Nahin Untier sempre teve que saltar de país em país para acompanhar o pai pelos seus inúmeros caminhos, mas isso serviu apenas para tornar a vida dele confusa. Agora, na Austrália, vê a necessidade de firmar laços, de ser permanente mesmo que a família não seja e para isso ele terá a ajuda de Luca Ander, um rapaz quebrado que prefere sorrir em todos os momentos ao invés de ver a vida em cinza. Juntos eles mostram que não é impossível se realmente queremos.
Nahin Untier
O suor desce pelo meu pescoço aumentando cada vez mais a vontade de usar as mãos para limpar. Os batimentos acelerados de um coração quase frágil, como o meu, podem ser ouvidos à distância, até mesmo respirar está difícil, no momento.
A minha mão formiga como nunca. Fios do meu cabelo ganham vida própria e saem do coque minúsculo que fiz. Mantenho os joelhos fletidos focando o meu olhar no arco vermelho, olho para a bola uma última vez e depósito toda a energia possível, fecho os olhos e respiro fundo antes de lançar a bola para o cesto. O momento decisivo era aquele.
Continuo de olhos fechados até ouvir os gritos ensurdecedores de alguns colegas que insistiram em estar ali para presenciar o momento. Um cesto. Era o que faltava e agora já foi feito. Nós vencemos o jogo.
- Wow, ganhamos - a equipa toda foi para o meio da quadra a gritar em plenos pulmões. - Ganhamos. Graças ao nosso capitão.
Sinto mãos debaixo das minhas pernas, depois das palavras de Bamel, e o corpo a ser levantado, os meus parceiros de equipa pulam comigo em seus braços como se eu fosse uma pena. As minhas bochechas doem do tanto de risadas que dou e acabo por agitar as minhas pernas para sair daquela celebração.
Fico sempre feliz por ganhar, mas não preciso ser levantado para festejar. É muito mais fácil ficar no chão do que quebrar a cabeça em uma celebração dessas.
Corro para perto do treinador e fico lá parado em pé com a garrafa de água nas mãos. Eles permanecem no meio da quadra celebrando pela vitória merecida para a nossa turma.
A equipa adversária abaixa a cabeça enquanto caminha triste por ver os outros a celebrar por algo que eles preferiam que fosse deles. Mas não, o título de vencedores é da minha turma, que demorou para chegar, mas chegou, então o mínimo que podemos fazer é celebrar. Não importa quem sofre com isso.
- Bom jogo, rapazes, agora venham para aqui e vamos celebrar que tem churrasco a espera na minha casa - um coro de urros soou por toda a quadra assustando as pessoas que desciam as escadas devagar. - Vocês deram luta e espero que continuem assim, fortes e preparados para enfrentar todos os adversários.
- A não ser que um de nós tenha que ir embora - Bamel diz me lembrando que no próximo jogo não estarei. - Ainda mais sendo o nosso capitão.
A alegria refletida no tanto de barulho que eles conseguiram fazer, desapareceu como se nunca tivesse existido e deu lugar para o silêncio perturbador.
- É o seguinte - olho para o treinador pedindo autorização antes de continuar, ele assente e prossigo com o meu discurso mal elaborado. -, estamos nisso há anos, temos treinado e cada um de nós tem potencial para a coisa e um a menos na equipa não vai mudar isso até porque ninguém fica de fora e terá um lugar livre para quem quiser jogar - todos sorriem e percebo que estou no caminho certo. - Mesmo que eu vá embora vocês continuarão a dar força para a equipa, continuarão a levar os troféus mais lindos e brilhantes que a nossa escola e a nossa turma já viram, até porque não é atoa que o nosso lema é...
- Jamais vencidos - gritamos em uníssono e sorrimos uns para os outros.
- Mas isso não nos impede de dar uma festa de despedida para a pessoa que fez o cesto que nos fez levar esse ouro para a turma - o treinador entra no meio e urros de felicidade são ouvidos. - Churrasco, espera por nós.
A casa do treinador não era tão distante assim da quadra. Alguns minutos passaram e vimos logo as paredes amarelas vibrantes, que ele sempre reclamava por não ter o direito de opinar na parte de fora. Entramos pelas traseiras e uma mesa comprida com muitos lugares estava posicionada bem no centro do quintal.
Cumprimentamos a esposa do treinador e vamos sentando nas cadeiras vazias.
