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Nas ondas do infinito

Nas ondas do infinito

Reed_Martin

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30
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5
Capítulo

Viver nem Nevicity (o único lugar conhecido que não está submerso nos oceanos após o derretimento das geleiras) com certeza não é fácil. A comida e água doce são escassos e os últimos dois mil sobreviventes vivem na miséria. As regras na Cidade/ilha são muito rígidas, mas isso não impede que Kyle e seu grupo de amigos roubem o que podem para continuar sobrevivendo nas ruas. Até que uma série de terremotos ameaça destruir o único lugar seguro que há em todo o mundo, e se quiserem sobreviver, Kyle e seus amigos precisarão ser rápidos e confiarem em um garoto misterioso que parece saber todas as técnicas de sobrevivência possíveis e sobre todos os perigos em mar aberto. A questão é: esse garoto será a ruína de Kyle, ou sua salvação?

Capítulo 1 O terremoto

Kyle.

As ruas asfaltadas e sujas estão pouco movimentadas hoje. Caminho tranquilamente pelas calçadas com as mãos dentro do meu casaco velho e meio sujo, mas confortável e eficaz o suficiente para barrar pelo menos metade do frio que faz à noite.

Meus olhos vagueiam de pessoa para pessoa atentamente, procurando alguém (ou melhor: uma vítima) que valha a pena ou tenha pelo menos algo de valor consigo. Observo cada indivíduo que transita pelas ruelas num raio de cem metros, o que faz minha esperança de conseguir roubar algo de útil hoje ir por água à baixo. Todos estão com roupas sujas e maltrapilhas assim como eu, além de andarem tranquilamente por aí sem se preocupar com os ladrões ou algo do tipo, afinal, a única coisa que elas provavelmente têm são essas roupas e fome, muita fome.

Paro de andar bruscamente quando meus olhos pousam em um garoto magricela e baixo que deve ter uns quatorze anos ou talvez até menos. Sei logo de cara que ele tem alguma coisa de valor, não pelas roupas que veste (uma calça jeans suja, sapatos desgastados e um casaco velho assim como eu), mas pelo modo como ele anda por aí, nervosismo emana do seu corpo e ele enfia a mão pequena no bolso da calça toda vez que alguém passa por ele, como se quisesse inutilmente proteger o que quer que tenha nele.

Ando em passos ágeis atrás do garoto, rápido o bastante para acompanha-lo daqui alguns segundos e devagar o bastante para não causar nenhuma surpresa. Eu já fiz isso um milhão de vezes, é moleza.

Quando estou à apenas quinze metros dele, o menino cruza a rua e entra em um beco fino e cheio de lixo, o que me deixa incrédulo com a sua estupidez. ESSE IDIOTA ACABOU DE FACILITAR 100% MINHA VIDA.

Preciso me segurar para não dá uma risada alta de vitória (até porquê isso poderia fazer ele desconfiar que estou no seu encalço). Então simplesmente continuo andando silenciosamente atrás dele, com meus olhos fixos na cabeleira castanha à pouco mais de dois metros.

- quietinho aí idiota!!- a voz fria escapa pelos meus lábios assim que chego ao garoto. Empurro-o com força contra a parede de um dos prédios e o mantenho pressionado contra ela. De perto, ele parece ainda menor e indefeso, principalmente quando encolhe o corpo. Mas não tô nem aí para isso.

- M-me solta...- ele começa, mas eu corto sua voz chorosa.

- cala a boca otário. Me dê o que tem no bolso esquerdo da sua calça. Agora.- ordeno, pressionando com tanta força seu corpo pequeno e frágil contra a parede que provavelmente vai ficar alguma marca.

- E-eu não tenho n-nada.- ele gagueja, fechando os olhos com força como se não quisesse ver o meu rosto. Raiva toma conta de mim ao ouvir isso, então subo uma das mãos e o pego com força pelo pescoço não com força o bastante para deixa-lo sem ar, mas firme o suficiente para ele saber que estou falando sério e sua vida está mas minhas mãos agora. Com a mão livre, pego o canivete que sempre levo comigo dentro do bolso quase invisível do meu casaco velho.

Abro o canivete e passo a parte que não corta da lâmina na sua bochecha branca, mas que tem algumas manchas de sujeira. Aposto que ele está sentindo o metal frio contra a pele, e mesmo sem abrir os olhos sabe que o que estou segurando pode acabar com a sua vida em dois segundos.

