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A garota e o tigre

A garota e o tigre

Jéssica Amaral

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Leituras
29
Capítulo

July é uma garota sonhadora e corajosa, que vive em um mundo completamente controlador, com guerras, disputas e falta de amor ao próximo. Não há mais salvação para a Terra. Mas July acredita que tudo pode melhorar. E de fato, pode, mas não da forma que a garota imagina. Adriel acaba aparecendo na Terra depois de ficar curioso com um portal e passar por ele. Lá ele conhece July e fica encantado por ela. É a única que não se importa por ele ser diferente. O garoto a leva para seu mundo e lá ela descobre outro tipo de vida, com fadas e animais mágicos, que a encantam. Mas o principal de todos, é o tigre branco, que ela sonhava enquanto morava na Terra e Adriel afirmou ser real e viver naquele lugar. July não vê a hora de encontrá-lo.

Capítulo 1 Primeiro

July é uma garota curiosa, meiga e de personalidade forte. A menina de dezesseis anos, ainda tinha fé na humanidade. Em um mundo onde o amor está sendo extinto, é difícil acreditar que ainda exista alguém que se preocupa e cuida. Principalmente agora que todos só sabem olhar para si mesmos, mas ela acredita que um dia alguém provará que não é do jeito que todos pensam.

Seus pais falavam para ela que a época de acreditar em contos de fadas já tinha passado há muito tempo e que não deveria dizer essas coisas para as pessoas, mas July não ligava e adorava dizer que um dia eles iriam enfim acreditar nela. Só que sempre que dizia isso, o sermão só aumentava e ela acabava desistindo para não brigar. Mesmo os pais falando que ela era infantil demais para a idade, ela os amava muito.

Era de fato uma garota sonhadora, mas o que são os homens sem sonhos? Talvez o que todos esses se tornaram, seja a prova de que se não se sonha, não é feliz, ou quase isso.

A menina andava pela rua com sua mochila nas costas. Usava uma camisa branca com um brasão estampado no lado esquerdo do peito, também uma saia azul marinho até os joelhos, meias brancas bem longas e sapatilhas pretas. Uma boina também azul marinho cobria uma parte de seu cabelo castanho. Era o uniforme da escola. Nunca foi uma garota estudiosa, mas era obrigada a ir à escola. Pelo menos ainda tinha ensino nesse mundo. Se bem que por ela poderia não ter.

— Cheguei — avisou assim que entrou em casa. Não teve resposta.

Deixou sua mochila em cima do sofá e procurou seus pais pela casa, mas não tinha ninguém. Sorriu por saber que estava sozinha, ela adorava quando acontecia e isso porque podia fazer o que bem entendia.

Depois que um governante chamado Kirovs assumiu o posto de "rei do mundo", ninguém podia fazer nada sem a permissão dos "grandes". Essa história é complicada, mas logo será entendido o que aconteceu.

Resumindo um pouco: ele entrou para o governo dos EUA e tomou vários países para si, claro que não foi amigavelmente. Houve muitas mortes e até suicídios. O número de pessoas era realmente baixo agora. Quase que ele conseguiu acabar com a raça humana. Mas também aconteceram muitas catástrofes ambientais, o homem conseguiu acabar com várias estações do ano com tantas poluições, matanças e desrespeito com o ambiente que viviam e ainda vivem, sabe-se lá como. Por conta disso, só uma pequena parte do mundo ainda era habitada, pois em alguns lugares, já não era possível por causa do forte calor. Agora só tinha uma estação o ano inteiro: verão. E não pense que era um verão gostoso, onde as crianças brincavam com mangueiras e se refrescavam nas águas geladas das piscinas naturais. A água era contada e tinha épocas que ela não dava as caras, isso é, secavam as nascentes e todos tinham que racionalizar e às vezes ficar sem (o que acontecia com as famílias menos favorecidas). Era um verdadeiro inferno viver nesse mundo. Apesar de tudo isso, July ainda tinha esperanças de uma vida diferente. Por isso era a única que acreditava em um futuro melhor.

A menina foi até seu quarto e pegou uma roupa confortável para colocar. Dentro de casa também estava muito quente, mas sozinha ninguém veria que usava um short acima do joelho. Sim, até as roupas eram controladas. Alguns diziam que Kirovs era um tipo de maníaco por controle, ou só que gostava de ver o sofrimento dos outros. Ninguém, é claro, ousava ir contra o que ele dizia. Até porque os que tentaram, não estão mais no mundo para contar o que ele achou do protesto.