- Como estás? - Bamel dá um tapa ligeiro no meu peito depois de sentarmos e sorri abertamente.
- Como assim?
- Último cesto da temporada Irlanda, nunca mais poderás jogar conosco - ele diz e gira a minibola de basquete que decorava parte da mesa. - Como estás a lidar com isso?
- Tens noção de que não estou nada bem com isso - suspiro e tiro a bola das mãos escorregadias dele. - É cansativo ter que mudar a toda hora. Já foram tantas cidades e países que eu tenho uma grande confusão de culturas em mim. As pessoas costumam dizer que com o tempo vem o hábito, mas parece que ele está cada vez mais distante e isso me deixa assustado.
- Vai ficar tudo bem, até porque na Austrália também há internet e video-chamada ainda é moda.
A única coisa que consegui fazer foi sorrir para ele. Já estou nisso há tanto tempo que essa frase já não tem efeito. Ouvi quando tinha oito, nove, dez, e parece que até agora preciso ouvir.
As gargalhadas tomaram conta da conversa até a comida ser colocada na mesa. O cheiro forte de carne e a quentura confortável que está, já me deixam com água na boca e só completa quando vejo o quão lindas as carnes estão na travessa, junto com o cheirinho gostoso da salada de maionese.
- Vamos deixar que o Nahin tire o primeiro pedaço.
Ordens são para ser cumpridas e como uma pessoa muito obediente que sou, tiro um pedaço grande e corto sem intenções de seguir as regras de etiqueta.
- Só o treinador para nos fazer comer sem moderação no dia da celebração.
Momentos como esse são a preciosidade para a minha vida, é como se conseguisse esquecer o resto e me focar só naquilo, só na felicidade que aquele momento traz para mim, só nos meus companheiros de equipa, somente na celebração. E tudo seria perdido.
Suspiro ao olhar para a equipa toda reunida, falando com comida na boca e gordura por todo o lado, mandando a etiqueta para o lixo apenas a desfrutar do que é a vitória.
- Por que estás tão pensativo? - Bamel se aproxima com a latinha de Coca-Cola na mão. - Por favor, não me digas que estás a pensar de novo na mudança.
- É inevitável, Bam, vou embora daqui algumas horas e nem sei se fiz tudo o que devia ter feito - ele sorri e me abraça de lado. - É como se a minha vida não importasse, tudo o que criei não importasse porque vivo dependente do trabalho do meu pai.
- Estás debaixo do teto dele, não? - Assinto e ele balança a cabeça. - Então, não há outra solução a não ser obedecer. Calma, não precisas ver essa mudança como algo definitivo, que decide a tua vida...
- Nem sei quanto tempo ficarei por lá - apoio a cabeça na palma da mão e fecho os olhos tentando não pensar demasiado.
- Eu sei que sim, mas em algum momento serás independente e aí nada poderá te deter.
- Não quero ir embora, Bamel - aperto as mãos lentamente deixando os punhos cerrados.
- Nem sempre é um adeus, talvez seja um até logo e em um piscar de olhos estarás de volta - ele estende a mão para mim e agarro sem muita cerimônia. - Estarei aqui sempre. Estarei aqui para te apoiar mesmo que a saudade do meu melhor amigo me mate.
- Espero bem que sim - limpo uma lágrima solitária no meu rosto e sorrio para ele.
Estamos juntos desde os doze anos, quando o meu pai decidiu que precisava abrandar, dar um tempo nas viagens. Bamel era conhecido na rua toda, sempre teve uma energia fora do normal e o cabelo castanho com linhas brancas é o que maior parte das pessoas usa para ter certeza de que é ele. Tem a mesma idade que eu, mas parece mais novo tendo a ajuda da sua cara fofinha e dos dedos pequenos. Terei saudades de estar com ele, andar por aí sem objetivo nenhum e de ter a oportunidade de ver as reações inesperadas quando conto algum segredo para ele.
Ainda nem saí daqui e já quero voltar.
Capítulo 1 Nem sempre é um adeus
27/12/2022
Capítulo 2 Sempre a mesma coisa
28/12/2022
Capítulo 3 Arrumaste por mim
28/12/2022
Capítulo 4 Mudanças são um horror
28/12/2022
Capítulo 5 Não posso ter amigos
29/12/2022
Capítulo 6 Menino educadinho
03/01/2023
Capítulo 7 Dinheiro não cai das árvores
04/01/2023
Capítulo 8 Início de um passeio por Albury
09/01/2023