- acha que eu tô brincado garoto?!- exclamo, enquanto saboreio a expressão de terror que cruza o seu rosto.

- t-tudo bem... Só n-não me machuca, por favor.- ele implora, antes de enfiar a mão dentro do bolso e estender uma coisa pequena para mim. Pego o objeto da sua mão bruscamente, antes de dar-me conta do que é: um cordão dourado e delicado, com um pingente pendurado nele.

Um sorriso se espalha pelo meu rosto ao ver isso, mesmo que não tenha certeza se é ou não de ouro, vai garantir a minha sobrevivência e a dos meus amigos por pelo menos algum tempo.

- obrigado pela contribuição.- debocho da cara dele, observando a sua expressão de medo no seu rosto, mas aí então o garoto abre os olhos. O que me deixa atônito.

O olho esquerdo é de um azul mais profundo do que o céu durante o dia, enquanto o outro é verde como as primeiras folhas das árvores que ainda restam.

Isso não é nem de perto o suficiente para me abalar. Enfio o colar no bolso e solto o seu pescoço, então observo o garoto correr desesperado pelo beco até desaparecer na esquina.

Com um sensação empolgante de vitória, dou meia volta e caminho pelas ruas asfaltadas dessa maldita ilha de concreto, onde estamos aprisionados à mercê das ondas raivosas do mar e da bosta daquele maldito governo que se acha dono do último pedaço de terra seca existente em todo o planeta. Mas felizmente, eles estão ocupados demais se empanturrado por aí e nunca se importaram em ir atrás de mim e dos meus amigos.

Solto um longo suspiro e observo a lufada e ar quente que se condensa na minha frente, então continuo meu trajeto, sentindo o peso do meu canivete em um dos bolsos e a sensação reconfortante de ter um colar que vai me manter vivo durante mais alguns dias entre meus dedos calejados.

(****)

Quando chego no prédio abandonado em que moramos, encontro meus três companheiros (e de certa forma, irmãos) jogados no chão de um quarto sujo, mas em certas circunstâncias: habitável.

- Jay.- digo enquanto olho para o garoto bronzeado quase tão alto quanto eu. Ele olha para mim com seus grandes e espertos olhos verdes, antes de levantar uma das sobrancelhas como se perguntasse "o que foi?"

Em silêncio, caminho até eles e estendo o colar para Jay, que ergue a mão e o pega, então começa à examina-lo calmamente com uma expressão de espanto e fascínio. Ele é meio que um especialista quando se trata de metais, conseguindo indentificar a maioria deles apenas com o olhar.

- isso é ouro com certeza.- ele responde alguns segundos depois, arrancando um expressão de pura alegria de mim, que dou um soco no ar em sinal de vitória.

Alex e Elliot que estavam conversando animadamente no canto do quarto, olham para nós com surpresa ao ouvir a palavra ouro.

- de quantos quilates??- pergunto a Jay, enquanto alex, o mais novo de nós com seus dezessete anos se aproxima de mim e senta no chão a um metro de onde estou. Ele está com toda a atenção focada na minha conversa com Jay, alternando o olhar entre nós dois enquanto tenta ajeitar o cabelo loiro embaraçado.

Elliot também faz o mesmo, vindo em nossa direção e sentando mais perto para ouvir a conversa.

- pelo peso e pela cor, 24 quilates com certeza.- ele informa, então nós quatro arregalamos os olhos amo mesmo tempo. Ouro é algo bastante raro, quanto mais em coisas assim, ninguém poderia comprar um colar como esse, o pouco de dinheiro que as pessoas ganham não dão nem para comprar comida e água suficiente (já que isso era disponibilizado pelo governo, e com impostos absurdos) quanto mais adquirir algo como isso.

Esse colar deve ter sido fabricado séculos atrás, quando tinha terra por aí, água para todos, árvores e animais de todos os tipos. Mas agora tudo que resta são umas duas mil pessoas, dezenas de árvores e os animais mais abundantes atualmente são os ratos e as baratas.

Nunca conheci meus pais, vivi sozinho por aí durante toda minha infância, então encontrei mais três garotos assim como eu: sem casa ou família para cuidar deles. Nós quatro meio que somos uma família agora, e como sou o mais velho com meus dezoito anos tenho a obrigação de cuidar dos meus companheiros e irmãos, mesmo que isso signifique passar por cima de outras pessoas.