July se jogou na cama e pegou um caderno que guardava debaixo do colchão. Adorava desenhar e escrever as coisas que sonhava. Claro que era tudo fantasia, mas gostava de escrever e ler de novo antes de dormir. Os sonhos nunca eram iguais, mas o local, na maioria das vezes, sim. Ela até poderia estar grande para sonhar com essas coisas, mas o que tem de mau se ninguém sabe de nada, não é? É um segredo só dela.

Hoje sonhei com o grande tigre branco outra vez. Como sempre grande e gracioso, caminhava pelos gramados com seu andar elegante. Gosto quando ele aparece em meus sonhos, não sei porquê, mas sinto um grande amor por ele.

Estava sentada embaixo de uma árvore e o ar era realmente delicioso, fresco e com um cheiro doce que vinha até meu nariz e me fazia respirar fundo. O lugar era incrivelmente grande e eu não via nenhuma casa, somente árvores e um enorme gramado verde.

O grande tigre veio em minha direção e deitou em frente a mim. Seus olhos sorriram.

— É bom te encontrar de novo.

— Eu que fico lisonjeado.

Sorri com suas palavras. Apesar de grande e um pouco assustador, ele era muito amoroso e doce. Não vou dizer quase um gatinho, pois acho que ficaria ofendido.

Ele colocou a cabeça entre as patas, que estavam esticadas para frente. Eu sabia o que ele queria e isso me animava infinitamente! Levantei do chão e fui para seu lado, apalpei seu pelo e ele soltou um suspiro profundo. Então me aproximei e subi em suas costas. Ele não era um tigre comum, sabe? Quando se levantou, percebi que poderia estar a quase dois metros do chão. Espero que minha conta esteja errada... Se eu caísse dali ia ser feio! Ele nas quatro patas era uns cinquenta centímetros maior do que eu ou um pouco mais. Tive um pouco de dificuldade para subir nele mesmo deitado.

— Aonde vamos? — perguntei curiosa.

— Dar um passeio. Você confia em mim? — Virou sua grande cabeça para me olhar.

— Com toda a minha vida!

***

July fechou o caderno com pressa e o escondeu debaixo do colchão. Seus pais haviam chegado e ela tinha que trocar de roupa e descer. Se apressou em fazer isso e seguiu para a sala de jantar. A mesa estava arrumada, mas não era um banquete. A família dela não era a dos menos favorecidos, mas também não era a dos favorecidos, estavam no meio deles. Existiam as pessoas que trabalhavam todos os dias somente para ter o que comer e as pessoas que trabalhavam para comer e comer bem. Kirovs confiscava o que os mais pobres faziam.

July achava que era mais como há muitos e muitos anos atrás, onde as pessoas trabalhavam e não ganhavam nada, somente chicotadas se não o fizessem direito. Mas até sobre esse assunto era proibido falar. Ela só sabia dessa história porque sua avó lhe contou, vinha trazendo a antiga história durante gerações em sua família, passando de mãe para filho, mas quando chegou na mãe de July, ela disse que eram asneiras e que o mundo não poderia ter mais do que uma estação. Só que July acreditou em tudo o que sua avó contou. Queria mesmo que esses tempos de frescor e água abundante voltassem.

— Como foi a escola? — a mãe dela perguntou sem mesmo lhe dirigir o olhar, pois arrumava os pratos na mesa.

— Normal.

— E o que é normal? — foi a vez do pai perguntar.

— Bem... Não teve nada de diferente.

Os dois a olharam com expressão severa.

— Quantas vezes tenho que dizer que essa palavra é proibida?

— Desculpe, Jane — falou olhando os pés.

No novo mundo, uma coisa que Kirovs odiava eram as palavras "mãe" e "pai", então todos eram proibidos de chamar seus familiares assim.

— Vamos comer e calar a boca de uma vez — Afonso falou.

A menina suspirou e se sentou.

Depois de um tedioso jantar, foi para seu quarto e deitou na cama olhando o teto. Esperava que sonhasse mais uma vez com o tigre. Virou de lado na cama e puxou um papel de dentro da fronha do travesseiro. Era um desenho dele. A menina pintou para guardar de lembrança. A tinta ela conseguia fácil, pois na escola podia usar (pelo menos né!).

