Eu tu ele

— Então, acho que vocês devem saber o que é ménage — disse Rafael depois de olhar para a minha esposa. Houve uma pausa dramática e, então, juro por Deus, eu me lembro de ter visto o safado morder os lábios antes de beber um pouco mais do vinho que dormia em sua taça. Com a garganta molhada, ele continuou: — Foi mais ou menos assim que Ana Beatriz e eu nos separamos.

— Você levou aquela ninfeta pra fazer um ménage? — minha mulher perguntou.

— Se um vizinho ouve isso me denuncia pra polícia — Balançou a cabeça e riu. — Ela já tinha vinte e três anos. Quase vinte e quatro. Tem, na verdade. Tá viva.

— Só pouco mais de uma década de diferença de idade — disse Aline olhando para mim.

— Explica isso direito — me dirigi ao meu primo olhando para a minha taça vazia.

— Acabou o seu vinho, né? Tem mais lá dentro, calma, vou lá pe…

— Não, não — Aline o interrompeu. — Termina de me contar essa história. Anda. Tô curiosa.

Rafael sorriu sem mostrar os dentes.

— Tá ficando frio, vocês não acham? — desconversou ele. Acompanhamos o olhar de nosso anfitrião. A vista da sacada do casarão era de tirar o fôlego, mesmo à noite. A praia, o céu estrelado, os velhinhos caminhando pela orla com seus cachorros, casais adolescentes apaixonados se beijando aqui e ali. Era lindo.

— É o vento — minha esposa resmungou.

— Pra sala, então? — Rafael estendeu o braço em direção à porta chique de correr a alguns passos de nós.

Depois de abrir a segunda (ou terceira?) taça de vinho da noite (ainda era cedo), Rafael sentou-se em sua poltrona marrom, bem chique, e Aline e eu nos sentamos de frente para ele no sofá escuro e macio de três lugares. A decoração rústica da casa de praia dava um ar cinematográfico ao local, o que torna tudo mais atrativo e divertido agora, contando como tudo aconteceu.

O lustre de luz amarela deixava o local bem aconchegante, e os quadros da parede o complementavam de uma maneira bem chique - eu me senti dentro de um filme Hollywoodiano dos anos 60, e aposto que Aline também, já que sempre amou extravagâncias no geral. Ela é assim, exagerada em absolutamente tudo. Para ela não existe meio termo, ou é oito ou oitenta, como dizem. Se ela bebe, ela bebe pra valer. Quando fuma, dois maços nunca são o suficiente. Sexo? Bom, não é à toa que eu costumo dividi-la com outros homens. Nem é uma vergonha assumir que não dou conta de Aline, pois tenho certeza de que nenhum homem daria. Sem exagero.

— Então, vocês fizeram um ménage e… — Aline disse logo após de degustar o aperitivo estranho que Rafael resolveu servir antes do jantar. Não me lembro do nome, mas o gosto era horroroso. Apesar disso, ela fez aquele“hmmm" depois da mastigada, claro. Fez a fina, ou pelo menos tentou fingir que já tinha comido aquilo antes.

— Ah, sim, verdade, o ménage. Essa palavra é meio constrangedora, não acham?

Peguei o aperitivo de cor alaranjada pela ponta do palito espetado em seu centro e o encarei friamente, fingindo estar super interessado naquela comida ruim. Tudo para não gargalhar na cara do meu primo. Ele não fazia ideia de quem éramos. De quem Aline era.

— Você tá me enrolando — Aline riu para ele, e eu a encarei firme. Ela estava sendo totalmente indiscreta, isso porque só estávamos na segunda (ou terceira, realmente não me lembro) garrafa de vinho dividia para três pessoas.

— Não, não… É que não tem muito o que contar. Ela meio que descobriu que não é monogâmica depois disso. Monogâmica. Os jovens adoram essa palavra. Enfim, ela queria ficar com outros caras. Uma mulher pra apimentar a relação? Tudo bem. Agora, um cara? Por quê? O meu… — Fez uma pausa para rir, depois acabou bebericando um pouco de sua taça. Rafael quase saiu do personagem fino e rico. — Eu não sou suficiente?

— Então além de ser careta, você é machista? — Aline deixou a taça sobre a mesa de centro (grande, de madeira, chique como todos os cômodos da casa) entre nós e Rafael.

— Pode me chamar de machista. Mas você tem que entender que eu não queria outra mulher. Não quero. Eu sou homem à moda antiga, entendeu? Uma mulher é o suficiente. Uma mulher só.

Aline não conteve o riso. Nem eu.

— Homem à moda antiga é o que tem uma esposa e uma amante, no mínimo.

— Nem todos os homens são assim, amor — retruquei. — Ou você acha que eu tenho uma amante por aí?

— Nem todos os homens. Ah, pelo amor de Deus, Marcos — Aline, entre gargalhadas, repetiu minha frase com uma entonação infantil. — Gente, essa é o quê? A minha terceira taça? Que vinho é esse, meu Deus?

— Ah, é um nacional mesmo. 2005. Nada demais. Os meus vinhos mais especiais ficam na minha casa, me desculpem. Mas esse tá longe de ser ruim. Gosto bastante.