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Cartas Para Thomas

Cartas Para Thomas

Larimerica

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Capítulo

SE APAIXONAR POR SUA MELHOR AMIGA não estava nos planos de Thomas até o exato momento em que conheceu Isabelle. Entretanto, foi o que aconteceu. Numa tarde de terça-feira de um dia comum aos doze anos de idade ele entendeu que o que sentia por aquela menina tão tímida era amor. Todos os anos no aniversário de Isabelle Thomas lhe escreve uma caprichosa carta felicitando-a e declarando o quão é grato pela amizade de ambos, mesmo nunca recebendo uma em troca. Fora assim dos seus dez até os dezessete anos de idade. Contudo, mesmo sabendo que o que sentia por ela ia muito além da relação amistosa que tinham, nunca conseguira se declarar, imaginando que seria repudiado caso algum dia acontecesse. Afinal, Isabelle confiava todos os seus maiores segredos a Thomas e em nenhum deles havia uma confissão de amor. Porém, todos os anos Isabelle também escrevia uma para ele apesar de nunca as enviar, pois sentia-se temerosa de todos os sentimentos que essas cartas passariam para Thomas. Um dia, quando Isabelle menos espera, aos dezessete anos Thomas se declara para ela, e finalmente entende que a relação de amizade entre os dois estava a um passo de se tornar o amor mais bonito que ambos viveriam em toda a sua vida. Mas nem tudo são flores e o que parecia perfeito de repente desmorona. Após algum tempo do amor entre os dois desabrochar acontece algo inexplicável: Thomas e sua família desaparecem da noite para o dia, deixando apenas uma carta nos correios de Isabelle e só reaparece oito anos depois. Que sentimentos Isabelle teria então com relação ao seu ex melhor amigo e amor agora? Ela o perdoará por ter partido? O que será que aconteceu com sua família para desaparecer tão de repente? "E, depois disso concluo que o amor nasce, cresce e... ...e se vai."

Capítulo 1 Prólogo e Capítulo 1: Procurando Ajuda

Prólogo

○○○

Um dia da caça, o outro do caçador. Eu odeio essa frase, mas Daniel a usa com grande frequência e, nesse dia não poderia ser diferente.

Estou olhando diretamente para o espelho gigantesco no salão em meu dia de noiva e pensando no vestido pendurado na arara. O escolhi de última hora e confesso que nada nele me lembra daquela Isabelle que um dia sonhou em se casar. Porém, o que deveria fazer?

Este não era o meu casamento dos sonhos. Aquele que me espera no altar não é o homem que escolhi passar o resto dos meus dias, mas sim o que a vida me reservou e me forçou a aceitar.

Entretanto, se eu pudesse escolher...

Primeiro: eu não me casaria numa igreja. Sempre quis uma cerimônia ao ar livre.

Segundo: seria no final da tarde, não durante a noite. Mas Daniel e eu marcamos para as oito.

Terceiro: eu usaria um vestido de princesa, não me importo se está fora de moda ou não, ou se combinaria com o ambiente.

E, por último, mas o mais importante: o homem que estaria me aguardando no altar, provavelmente chorando até a última gota do seu ser, seria outro. Seria Thomas, meu primeiro e único amor, meu melhor amigo.

Contudo aqui estou prestes a me casar. Nada do que eu sonhei um dia aconteceu, porém seguirei firme, pois faço isso por ele.

Estou aqui por causa dele. Thomas. É ele que me importa. E eu o protegerei com a minha vida até o fim.

Capítulo 1

Checo as horas pela terceira vez no relógio pendurado na parede branca acima da cabeça da recepcionista. São oito e trinta e cinco da manhã e minha sessão começa em vinte e cinco minutos.

Sou uma garota muito ansiosa. Perdão, mulher. Completei vinte e seis anos de idade a pouco mais de um mês e meio, mas ainda não me acostumei com o tempo corrido entre os dezoito e o agora.

Pra alguém que convive diariamente com a ansiedade é um pouco contraditório, eu sei, mas os dias que se passaram até aqui foram divididos em três etapas com mais ou menos a mesma duração. Criança, adolescência e a vida adulta, sendo uma delas a principal causadora das minhas noites de insônia.

Logo terei de me lembrar do porquê e explicar para a psicóloga que escolhi compartilhar o que tanto me aflige, então tento esquecer pelos próximos minutos para que vim.

Estive a ponto de abandonar a clínica três vezes desde o segundo em que coloquei meus pés aqui. Simplesmente acho que não conseguirei falar. Eu quase nunca consigo. Num dado momento entre uma palavra e outra meu peito dói, minha garganta se fecha e me vejo debulhada em lágrimas e soluços infindáveis.

