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Capítulo 1
06 de novembro de 2022
Malena Bossi
O tecido pesado das cortinas escondia o mundo lá fora, e eu agradecia por isso. Ali, no breu dos bastidores, ainda podia ser Malena. Ainda podia ser a mulher exausta, dividida, ferida. Não a dançarina que os homens esperavam. O coração martelava forte no peito. Não importava quantas noites eu fizesse aquilo, não havia como se acostumar ao vazio que vinha antes da luz.
Se eu tivesse uma escolha, estaria em qualquer outro lugar. Mas eu não tinha. A vida não permitia. Tinha uma mãe internada em uma ala pública esperando o próximo ciclo de tratamento, uma sobrinha de cinco anos para alimentar e uma pilha de contas vencidas me assombrando como um lembrete cruel. A vida dupla que eu levava era o preço da sobrevivência.
A voz do apresentador cortou meus pensamentos como um chicote:
— Com vocês, nobres cavalheiros, a nossa deliciosa e misteriosa... Luna Calante!
Fechei os olhos por um instante. Quando se abrissem, ela estaria ali. A mulher que não tremia, que dominava cada olhar. A mulher que vestia a sensualidade como uma armadura.
As cortinas se abriram, e a luz invadiu meus olhos. Meus saltos ecoaram pelo salão enquanto eu caminhava com a cabeça erguida. A boate era luxuosa, íntima, com tons rubros e dourados refletindo nos olhos de homens perigosamente entediados. Mas quando Luna surgia, o tédio morria.
Deixei a música me possuir. Meus movimentos eram lentos, ondulantes. Calculados. Eu dançava como se nada mais existisse, como se cada gesto fosse espontâneo, mas ensaiado nos meus ossos. A renda preta escorregava da minha pele com a lentidão de uma promessa. Um suspiro coletivo percorreu a plateia quando a primeira liga caiu.
Entre as sombras, um olhar fixo. Um olhar que não desviava. Que não se agitava com os demais. Eu o senti antes de localizá-lo. Aquele olhar queimava de forma diferente. Não havia pressa, não havia luxúria barata. Havia controle. Observação. Predação.
A música cessou e, com ela, Luna recuou. Atrás das cortinas, voltei a respirar. O peso da realidade caiu sobre meus ombros assim que o dinheiro foi recolhido. A quantia era boa, mas o custo não se media em euros. Era cansaço. Era desgaste.
Nem terminei de contar as notas quando a gerente apareceu:
— VIP solicitou uma exclusiva. Agora.
Suspirei. O cansaço era uma constante, mas o medo... o medo variava de acordo com o cliente.
Caminhei pelo corredor estreito até a sala reservada, sentindo o salto afundar no tapete caro. A sala VIP era um mundo à parte. Mais silenciosa. Mais perigosa.
E então eu o vi.
Ele estava sentado como se o ambiente pertencesse a ele, como se tivesse nascido para dominar aquele tipo de lugar. O terno preto parecia esculpido em seu corpo, abraçando seus ombros largos e o peito forte com uma perfeição quase ofensiva. Os dedos longos seguravam um copo de uísque com desinteresse calculado, como se até a bebida fosse indigna da sua atenção. Mas o que realmente me paralisou foram os olhos. Azul-claros, translúcidos, cortantes como gelo fino. Olhos perigosos, que não apenas observavam, mas invadiam. Ele era o homem mais bonito que eu já tinha visto. De uma beleza irreal, quase mitológica. Poderia ser um deus grego disfarçado entre mortais, e naquele momento, eu tive certeza: ele sabia disso. Aquele olhar... aquele olhar era uma sentença.
— Dance — ordenou, sem elevar a voz.
A música recomeçou, mas não era a mesma. Havia algo mais denso no ar, um chamado que ia além das notas. Algo em mim reconheceu: aquilo não era uma apresentação. Era um ritual. Um jogo de poder e desejo.
Dancei para ele. Somente para ele. Meus quadris se moviam com precisão felina, enquanto meus olhos buscavam os dele, em um desafio silencioso. Cada movimento era um convite, um recado cifrado que meu corpo traduzia sem pudor. Revelava. Escondia. Sussurrava o que eu não podia dizer.
A eletricidade entre nós era cortante. A pele dos meus braços se arrepiou quando notei seus olhos escurecerem. Ele não piscava. Não sorria. Apenas me devorava em silêncio, como se cada gesto meu o marcasse por dentro.
Ao fim da canção, ele ergueu um dedo. Um gesto mínimo. Mas em mim, causou um terremoto. Fui até ele, guiada por algo não por submissão, mas por um desejo inexplicável. Meus joelhos tocaram o assento do sofá, e logo depois, eu estava em seu colo, sentindo o calor que emanava de seu corpo atravessar minha lingerie. O tecido nada fazia contra a intensidade daquele contato.
Seu perfume me envolveu — amadeirado, quente, morosamente perigoso. E então, sem anunciar, ele me beijou. Sem hesitar. Sem pedir. E eu, ao invés de recuar, cedi. Era proibido beijar os clientes, era proibido, mas eu estava cedendo. O gosto dele era sofisticado, um misto de uísque caro e pecado. A boca dele era firme, faminta, mas contida. Um beijo de quem conhece o jogo e não tem pressa de vencê-lo.
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