- Por favor, espere!- Eu implorava correndo atrás da figura que se misturava com o breu da noite, estava completamente intrigada com aquele olhar intenso que se distinguia dos demais, era fato que nesse olhar tinha muito mais do que só um mero sentimento de adoração para com a princesa e os seus súditos. Totalmente embriagada pelo mistério que corria em minhas veias, avanço na noite nebulosa que se formava em minha frente, mal não conseguia correr muito mais do que estava agora, não com um sapato com um salto tão alto como aquele que eu usava nessa noite perturbadora. O jovem apenas ignorou o meu pedido e entrou no labirinto feito de arbustos com galhos longos e rigorosos. Mesmo com medo, adentrei por entre os galhos, bagunçando meus cabelos, desfazendo o penteado completamente conforme avançava em meio ao verde vívido das folhas. Entrando no labirinto, me deparo apenas com o vazio, a noite fria e a angústia de não saber quem era aquela pessoa que eu havia perseguido por vários minutos, me sento no chão gélido abraçando minhas pernas. - Princesa?- Ouço uma voz masculina me chamar ao longe, antes de apagar completamente na escuridão assustadora.
O clima favorecia a plantação de milho, principal exportação do nosso reino, meu pai, o Rei Philippe, se orgulhava de tudo o que tínhamos nas nossas terras. Há décadas que a pobreza não era um problema em questão, mas mesmo assim, todas as manhãs eu olhava para o horizonte pela sacada e sentia que em nossas posses faltava algo.
Caminhando calmamente pelo milharal, avisto ao longe, um de meus pretendentes, o qual me vi obrigada a sorrir falsamente, como dizia o protocolo de etiqueta real. Por que eu não podia me apaixonar normalmente como todas as pessoas? Talvez fosse devido ao peso de ter todo um reino em minhas costas, muitas tarefas e responsabilidades.
- Sebastian! - Digo fazendo uma mini reverência, que o mesmo retribui, depositando um beijo suave em minhas mãos cobertas pela luva de renda - Não sabia que explorava a plantação!
- Princesa Alicia! Neste ano o milharal produzirá o triplo do ano passado, estou sentindo isso, majestade! - Falou enquanto caminhava junto a mim por entre o plantio de milho, que dessa vez estava em um tom amarelado.
- Que Deus nosso senhor lhe ouça! Agora, meu caro Sebastian, se me der licença tenho um chá da tarde para comparecer. - Prontamente, o homem ruivo de sardas me oferece seu braço para que eu me entrelaçasse nele. Caminhamos lado a lado, sorrindo e conversando sobre onde meu pai estava e como entraria no castelo sem que o mesmo me visse.
Sebastian entrega minha mão à Camila, minha dama de companhia. Juntas, andamos tranquilamente até a sala de chá, um cômodo menor, porém elegante que papai mandou construir apenas para conversações e negociações do reino e interesses pessoais, como meu futuro marido.
- E se esse último pretendente for feio ou for um velho maluco?- Questiono Camila, que me olha segurando um riso inapropriado.
- Não se preocupe alteza! Sei que o rei Philippe entenderá seu ponto de vista! -Camila me diz em um tom de voz animado.
Eu queria me sentir confortada com as palavras de Camila, mas infelizmente não podia, pois isso só servia como uma espécie de tapete para que no final, eu fosse puxada para a vida real. Eu era uma princesa, era a minha obrigação me casar, ter filhos e ser uma boa esposa.
Chegando ao grande salão, vejo papai conversando com o capitão da guarda.
- Reforcem a vigilância do castelo nos portões principais, imediatamente!- Eu conseguia ouvir seu tom preocupado, porém sútil.
Caminhei até papai, logo lhe dando um breve abraço, mas logo sentindo a tensão do momento tomar conta dos seus músculos que se contraem rapidamente por debaixo do cetim de sua camisa azul marinho.
- Chegamos há tempo da tarde, menos mal.- Digo me sentando rapidamente ao lado de meu pai, que estava na cadeira de cabeceira da mesa, mostrando que o mesmo era o governante daquele reino.
Tomamos nosso chá animadamente, conversando e sorrindo um pouco. Às vezes, não me sentia tão sufocada com todas as obrigações e protocolos a serem cumpridos. Meu pai me fazia esquecer-me de tudo com brincadeiras e exageros de vez em quando.
