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Antes
Milena
— Olá, papai! — cumprimentei Otávio sorrindo, numa tentativa de dar um ar mais agradável à mesa. Falhei miseravelmente, como sempre. — Milagre o senhor vir almoçar em casa com a gente! — Minha última frase foi o suficiente para papai apertar os lábios e bufar, sua expressão não negava a raiva, a revolta, mas nada era mais assustador do que o olhar que ele disparou na minha direção antes de dizer:
— Milagre? Você tem mesmo a coragem de chamar isso de milagre? É uma tragédia! — exclamou alto enquanto Cassilda servia os pratos.
— Eu sinto muito, papai... Eu só queria que isso passasse... É horrível lidar com esse clima pesado...
— Milena — mamãe me interrompeu. — Seu pai foi afastado do cargo que ele lutou a vida inteira para conseguir, além disso, ele também pode ser preso a qualquer momento. Você tem noção do caos que estamos vivendo?
— Eu tenho, mamãe. Mas eu também tenho fé que a verdade vai aparecer. Cedo ou tarde ela sempre aparece!
— Por que você não fecha a boca, garota? Não existe verdade! Não existe nada! — Papai esbravejou alto, seus gritos ecoaram por toda sala. Otávio logo ficou de pé e deu de ombros depois de acrescentar: — Perdi o apetite.
— Você, hein garota? Como pode ser tão ingênua, nem parece ser nossa filha? — Marina revirou os olhos, balançando a cabeça em negação.
— Mas mãe, vocês estão agindo de uma maneira que parece que papai realmente é culpado, que ele é como um desses corruptos que esconde dinheiro na cueca! — Naquele segundo o mundo congelou e, naquela brecha, os olhos dela disseram tudo o que eu me negava a entender.
— Com licença. Eu também perdi o apetite. — Ela também deu as costas e se retirou.
A ausência da minha mãe ali deixou um vácuo que foi muito além de uma cadeira. Meu coração parecia ter se rachado ao meio. Otávio Augusto Junqueira sempre foi minha inspiração, minha maior referência. Eu sonhava em ser uma advogada premiada e quem sabe um dia me tornar uma juíza tão respeitada como ele foi até há alguns meses. Logo meu pai que sempre falou tanto de valores éticos e morais se tornando um corrupto? Envolvido num dos maiores escândalos políticos do Rio de Janeiro... Não era possível. Parecia um pesadelo. A sensação de estar perdida e de talvez não estar andando na trilha certa me afligia. Era horrível ser vista como a filha de um juiz corrupto, pior que isso era ter que aguentar os fanáticos me atacando nas redes sociais por causa de uma bolsa, uma pulseira... Eles diziam que eu estava andando no luxo com o dinheiro pago pelos impostos da sociedade.
Infelizmente eles estavam certos.
Eu precisava aceitar. Eu tinha que engolir tudo a seco porque o meu pai estava errado e não era mais um exemplo a ser seguido, eu tinha que lidar com isso.
— Milena, não chora minha filha... — Cassilda passava do outro lado da sala quando viu as lágrimas despencarem dos meus olhos. — Isso vai passar, tenho certeza de que logo irão provar a inocência do seu pai...
— Meu pai não é inocente, Cassilda — disse secando as maçãs do rosto enquanto me punha de pé. Coincidentemente também perdi o apetite. — Eu vou para o colégio, você poderia chamar o José para mim, por favor.
— Infelizmente o José não trabalha mais aqui.
— Impossível! Papai jamais iria demiti-lo.
— Na verdade, foi ele que pediu demissão... Nós estamos há quase três meses recebendo o salário em fatias, nesse mês então até hoje não recebi um tostão. José não conseguiu segurar a barra, mas não se preocupe Mile, você e sua família podem contar sempre comigo.
— Por Deus, Cassilda! Você não pode continuar assim, ninguém trabalha sem receber!
— Mas todos passam por momentos de dificuldade. Eu compreendo a situação de vocês. Sempre me trataram tão bem, seria injusto abandoná-los logo nesse momento. — Respirei fundo tentando aceitar aquela situação, foi quando meus olhos se encontraram com os de mamãe que caminhava a passos marcados na minha direção.
Mamãe sempre foi uma mulher linda, exuberava elegância e muito bom gosto, a idade nunca afetou sua aparência. Ela tirou a carteira da bolsa cara que carregava no braço direito e me deu uma nota de cem dizendo:
— Como você já deve estar sabendo, tivemos que demitir o José, o jeito agora é andar de táxi. Toma, isso deve dar para você ir e voltar do colégio. — Minhas bochechas coraram de vergonha. Como mamãe tinha a audácia de me dar dinheiro na frente da funcionária que ela havia atrasado os salários? A falta de senso era além do inacreditável. Eu, sem ter muito o que fazer aceitei a nota e a entreguei no mesmo instante para Cassilda que era quem realmente deveria ter recebido aquele dinheiro.
