.
Papai foi o tipo de homem que fizera muitas amizades em vida,
principalmente antes de perder sua empresa para as dívidas.
Me lembro como se fosse ontem de nossa casa cheia de homens de
ternos caros e mulheres de vestidos fabulosos. Também me lembro do cheiro
forte de charutos cubanos que vinha do escritório que ficava no primeiro
andar. Um estilo de vida não muito distante da nossa atual realidade, com a
diferença de que agora estávamos falidos e apenas nos esforçávamos para
manter as aparências.
Saímos do carro e atravessamos o jardim, sendo surpreendidas por um
senhor de preto sentado no banquinho de madeira em nossa varanda.
Acompanhado de dois armários em forma de gente.
O senhor tinha cabelos grisalhos, corpo forte e alto e uma acentuada
proeminência no local da barriga. A pele do rosto sapecado pelo sol parecia
ser coberta por uma camada oleosa de sebo, contrastando com os olhos azuis
cinzentos, quase brancos.
Ele se levantou, encarando minha mãe.
— Gilbert? — mamãe disse em um fio de voz, como se tivesse visto o
próprio diabo em pessoa.
— Eleanor! — Ele assentiu, abaixando a cabeça momentaneamente.
— Meus pêsames, minha querida.
Claramente, senti minha mãe ficar desconfortável ao meu lado,
enquanto Charlotte perguntava baixinho em meu ouvido:
— Sabe quem é?
— Não tenho a mínima ideia. — sussurrei de volta.
O olhar do velho desviou para minha direção, como se estivesse
ansioso por isso. Ele desceu os olhos pelo meu corpo, descaradamente, me
embrulhando o estômago, e suspirou pesadamente. Perguntou:
— Então essa é a famosa Tara? — Pela primeira vez em meses, tive a
impressão que a palavra “famosa” endereçada a mim não fazia referência aos
meus 200 mil de seguidores nas redes sociais.
— Sim. Essa é minha filha mais velha, Tara. Com o que posso ajudá-
lo, Gilbert? — A forma demasiadamente solícita que mamãe tratava aquele
homem me assustava.
— Não vai me convidar para entrar?
Mamãe nos olhou com receio, com os ombros tensos. Quase gritei
para ela que o despachasse, porém ela assentiu.
— Claro. Vamos entrando — ela disse, dando um passo em direção à
porta principal.
Fiquei paralisada onde me encontrava e o homem se virou para me
perguntar:
— Não vai entrar, boneca?
— Meu nome não é boneca. — grunhi. — Não sei se vou entrar ou
não. Por que isso seria da sua conta? — rebati e assisti seus olhos queimarem.
— Filha, por favor, entre. — minha mãe interveio.
Raramente minha mãe me chamava de “filha”, pois ela era do tipo
que não se expressava com afeto, e isso me fez estranhar a situação. — Por
favor, Tara. — ela repetiu, quase rogando.
Não sei por que concordei em entrar, mas o fiz, me rendendo ao
pedido apreensivo dela.
— Tudo bem.
Ela suspirou.
Dei alguns passos em direção à sala, sendo acompanhada por
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