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Capítulo

Elizabeth é uma jovem de vinte e sete anos que passou por momentos muito ruins durante toda sua vida e tenta se reencontrar agora que se vê sozinha no mundo. Benjamin é um rapaz de trinta anos, mais jovem de quatro irmãos e que se viu independente de sua família muito cedo. Morando no centro de uma grande cidade, em um enorme apartamento se sente sozinho, mas não totalmente abandonado: tem uma linda namorada e belos amigos. Um dia a vida desses dois se cruzam e eles então percebem que o mundo é uma pequena caixinha de surpresas, dramas, desigualdades e esperança.

Capítulo 1 Liz

Registrei o último pedido na máquina e fiz a contagem rápida do dinheiro enquanto meu chefe assinava alguns papéis num local mais afastado do salão principal do restaurante. Não era um estabelecimento muito grande, por isso só trabalhávamos eu, ele, o filho dele, Carlos, e um cozinheiro chamado Rubens. Ouvi o tintilar dos talheres e dos pratos na cozinha o que me fazia supor que Seu Rubens estava limpando as últimas coisas para ir embora. Havia sido um dia cansativo para mim então eu só queria terminar aquilo e ir para minha casa.

— Registrei o último cliente, sr. Juliano. Já fechei o caixa e limpei as mesas, estou indo embora. —Foi o que falei para meu chefe antes de sair pela porta principal.

Ele era um homem maravilhoso e me deu um emprego mesmo quando eu não tinha nenhuma experiência. Eu devia muito a ele, mas ainda assim era muito cansativo trabalhar oito horas seguidas em um restaurante. Em alguns momentos eu necessitava trabalhar quatro horas a mais para arcar com as despesas e às vezes tinha a sensação de que ele achava que era minha obrigação passar do horário. Respirei fundo ao contemplar a rua totalmente vazia; a brisa fria tocou em minha pele do rosto exposta e estranhamente aquilo me deu sensação de alívio.

Já passavam das 22 horas e ninguém estava na rua exceto um senhor caminhando com seu cachorro. Arrumei minha mochila nas costas, pluguei meus fones de ouvido num aparelho velho de mp3 e puxei o capuz sobre a cabeça. O bicicletário já estava vazio. Cumprimentei o guarda que ficava por ali e peguei minha velha bike para me dirigir ao meu cafofo. Era cerca de uma hora pedalando pelas ruas desertas e frias até o local onde eu habitava (porque aquilo estava muito longe de ser uma casa), eu não podia me dar ao luxo de perder o dinheiro do vale transporte, então me esforçava sempre para ir e vir de bicicleta e os trocados do ônibus guardava para realizar um dos meus maiores sonhos da vida.

Ao chegar, estacionei minha bicicleta no mesmo lugar de sempre e entrei em meu trailer que tinha cheiro de mofo. Como de costume, espirrei duas vezes seguidas. Meu pai achava aquela reação do meu organismo um charme, eu achava estranho. Vini, meu gato, logo veio ronronando em minha direção. Retirei meu fone e o capuz e joguei a mochila em cima da cama. Reabasteci seu pote de comida e água e me joguei na cama. O espaço era minúsculo: apenas um armário sobre a pequena pia, um vão de dois metros quadrados onde eu tomava banho e fazia minhas necessidades, um armário embutido onde eu guardava minhas roupas e minha estreita cama de solteiro; mas pelo menos eu tinha um teto para me abrigar todas as noites, ao contrário de muitas outras pessoas que precisavam dormir no frio lá perto do restaurante. O ambiente estava totalmente silencioso, eu só ouvia o Vini estalando a ração crocante em suas presas e minha respiração entrecortada. Senti uma pausa no momento e então aconteceu o que sempre acontecia: comecei a chorar.

Levei as mãos ao rosto e comecei a repetir para mim mesma "não, não não. De novo não." Mas isso só piorava meu estado sempre. Ouvi pingos de chuva fortes caindo sobre a carcaça de metal do trailer e então percebi que tudo na minha vida sempre tendia a ser pior conforme se passavam os dias. Tudo sempre gerava tempestades. Eu xingava mentalmente a vida por ser tão justa com alguns e tão injusta com outros. Relembrei que passei a infância e adolescência pulando de abrigo em abrigo por causa dos maus tratos de uma suposta mãe e um padrasto alcoólatras até que reencontrei o meu pai, mas o perdi pro câncer e voltei a ficar sozinha. Meu único bem era esse cubículo que eu chamava de lar. Nada era meu! O trailer era do meu falecido pai, o terreno era de um casal de amigos dele que me permitiu ficar ali naquele canto isolado de um enorme casarão. Como uma pessoa sobrevive assim? Arrastei o cobertor velho e remendado para cima do corpo e me aconcheguei em meu ninho. Vini veio para perto de mim e me aqueceu com seu pelo amarelo e branco. "Pelo menos um ser no mundo para estar ao meu lado." pensei enquanto tentava voltar a ter o controle das minhas emoções. Minha cabeça já doía muito e a luz causava incomodo. Desliguei o interruptor e então tudo ficou escuro. Fechei os olhos e respirei fundo:

— 150, 149, 148, 147... — comecei a contar regressivamente tentando apagar minha mente de mais uma crise de solidão.

Meu nome significa "promessa de Deus". Era difícil acreditar nessa realidade quando tudo parecia dizer que não. Gostaria de entender porque minha verdadeira mãe o escolheu , mas cheguei tarde demais para sequer descobrir o motivo. Às vezes eu imaginava como teria sido a vida se a tivesse por perto. Ao mesmo tempo havia me acostumado a ser e viver sozinha. Sozinha eu não tinha problemas:

— ...64, 63, 62...— continuava a contar enquanto inúmeros pensamentos confusos se embaralhavam em minha mente.

Eu lembrava da minha infância, de todas as surras que levei em casa, das tentativas de abuso do meu padrasto, da vida difícil nos inúmeros abrigos:

— ...45, 44, 43, 42...— Entretanto minhas lembranças do tempo com meu pai voltavam.

Eu lembrava dele me contando as suas histórias, a forma como se punia por não ter me encontrado antes, por minha verdadeira mãe não ter me conhecido. Como me deu tudo o que eu necessitava até da notícia da doença que nos tirou até o último centavo e nos obrigou a ir morar de favor na casa de conhecidos. As lágrimas quentes ainda escorriam nas laterais do meu rosto só que já estava mais calma. Lembrei do nosso último dia de vida dele e da promessa que fiz de tentar realizar meus sonhos. Eu estava falhando miseravelmente nesse sentido, mas enquanto houvesse oportunidade de acordar eu tentaria, mesmo não sabendo por onde começar.

— ...17, 16, 15, 14... — Meus pensamentos já começavam a se anuviar e meus olhos estavam ficando pesados.

Vi Vini se ajeitar mais uma vez na cama e o relógio marcar meia noite e meia.

Dormi antes de chegar ao número zero da contagem. Tive sonhos reconfortantes aquela noite.

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