— Te vejo logo. — Guardou a pintura e fechou os olhos.

***

O dia seguinte começou com os gritos de sua mãe, falando que ia se atrasar. Como assim se atrasar? Ela tinha acabado de dormir! Pelo menos sentia como se tivesse. Levantou sem vontade e colocou aquele maldito uniforme. Depois de tomar café da manhã, seguiu seu caminho. Todo dia era a mesma coisa, sua mãe gritando para a despertar, uniforme sufocante, caminhada matinal e estudo tedioso.

Qualquer um se sentiria terrivelmente abalado psicologicamente, mas ela não. Acreditava que um dia algo mudaria. E ela estava certa. Esse dia não foi tão igual aos outros.

Quando finalmente chegou a hora de ir para casa, July pegou suas coisas e seguiu seu caminho. Um pouco distante da escola, percebeu uma coisa diferente. Um grupo de pessoas faziam uma roda e falavam ao mesmo tempo. A menina ficou muito curiosa com aquilo e não resistiu se aproximar e ver o que tinha de tão interessante dentro daquela roda de pessoas.

Não conseguiu ver de primeira, pois não era uma menina muito alta e tinha várias pessoas na frente. Então ficou na ponta dos pés e conseguiu ver que era uma pessoa que estava no meio da roda.

— De onde você é?

— Como tem essa cor?

— Que roupas são essas?

As perguntas não paravam e todos falavam ao mesmo tempo. Já sem paciência, July se enfiou no meio das pessoas empurrando e puxando, até que conseguiu ver perfeitamente. Era um garoto. E um garoto nada comum...

Ele olhava cada rosto das pessoas com semblante assustado e não respondia a nenhuma pergunta.

— Não sabe falar?

— Você entende o que a gente diz? — July perguntou e os olhos do menino foram em sua direção.

Ele ficou paralisado olhando sem piscar, tinha os olhos tão bonitos. Azul bem claro, como o azul do céu, ou como um dia ele foi.

— Acho que ele não é normal... — uma garota cochichou com a outra.

July percebeu que todos cochichavam entre si, falando que ele devia ser doente ou um espião de Kirovs e estava ali para ver se eles seguiam à risca suas ordens.

— Melhor avisarmos as autoridades. Ele é muito esquisito! Nem parece ser daqui — um garoto disse em voz alta.

— Não precisa exagerar... — July comentou. Viu que aquilo não ia dar certo e tinha que inventar algo para não entregarem o menino aos guardas. — Eu já ouvi falar dele.

— É mesmo?

— De onde?

— Bem... Ele é filho de um vizinho meu.

— Como ele é tão branco assim? — uma menina loira e mal encarada perguntou cruzando os braços.

Por causa do sol e calor, não tinha como as pessoas serem branquinhas. Eram no mínimo moreninhas, no caso bronzeadas ou queimadas de sol.

— É que... Ele nunca saiu de casa.

— Oh! — Todos se espantaram.

— Por esse motivo eu acredito que esteja perdido por aqui. Não conhece muito a cidade...

— Por que prenderiam ele em casa?

— Eu não sei. Nem sei se prendem... — Já estava começando a ficar nervosa com a mentira e o menino não falava e nem fazia nada. Só ficava a encarando como se as outras pessoas nem estivessem ali.

— Acho que devíamos chamar as autoridades — repetiu o garoto.

— Não precisa! Vou levá-lo para casa, afinal, moramos perto.

— Claro que ele tinha que morar perto de você, July! São dois esquisitos! — a mesma garota mal encarada falou debochada.

Nessa hora o garoto olhou para ela. Tinha o semblante sério e July pensou que se não saísse dali naquele segundo, algo grave aconteceria.

Se aproximou dele e segurou sua mão. Ao fazer isso, se olharam por um momento. Engraçado... Parecia que já tinha visto esse olhar em algum lugar, mas não se lembrava onde.

— Não se preocupem. — Saiu puxando o garoto rua a fora.

Andava em passos largos, quase correndo. Não queria que ninguém seguisse ela e muito menos que vissem que levava o garoto para sua casa! Ele parecia confuso e ela queria ajudar. Sabia que se fosse pego pelos guardas, poderia até morrer, então repleta de impulso, fez o que fez.

Quando chegou na porta de casa, virou de frente para ele. Diferente dela, parecia que nem tinha andado os vinte minutos que andaram. Respirava normalmente e nem parecia transpirar.

