Deveria ser só mais uma entrevista de emprego, ou pelo menos uma melhor do que as dezenas de tentativas que Íris de Assis fez nos últimos meses e, por sorte, ela conseguiu se destacar. Tudo na sua vida era comum, até uma garota entrar em seu escritório e mesmo contra todos os fatos, acreditar que ela poderia ser sua nova contadora. Íris não conhece nada da vida, nunca sequer beijou alguém e recebe a missão de colocar todos esses itens em uma lista. Incomodada com o tanto de experiências que deixou de viver, propõe ao seu novo amigo uma amizade colorida e eles embarcam em uma aventura quente e deliciosa.
Esfreguei o rosto com a palma da mão, sentindo mais uma vez aquela onda de tédio me consumir.
As pessoas, incluindo minha família, vivem falando sobre as maravilhas de ser o seu próprio chefe, só não te contam que você é obrigado a dar conta de toda a parte chata do serviço.
Talvez eu devesse procurar um gerente de RH antes de um contador. Se bem que se for mais uma vez atrás dos conselhos do meu irmão mais velho, é bem capaz de ele chutar minha bunda com aqueles sapatos sociais que sempre odiei usar.
Me formei em Direito e apesar de todos acreditarem que eu assumiria o setor jurídico da empresa dos meus pais, resolvi arrumar um emprego por conta própria. Foram anos trabalhando em um escritório, sempre como o cara na média, nem o melhor, nem o pior. Até que resolvi me demitir. Uma tentativa de aplacar aquele padrão. Não queria mais estar na média, ou tudo dava certo, ou me
fodia de vez e, para ser sincero, nesse momento eu me sentia completamente fodido após dispensar mais um candidato para o cargo de contador.
A merda é que só haviam mais três profissionais na nossa lista e se os doze primeiros não me agradaram, o que seriam dos três restantes?
Eu entregaria meu sonho nas mãos de alguém. Claro que havia a possibilidade de um profissional irresponsável ferrar com o meu negócio. Precisava sentir que poderia confiar na pessoa que contrataria.
- Pode mandar entrar o próximo, Sabrina. - Apertei o botão no computador, que permitia a minha secretária me ouvir.
Uma batida discreta soou na porta e eu levantei os olhos dos últimos currículos que analisava.
- É que já está na hora do almoço e dona Clarice avisou que estava na sala de reuniões esperando pelo senhor. - Ela me informou e, pela primeira vez no dia, olhei as horas.
- Você já deveria ter ido almoçar. – Franzi o cenho ao constatar que já passava das treze horas.
- Estava só aguardando o último candidato da manhã, mas se o senhor não precisar de mais nada, vou agora. - Respondeu, alisando a saia social que usava.
- Está tudo bem, pode ir. - Liberei-a.
Sabrina era uma moça de 22 anos e estava se mostrando muito eficiente nesses dois meses de contratação, porém não largava o tratamento formal. "Doutor", "Senhor" eram reverências que eu preferia deixar para os tribunais.
Assim que fechou a porta, reuni os últimos três currículos dentro de uma pasta e segui para a sala de reuniões, onde minha
sócia me aguardava enquanto discutia ao telefone.
Sentei à sua frente e fiquei esperando acabar o sermão que dava no filho adolescente. A expressão mortal em seu rosto deixava claro que o moleque estava encrencado. Acabei rindo quando ela desligou bufando, quase batendo o celular no tampo da mesa.
- Espera só até ter seus próprios filhos, aí eu é que vou rir da sua cara. - Direcionou o ódio para mim e levantei as mãos em rendição.
-Acho que fiquei pra titio, Clarice. - Brinquei, puxando um dos pratos cobertos em minha direção.
- Que nada, daqui a pouco você faz suas próprias crianças e vou estar aqui para zombar a cada momento de desespero.
- Não tem um por cento de piedade em você, mulher.
Ela riu antes de começar a se alimentar e eu, quieto, também comecei a minha refeição. Quando nós dois terminamos, ela perguntou:
- Como vão as entrevistas?
- Horríveis. Estou quase desistindo e escolhendo no
unidunitê. [1] - Comentei e recostei na cadeira irritado.
- É brincadeira, não é?
- Claro! - Respondi de imediato, mas reconsiderei. - Talvez... - Franzi os lábios, pensativo.
- Hoje foram quantos?
- Seis esta manhã, os últimos três vêm à tarde. Entendo que somos novos no mercado e o que vamos pagar não é tão bom, mas fora os dez recém-formados que apareceram, os outros dois pareciam precisar de uma calculadora para somar dois mais dois.
Estou considerando procurar um escritório de contabilidade. Seria menos exclusivo, porém teríamos segurança.
- Olhou o perfil dos que faltam?