Todavia, eu preciso encerrar esse ciclo. Me tornar a mulher que tanto sonhei um dia em ser, e essa mulher é madura o suficiente para conversar com alguém sem deixar os sentimentos confusos e controversos atrapalharem no meio do caminho. Essa mulher é segura de si e não deixa que os outros pensem que ela é frágil, pelo contrário.

E eu sei que estou a um passo de me tornar essa figura incrível que tanto desejo ser. Porém, existe um assunto que sempre me pega desprevenida e faz eu me trancar num refúgio interno no fundo da minha alma praticamente inalcançável.

Só existiu em toda a minha vida uma pessoa que conseguia me arrancar de lá, mas essa pessoa é o meu motivo de estar aqui hoje...

Tento espantar meus pensamentos antes que recomece a tremer a pernas ou bater os pés em ritmo frenético no chão. Geralmente eu preciso ensaiar o que vou dizer aos outros, mas desta vez resolvi que deixaria fluir naturalmente. Tenho tendência a ser tagarela, ou o contrário – é sempre oito ou oitenta, atualmente não tenho meio termo.

Pego o celular e checo se tem mensagens. Nenhuma. Meu círculo de amizades é pequeno por escolha minha, não trabalho aos sábados, por isso sem perturbações nos fins de semana da empresa, e meu namorado provavelmente está dormindo depois de chegar da sua viagem de negócios nesta madrugada.

Daniel trocou a foto do perfil do aplicativo de mensagens para uma nossa em que estamos nos beijando. Admiro-a por um instante e me lembro da sorte que é tê-lo ao meu lado. Na verdade, ele sempre foi apaixonado por mim, mas demorei um pouco a dá-lo uma chance. Mas estamos juntos a dois anos, e esse tempo parece tão curto perto de tudo o que passei ao lado de...

Fecho o aplicativo de mensagens e resolvo tentar reler um relatório que o hospital me mandou na tarde de ontem por e-mail. Novos contratados, sendo dois médicos plantonistas e um residente cardiologista.

E é nesse último que me concentro por um longo e interminável minuto.

Fecho a aba do e-mail antes de terminar de ler o relatório. Eu nunca consigo passar pelo nome dele porque sinto-me paralisar diante a inesperada surpresa que é vê-lo ali.

Vou até o filtro e pego um copo de água, mas a boca seca não se resolve apenas com o líquido. Parece faltar algo de dentro pra fora que nada tem a ver com hidratação.

- Senhorita? – A recepcionista chama a minha atenção. Ela traz uma garrafa cor de marfim consigo logo após ir até um cômodo atrás de uma porta azul. – Gostaria de um pouco de café? – Oferece.

- Não, obrigada. – Agradeço e me sento novamente. O café me traria um pouco mais de ansiedade e palpitações desreguladas em meu peito, impossíveis de serem acalmadas a menos que tenha algo que exigisse muito esforço para fazer logo após.

Faltando quinze minutos recebo uma ligação de Elisa.

"Tudo certo para hoje?" – Questiona após o bom dia e eu franzo o cenho sem entender.

- Combinamos algo? – Tento puxar a memória, mas falho.

"Marcamos de ir experimentar os vestidos, esqueceu?" – Sua voz parece um tanto eufórica.

Claro.

- Ah! – Exclamo com certo sentimento de culpa. Sou a madrinha de casamento dela, a única, na verdade. E esses compromissos deveriam ser mais do que levados a sério por mim, afinal, Elisa é minha melhor amiga. – Será que pode ser daqui a uma hora, mais ou menos? – Torço para ela não se magoar. – Estou prestes a entrar numa consulta.

"Tudo bem, não tenho mais nada para fazer hoje". – Concorda. – "Nos encontramos umas dez e meia, pode ser? Perto do atelier."

- Ótimo. – Assinto satisfeita. – Até lá.

Quando entro na sala sinto um frio no pé da barriga. Já estive em várias sessões com outras psicólogas, mas nunca por vontade própria e sim forçada pelos meus pais. Dessa vez fui eu a procurar ajuda.

Ela, uma senhora de meia idade, sorri amável quando me chama. Mostra a poltrona marrom ou o sofá visivelmente mais aconchegante de cor bege, e escolho me sentar no último. Se aconchega em frente a mim e pega um caderno, repousando-o em seu colo com uma caneta a postos. Sua roupa confortável, seu calçado baixo e ambiente com luz natural, velas, vasos de flores e escolha de tons verde na madeira da mobília me diz muito sobre ela.