Por instinto, comecei a observar Sebastian discretamente. Ele era o tipo de pretendente que toda e qualquer mulher gostaria de ter, era bonito, atencioso, inteligente, o tipo de pessoa para todas as mulheres, todas, menos eu. Não tinha nada a ver com "não o conhecer", mas esse nunca fora meu sonho. Eu pretendia ser rainha sozinha, solteira, mas isso, especificamente isso, era impossível.
Me veio à cabeça, como nós, mulheres, somos objetos de troca. Sendo obrigada a casar com alguém que não conhece, não sabe de onde é, e principalmente, não a ama ou nutre sentimentos por ele. Suspirei pesadamente simplesmente fugindo desses pensamentos com um breve sorriso.
Um senhor alto, magro e pálido como a morte com bochechas rosadas chegará calmamente. Senhor Collins, nosso professor de valsa, desde a época em que a minha bisavó era viva. Trazia consigo mesmo, um dispositivo que ecoava por todo o castelo as melodias das valsas que seriam apresentadas nesta noite de festa. Podia-se ouvir seu coração palpitante, em qualquer cômodo desse enorme castelo. Sua expressão era de um tenente militar, nunca sorria de fato, porém, suas palavras eram doces. Às vezes, dava-me vontade de rir, já outras vezes, dava-me vontade de correr.
- Alteza! - O mesmo se dirige a mim e faz uma reverência rápida- Vejo que não estás nem um pouco interessada em vosso casamento, já que estás com vestes de montaria e não seu vestido para o baile.
Ele me direciona a palavra rispidamente, me fazendo corar um pouco, porque de fato eu não estava interessada no meu próprio casamento.
- Me perdoe Sr. Collins, não me passou pela cabeça que viria ao castelo em pleno domingo!- Falo enquanto caminhávamos em direção ao salão principal.
- Alteza, haverá muitos pretendentes para a senhorita escolher em vosso baile, saber a valsa é o mínimo que Vossa Graça tens a obrigação que ter. - diz ríspido, caminhando até a caixa de som, produzindo um barulho que rítmico com seus saltos.
- Se ao menos eu tivesse outra escolha - exclamo baixo, enquanto caminho para o centro do salão, onde começará a valsa e onde também se encerrará.
-Disse algo Alicia? - Papai pergunta atravessando o salão com sua linda capa preta arrastando-se majestosamente atrás dele, tínhamos essa tradição, algumas roupas exageradamente extravagantes.
- Pai! - Exclamo de surpresa, meu coração palpitava pelo susto que acabara de tomar, às vezes, meu pai tinha a mania de se esgueirar pelo castelo, o que resultava em quase sempre me pegar de supetão.
- Nem pensar! O baile será em algumas semanas, você precisa aprender a valsa para não pisar nos pés de seus pretendentes! - Ele caminha até mim, fazendo uma reverência e me pedindo permissão - Vamos ver se está aprendendo alguma coisa com o Senhor Collins. Por favor, comece a melodia novamente!- Meu pai diz em um tom despreocupado.
Sem mais delongas, o senhor de cabelos grisalhos coloca a valsa do início como pedido anteriormente, como tradição, meu pai faz uma reverência me chamando para dançar, retribuo a reverência e começamos a bailar pelo salão.
Enquanto papai me guia, me girando graciosamente, tenho uma visão rápida e turva de um quadro onde se retratava a imagem de minha mãe, com uma expressão séria, porém doce. Ela era realmente uma ótima rainha.
Sorrio um pouco, às vezes eu tenho pequenos vislumbres dela. Quando me pegava no colo e me fazia cócegas, quando me levava para cavalgar, me ensinava como ser uma futura boa rainha para meus súbitos.
A música de repente muda para um ritmo um pouco mais animado. Seria a vez do meu futuro noivo se apresentar, mas como o mesmo não havia sido escolhido por mim ainda, senhor Collins o substituíra. Fazendo uma reverência curta, ele me conduz majestosamente pelo salão, passando em frente aos tronos do rei e da rainha, fazendo uma breve pausa e novamente voltando ao centro do salão.