- Uma mulher e dois homens. O currículo da moça é interessante, apesar da pouca experiência.
- Também é recém-formada?
- Não, tem 26 anos, mas só teve um emprego que deixou há quase seis meses. O que é intrigante, pois passou pouco mais de três anos na empresa e ela que pediu as contas. Desde então, está fora do mercado.
- É... - Olhou para algo além de mim, pensativa. - Preciso ir ao tribunal esta tarde, então não vou poder te ajudar. Caso não tenha jeito, reabrimos o anúncio da vaga.
Acenei e levantei para ajudar a limpar a mesa antes de voltar para a minha sala.
Clarice era uma ótima advogada que tive o prazer de conhecer no antigo escritório. A mulher não escondia sua competência e sagacidade que ficavam nítidas em sua postura altiva. Aprendi muito com ela, que é apenas três anos mais velha do que eu, e, logo no meu primeiro ano na JF Advogados, viramos amigos.
Tinha segurança naquilo que fazia e era orgulhoso das minhas conquistas, por esse motivo não tinha vergonha alguma de admitir o quanto Clarice era melhor preparada e mais experiente do que eu, por isso formávamos um bom time.
Segui desanimado para a minha sala e, antes que perguntasse, Sabrina me passou o horário das próximas entrevistas, avisando que no meio da tarde haveria uma pessoa para atender.
Agradeci e me concentrei em separar a papelada específica para as necessidades do meu cliente, antes de receber o próximo candidato.
Não fiquei nem um pouco surpreso ao constatar que mais dois candidatos altamente despreparados passaram pela minha sala. Deveria ter especificado experiência nos requisitos, apesar de que um profissional com experiência e anos de profissão talvez não visse muita vantagem em um escritório recém-inaugurado com apenas dois advogados. Me despedi do meu cliente e, sem esperanças, cruzei as mãos em cima da mesa para aguardar a última entrevistada.
Após uma batida discreta na porta, a moça entrou. Ela olhava ao redor com olhos curiosos, o que me deu tempo para avaliá-la melhor, pois estava intrigado com sua forma. Uma camisa social larga e de mangas muito longas a vestia, combinada a uma calça também social que, apesar de não ser tão larga quanto a blusa, também não era justa. Seus cabelos estavam presos em um coque apertado no alto da cabeça e eu comecei a me perguntar se ela realmente tinha a idade que informava no currículo, já que a tensão em suas feições a deixava com a aparência mais severa.
Esperei quieto que ela me notasse e quando finalmente olhou em minha direção, seus olhos grandes e verdes estavam assustados, contudo, era impossível não admirar o impacto que causavam à primeira vista.
Prestei mais atenção em seu rosto, notando a boca rosada e o nariz empinado, mas os olhos sem dúvidas chamavam mais atenção, como se atraíssem de forma discreta e traduzissem todos os seus sentimentos, que, neste caso, parecia ser pânico.
Apesar de já ter passado por uma entrevista de emprego e ter ciência do nervosismo que é, franzi o cenho sem entender a reação da moça.
- Boa tarde! Pode se sentar, por favor? - Indiquei a cadeira à minha frente.
Com passos vacilantes e um olhar hesitante, ela sentou, mas não devolveu o cumprimento ou falou qualquer coisa que seja.
- Você deve ser a Íris de Assis Araújo. - Li o nome completo no currículo e voltei a olhar para ela, que engoliu em seco, ainda sem dizer nem uma palavra. - Está tudo bem? - Questionei.
A moça acenou com a cabeça, porém algo em sua postura não me convencia de que estivesse sendo sincera. Desci os olhos para as suas mãos, que ela apertava firme uma na outra a ponto de as articulações ficarem brancas. Algo não se encaixava ali e eu começava a ficar desconcertado com a falta de interação da mulher.
Voltei a conferir o currículo, tentando entender aquele comportamento. Talvez ela fosse surda, o que não seria um problema na empresa, mas certamente aquilo deveria estar sinalizado em algum lugar. Seria muito indelicado perguntar se ela fala?
Olhei outra vez em sua direção e agora seus olhos estavam apertados e o rosto vermelho.
- Você está passando mal? Precisa de alguma coisa? - Perguntei preocupado, pois aquilo estava quase beirando o assustador. Recebi um aceno negativo, confirmando que ela ouvia bem e não fazia apenas leitura labial.
Acionei o botão que me colocava em contato com a minha secretária para pedir ajuda.
- Sabrina, você pode providenciar uma garrafinha com água pra mim, por favor?
Continuei encarando com preocupação a moça com os olhos apertados na minha frente, até que Sabrina entrou olhando confusa para mim, já que eu costumava trazer minha própria garrafa para o trabalho. Levantei e fui a seu encontro.
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