Não esperei mamãe começar a falar para deixar a sala e, subir para o meu quarto onde terminei de me arrumar para ir para o colégio. Peguei minha mochila e saí correndo dali.
Na portaria pedir instruções ao porteiro de como pegar um ônibus para chegar ao meu destino.
Não devia ser tão difícil, o colégio era a 15 minutos da minha casa.
O ônibus que o porteiro havia indicado não demorou para passar. Entrei, paguei o motorista e quando passei pela catraca tive a infeliz surpresa de não encontrar nenhum lugar disponível e, tudo bem, afinal de contas, milhões de brasileiros que não tinham um pai corrupto passavam por isso todos os dias.
Minha parada estava próxima quando um menino alto, robusto, com a pele num tom chocolate entrou no ônibus deixando seu cheiro exalar por ele. Ele estava usando um Malbec, eu sabia porque mamãe sempre me disse que a gente tinha que reconhecer o “pedigree” dos homens através do cheiro. Esse era um dos cheiros que eu deveria evitar. Era um cheiro barato, de um homem que segundo ela não tinha condições de me dar a vida que eu “merecia”, o que curiosamente me intrigou, principalmente depois que ele abriu um sorriso perfeito, sem nenhuma pretensão.
Não consegui tirar os olhos dele, por mais que ele não tivesse notado minha presença em meio aquele monte de passageiros aglomerados um no outro.
O menino do sorriso perfeito carregava alguma coisa no braço e, assim que ele passou pela catraca chamou a atenção de todos e começou a fazer um lindo discurso:
— Boa tarde, família! Trabalhador, estudante, ou só aquele que veio para dar um rolé mesmo! Hoje eu tô aqui com uma parada muito especial e olha, nem foi porque minha mãe que fez — ele abriu um sorriso de canto —, mas, esses brownies são coisa de outro planeta. A Dona Cleide caprichou mesmo, assim como tudo que ela faz. Pra quem não sabe família, eu vivo sozinho com a minha mãe e essa aqui é forma da gente conquistar o pão de cada dia. Ela faz os doces e eu trago para adocicar o dia de vocês, aliviar um pouco o estresse da rotina do trabalho, daquele marido bagunceiro que vocês tem em casa ou daquela mulher que reclama até quando você vai bater uma bola com os amigos. É isso aqui! Não vai resolver sua vida, é claro, mas vai adoçar seu dia! Adocica meu amor, adocica! — ele começou a cantarolar o trecho de uma música muito conhecida ganhando sorrisos e gargalhadas de quem estava à volta.
Juro que fiquei impressionada, nunca vi tanta simpatia e espontaneidade vindo de uma pessoa. Ainda mais ele que tinha a vida tão simples, que aparentemente se sustentava vendendo aqueles brownies que carregava consigo. Ele exalava energia boa, tinha um sorriso fácil e pessoas de sorrisos fáceis conquistava a todos da mesma maneira. E foi assim que os brownies acabaram num estalar de dedos, aliás, havia restado um e aquele com certeza seria meu.
Queria saber se o doce era tão bom quanto a propaganda.
— Hei! — Dei um grito que abafou todo ônibus, mas que foi o suficiente para que pela primeira vez nossos olhares se encontrassem e, quando isso aconteceu, senti meu peito congelar, meu coração acelerou e meu sangue parecia estar literalmente correndo em minhas veias. Ele se aproximou desviando dos outros passageiros e quando chegou mais perto estremeci com seu cheiro, sua presença, seu sorriso despretensioso e o jeito de olhar misterioso.
— Boa tarde, princesa! Está aqui o brownie que vai deixar seu dia mais alegre e doce!
No momento em que ele me entregou o doce, nossas mãos esbarraram uma na outra, o que foi o suficiente para que os calafrios começassem a correr por todo o meu corpo.
— Obrigada! — Pela primeira vez senti vergonha de ficar diante de alguém, a presença dele me deixava sem ar, sem chão. Rapidamente desviei meus olhos do seu e perguntei: — Quanto é?
— Quatro e cinquenta. — Estava tremendo quando entreguei uma nota de 5 reais para ele e também quando me dei conta de que já estava muito à frente de onde deveria ter decido. Ainda bem que justamente naquele momento o ônibus havia parado e obviamente eu aproveitei aquela brecha para sair correndo dali antes que morresse de falta de fôlego ou acabasse sofrendo um AVC por excesso de batimentos cardíacos.
Caramba, que droga era essa que eu estava sentindo?
[...]
André
— Filho, agora você vai estudar num colégio particular, não tem nada que ficar se importando em vender brownies por aí, pode deixar que eu me viro.
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