- vamos lucrar muito com isso.- afirmo enquanto pego o colar roubado de volta, agora com mais calma, consigo ver detalhadamente o pingente. É o símbolo do infinito, só que em cada um dos pequenos círculos do "8" deitado há uma pequena pedrinha. uma azul e a outra verde.

- como você conseguiu isso? Por acaso assaltou o banco??- Elliot pergunta, com seus olhos castanhos focados no pequeno objeto em minha mão. Ele é apenas uns meses mais novo que eu e foi o primeiro deles que eu encontrei. Fomos uma dupla por um tempo, aí encontramos Jay e formamos um trio, e depois Alex, formando nosso grupo que está unido à quase sete anos. Conheço esses garotos mais do que conheço à mim mesmo.

- eu roubei de um otário por aí.- respondo, já imaginando o dinheiro que vamos ganhar quando eu vender essa porcaria... Ou melhor: esse pequeno tesouro. Eles não fazem menção de perguntar mais sobre o minha vítima, o que eu agradeço internamente.

Nós quatro vamos para outro quarto do edifício abandonado, esse outro é igualmente sujo, só que um pouco maior e os garotos costumam deixar uma fogueira acesa no centro, já que a fumaça pode sair pelas janelas quebradas (nós quebramos para arranjar madeira para a fogueira, mas isso foi à muito tempo. Agora usamos lixo ou qualquer outra coisa para fazer isso).

Sento-me de qualquer jeito no chão assim como os meus amigos, sem me importar se vai sujar ou não minha roupa (mais sujo do que tá não fica).

- eu tô com fome.- o sussurro de Alex é quase inaudível. Sua barriga faz um som estranho, comprovando a sua afirmação.

- eu roubei lá na feira.- Elliot diz, antes de apontar para a pequena sacola no canto oposto do quarto.

- frutas?! Sério?!- Alex exclama com com um sorriso enorme no rosto, antes de correr até o outro canto e pegar a sacola. Conseguir frutas ou qualquer outra coisa orgânica nessa cidade/ilha/prisão é praticamente impossível, a dieta de todos daqui é a base de enlatados e peixes desprovidos de qualquer tipo de tempero. E mesmo falando de frutas, desconfio se realmente há algo de orgânico nelas.

Ele volta para onde estamos e despeja as frutas sobre um plástico estendido. Maçãs, pêras e outras frutas que eu não faço ideia do que sejam ficam à mostra.

- o que é isso??- Alex indaga com as sobrancelhas loiras franzidas, na sua mão há um fruta amarela cilíndrica e meio torta.

- é uma banana, burro - Jay resmunga, antes de pegar uma das maçãs para si e dá uma grande mordida. Alex solta um grande "aaaah" e então dá uma mordida na fruta, sem tirar a casca.

- precisa descascar, idiota.- digo para ele, que faz qua sim com a cabeça e começa a descascar a fruta, antes de enfiar quase metade de uma só vez na boca (dessa vez sem a casca)

- não tem gosto de nada.- ele reclama com a boca cheia, o que faz Elliot gargalhar baixinho. A fruta provavelmente teria gosto se aqueles malditos não usassem tantas coisas químicas para faze-las amadurecem rápido e ficarem maiores, ao invés de deixa-las crescerem por contra própria.

- pode até não ter gosto, mas vai te ajudar a ficar vivo.- Jay murmura entre as mordidas que dá na maçã. Com uma das mãos ele tira o cabelo castanho de cima da testa, como se tivesse incomodando.

Reviro os olhos pra os três, antes de pegar uma maçã e começar a comer calmamente.

(****)

Quando acordo na manhã seguinte, todos os outros ainda estão dormindo como pedras (Alex está roncando sem parar) em seus colchões. Quando decidimos tornar esse prédio abandonado nossa casa improvisada, encontramos velhos colchões jogados nos quartos, mas só haviam três, ou seja, alguém teria que ficar sem. E esse alguém sou eu. não me incomodo de dormir no chão se isso vai trazer um mínimo de conforto para meus parceiros, o chão duro foi minha cama durante toda minha vida então não é problema para mim.

Levanto silenciosamente e caminho para o banheiro velho e abandonado, enquanto espano a poeira que se instalou em minhas roupas. Felizmente eu consegui roubar escovas de dentes na feira, o que nós dá pelo menos uma pequena possibilidade de higiene pessoal.