Que bizarro...

— Vou ver se tem alguém em casa. Você espera aqui?

Ele não respondeu, só ficou olhando-a.

— Consegue me entender?

Sem resposta.

July suspirou. Ela segurou o braço dele e o colocou ao lado da casa onde os pais não iam muito.

— Por favor, fique aqui. Eu já volto. Se é que você me entende...

Como ele não respondia e nem se mexia direito, July começou a achar que poderia ter alguma doença ou que bateu a cabeça em algum lugar. Se seus pais souberem...

Se afastou dele indo em direção a porta e olhou para trás. Ele estava no mesmo lugar que ela mandou e não tirava os olhos dela. July fez sinal para ele ficar lá e entrou em casa.

— Cheguei! — Esperou resposta. — Tem alguém aí? — perguntou procurando um de seus pais e não encontrou. Ela correu para fora da casa para buscar o garoto.

Qualquer um pensaria em não fazer isso. Primeiro: pelas leis de Kirovs e seus castigos. E segundo: porque ele era um desconhecido! Quem colocaria uma pessoa que nunca viu dentro de casa? Mas July não pensou nisso, pensou em ajudá-lo.

Quando chegou no local, viu que ele estava no mesmo lugar e até na mesma posição de antes.

— Você é engraçado... Meus pais não estão. Quer entrar?

O garoto não respondeu.

— Você não sabe falar? Ou não me escuta? Não entende? Como faço para me comunicar com você? Será que você sabe ler?

O garoto nem se mexia direito e os olhos o tempo inteiro agarrados nela. July pegou um pedaço de papel e escreveu "me entende agora?". O garoto sorriu um pouco e July percebeu seus dentes tão certinhos e brancos. Por que tudo nele era branco? Até o cabelo, tão loiro que era quase branco.

— Entendeu ou não? Caramba, a gente não pode ficar aqui fora! — Segurou a mão dele e carregou para dentro sem saber se queria ou não. Era mais perigoso lá fora do que lá dentro. A menina levou o garoto até seu quarto e fechou a porta.

Pela primeira vez o alvo dos olhos dele não era ela. Estava no meio do quarto em pé e olhava as paredes e as coisas que tinha ali. July ficou em silêncio observando-o. Era bastante alto e diferente dos meninos da escola, ou qualquer um que ela já viu na vida. Usava uma camisa azul e bermuda cinza, só não sabia dizer que tipo de pano era aquele e ele estava descalço. A garota foi até sua mesa de estudos e pegou outro papel.

"Sabe escrever?"

Mostrou o papel a ele. O garoto pegou e ficou um tempo olhando o pequeno pedaço de papel. Parecia pensar.

— Olha eu sinto muito, não devia ter te puxado até aqui, mas eu só queria te ajudar. Se eles chamassem os guardas, você poderia não viver... Poderiam te torturar por ser diferente.

— O que tem o diferente?

July ficou surpresa ao ouvir a voz. Grossa, porém, suave. Fez algo em seu estômago remexer.

— Agora você fala? — perguntou com uma sobrancelha levantada.

— Desculpe — disse sorrindo.

— Por que não falou antes?

— Não deveria.

— E por que agora falou?

— Você faz muitas perguntas.

Os dois ficaram em silêncio quando ele falou isso. July um pouco sem graça e ele como sempre, mantinha o olhar penetrante sobre ela.

— Obrigado por me ajudar. Foi muito nobre da sua parte.

— Não espere isso das outras pessoas daqui.

— Eu não espero.

— Você não é daqui, é?

— Oh... Não.

— De onde você é?

Ele sorriu e então July percebeu que estava fazendo perguntas de novo. A menina olhou para o chão.

— Sou de muito longe.

— Vai voltar hoje?

Ficou um grande silêncio no quarto. July observou o rosto perfeito dele. Parecia um misto de dúvida e terror.

— Está tudo bem? Você tem onde ficar?

— Não tenho onde ficar e não vou embora hoje. Vou procurar um lugar.

— Pode ficar aqui se quiser, mas meus pais não podem nem sonhar com isso!

— Não faço barulhos.

— Eu percebi.

July já estava começando a gostar de ver o sorriso perfeito no rosto dele.

— Qual seu nome?

— Adriel.

— É um prazer te conhecer, Adriel. Meu nome é...

— July — falou antes que ela conseguisse dizer.

— Como sabe meu nome?

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