Seu nome é Janine Fletcher, e as únicas rugas que vejo em seu rosto é o do seu sorriso. Como boa observadora, vejo que ela tenta passar ao máximo para seus clientes uma imagem confiável e reconfortante.

- Seja bem-vinda, senhorita Brites. – Sua voz cai em meus ouvidos suave como plumas. – Eu sou Janine. No que posso ajudá-la hoje?

Em todas as profissionais que fui foi assim. Elas sempre começam com essa pergunta e eu me sinto perdida na resposta – principalmente porque na maioria das vezes eu não queria ajuda de ninguém.

- Não sei explicar exatamente. – Respondi com sinceridade, dando de ombros.

- Por que está aqui? – Questionou novamente. – Qual o motivo pelo qual quis procurar alguém para desabafar?

Isso estava sendo muito direto para mim.

- Não sei, eu... queria conversar com uma pessoa que não tivesse ainda ouvido tudo o que tenho passado. Ou que soubesse de tudo e tomasse partido. Alguém novo, que tenha um ponto de vista diferente dos outros. Mas eu não sei como falar sobre isso. Na verdade, precisarei de muitas sessões para contar.

- Tudo bem. – Continuou ela, notando que eu não conseguia dar uma resposta simples e breve. – Vamos recomeçar. Por que não fala um pouco sobre você?

Suspirei antes que o turbilhão de pensamentos tomasse conta de mim. Quem eu era? Existia tantas versões da mesma Isabelle que eu simplesmente não conseguia responder logo de cara.

E a única vez em que ouvi alguém falar sobre quem eu era pela sua visão quase me derreti. Não de vergonha, nem de amores, mas com uma admiração surreal pelo quão extraordinário o ponto de vista dele era sobre mim.

- Meu nome é Isabelle Amy Brites, eu tenho vinte e seis anos. – Dra. Janine anotou algo em seu caderno e voltou a me encarar. – Nasci em New Blu, uma cidade que fica a mais ou menos três horas daqui. Vim para Heligtown quando faltavam uns quatro meses para completar dez anos de idade, duas semanas antes do natal. Não me lembro muito de lá, confesso. Tenho poucas memórias de New Blu, mas sei que foi uma infância tranquila.

- Noto que começou a sua apresentação indo um pouco mais longe do que a maioria das pessoas fazem. – Janine reparou. – Não precisa adiantar as coisas, claro, mas vejo que o que a incomoda traz a necessidade de ir até a infância para começar a sua narrativa.

Franzi o cenho sob a sua perspectiva correta. Ela era objetiva, não fazia rodeios, mas eu precisava de paciência para contar a minha história.

- Sim, e é uma longa jornada. – Adverti. – Talvez um pouco cansativa.

- Estou aqui para ouvi-la e compreendê-la da melhor maneira possível. – Concluiu com um sorriso. – Não veja minhas observações como afobação. Apenas peço que concorde ou não com minha análise de vez em quando acerca do que me conta, isso ajudará bastante.

- Certo.

- Continue, por favor. Veio de New Blu, então. Não tem muitas memórias, mas lembra que foi tranquilo. E essa vinda para cá? Afetou em algo, imagino.

- Não exatamente. – Adverti. – Não demorou muito para me habituar à cidade em si. Todavia, me senti só por um curto período de tempo. Uns três meses e meio, mais ou menos. Afinal, meus primos e colegas da escola ficaram para trás.

- Certo. Então, sem sentimentos amargurados pela mudança repentina de ambiente. – Concluiu ela com voz pacífica. – Bom, bom. Normalmente crianças tendem a sofrer com baixo desempenho escolar após a troca de escola. Foi o seu caso?

- Eu nunca fui mal na grade escolar. – Sorri um pouco nervosa. Minhas mãos começaram a suar e percebi alguns dedos tremerem. – Na verdade eu... tinha um amigo que sempre estudou comigo. O que eu não entendia ele me ensinava e vice-versa. Foi assim da quarta série até o último grau. E ele era o meu melhor amigo.

- E qual o nome desse amigo?

Suspirei e fechei os olhos antes de responder. Engoli em seco e senti a garganta apertar, mas eu não deixaria que aquele sentimento amargurado tomasse conta de mim antes mesmo que eu pudesse falar algo sobre. Dessa vez eu iria continuar, e iria até o fim.

- Thomas. – Encarei a psicóloga com um pouco de dificuldade. Estava estampado em meu rosto que o problema que havia me levado até aquela sessão era relacionado a ele. – O nome dele é Thomas.

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