Escovo rapidamente os dentes enquanto encaro fixamente o lugar onde anos atrás teria um espelho, mas agora é só uma parede velha e suja com a tinta branca descascando.

Depois de me dá por satisfeito em relação aos meus dentes e hálito, caminho entre o corredor com vários quartos de cada lado, então entro em um em especial, onde há uma geladeira velha e grande. Não há energia em quase toda a cidade, então nós usamos a geladeira como um guarda-roupas coletivo, onde está todas as nossas roupas.

Abro a porta branca (agora amarela pela sujeira) e pego uma camisa preta que tem apenas um pequeno rasgo mas costas. Ela é de Elliot, mas pego mesmo assim. A única coisa que não dividimos uns com os outros são nossas cuecas e as escova de dentes, o resto é meio que patrimônio de todos.

Depois de tirar a que estou vestido, visto a outra rapidamente, antes de marchar para fora do prédio em passos rápidos e largos, mas com cuidado para não fazer barulho (o que provavelmente é inútil, se eles fossem acordar por causa de algum barulho seria devido aos roncos de Alex).

O ar do lado de fora é gélido e seco, o que eu aprendi à ignorar depois de um tempo. Caminho pelas ruas asfaltadas em direção ao centro da cidade, onde ficam as casas das pessoas mais ricas, se é que pode se chamar de "ricas", acho que a definição correta seria "menos pobres".

O caminho mais rápido para chegar no centro é passando pela feira, um lugar sujo e fedorento onde vende todo tipo de quinquilharia e coisas sem utilidades, que apenas um louco compraria ao invés de focar no principal: água e comida.

Mesmo à cem metros de lá, o cheio de ferrugem e esgoto entra pelas minhas narinas, me dando ânsia de vômito, mas finjo que não estou sentindo nada e continuo andando. Enfio as mãos nos bolsos da calça jeans suja, sentindo o meu canivete no bolso esquerdo e o colar quase imperceptível em meio ao tecido grosso no bolso direito. Se tiver sorte, vou me livrar dele assim que chegar no centro da cidade e oferecer para o prefeito (um velho gordo que se acha dono de tudo por aqui), e se ele não estiver disposto à ficar com o colar, eu oferecer para outros por aí.

Essa cidade é uma prisão, disso eu não tenho a menor dívida. Nevcity é o único lugar desse planeta inteiro onde há terra seca, e o único em que provavelmente há vida terrestre. Não há praias ao redor da ilha, cada milímetro é coberto de cimento e com casas até onde é impossível.

Barcos são coisas muito raras hoje em dia, talvez haja só uns cinco ou seis por aí. Eles são usados para a pescaria e só vão à uns duzentos metros da ilha, já que o medo de se perder nesse mar infinito é muito maior do que a vontade de encontrar peixe.

Isso tudo é um lixo, e estou destinado à viver (sobreviver) aqui toda minha vida miserável.

Quando coloco os pés dentro da feira, as pessoas praticamente pulam em cima de mim e imploram para que eu compre algo de suas barracas. Apenas finjo que não estou vendo ninguém, sem me importar com educação ou gentileza.

Arregalo os olhos ao passar por uma barraca velha onde vende livros, o que me faz querer soltar uma risada amarga. Livros são as coisas mais inúteis que há nessa ilha, eles só servem para acender uma fogueira.

Continuo andando em meio as barracas, em passos rápidos para despistar os vendedores desesperados e para chegar mais rápido no centro da cidade.

Na barraca à minha esquerda está Alice, que ao me ver, praticamente corre até mim.

- oi kyle...

- vaza garota. Já disse que não quero nada com você.- a corto com minha voz fria e calculada. Alice é uma garota com eu eu fiquei algum tempo atrás. Nunca foi algo sério e duradouro, eu só queria diversão e sexo mesmo, mas quando eu disse que não queria mais ela simplesmente ficou meio maluca, implorou para eu ficar com ela, disse que me amava e várias outras baboseiras.

Amor não é uma palavra que existe no meu vocabulário. Meu único objetivo é manter a mim e a meus vivos por quanto tempo puder. Finjo que Alice simplesmente desapareceu do meu caminho e continuo andando.

Depois de alguns minutos, a feira já ficou para trás e eu já estou quase no centro da cidade, só preciso cruzar mais algumas esquinas e pronto. Mas quando dou mais um passo para a frente, o chão começa à tremer sem parar sob meus pés.

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