Maria LuĂsa Braga de Almeida Ă© uma adolescente de dezesseis anos que vive tranquilamente em Belo Horizonte ao lado de sua mĂŁe, Anna Braga, sua tia Aline e o amigo da famĂlia,Ăcaro. AtĂ© que uma tragĂ©dia obriga a jovem a morar com a influente famĂlia de seu pai, o candidato a senador, Thiago de Almeida, de quem MalĂș nunca tinha ouvido falar. Em sua nova residĂȘncia, na cidade de Curitiba,a jovem descobre que ao seu redor existe uma rede de mentiras e intrigas que controlava sua vida atĂ© aquele momento. Agora MalĂș precisa desvendar os segredos de seu passado, para descobrir o que fez seu pai abandonĂĄ-la . AlĂ©m de encarar o que o futuro lhe reserva... sem a sua voz.
Belo Horizonte, 25 de junho de 1998
- Maria LuĂsa. â fala Anna passando a mĂŁo na barriga por cima do vestido bege que usa.
Ela estå deitada na grama junto com seu namorado, Thiago, olhando para o céu azul que Anna acredita estar da cor dos olhos de seu amado.
- O que tem o nome da minha mĂŁe? â pergunta Thiago se debruçando sobre a namorada.
- O nome do bebĂȘ serĂĄ Maria LuĂsa. â responde Anna sorrindo.
- A minha mĂŁe com certeza irĂĄ amar a homenagem. â comenta Thiago sorrindo tambĂ©m. Ele olha para a barriga da namorada, passando a mĂŁo e murmura - Maria LuĂsa...
- Sim â responde a loira de cabelos cumpridos esvoaçantes.
- Mas e se for menino? â pergunta Thiago.
- SerĂĄ menina. â responde Anna convicta.
- Como pode ter tanta certeza? â questiona o rapaz de cabelos pretos.
- Eu sonho com ela â responde Anna pensativa - Todas as noites, sonho com a minha bela menina dos cabelos pretos como a noite e olhos azuis como esse cĂ©u. Ela serĂĄ parecida com vocĂȘ em muitos aspectos.
- EntĂŁo nĂŁo sabe de fato se Ă© menina? â questiona Thiago.
- NĂŁoâ responde Anna respirando fundo enquanto acaricia sua barriga - Confirmação sĂł aos cinco meses.
- Daqui dois meses. â conclui Thiago. Ele passa a mĂŁo na barriga de Anna - Espero estar de volta quando for para descobrir o sexo.
- EstarĂĄ sim â afirma Anna - Tenho certeza que atĂ© lĂĄ seu pai estarĂĄ melhor de saĂșde e poderĂĄ conhecer a neta.
- VocĂȘ deveria ir comigo â propĂ”e Thiago sentando - Assim jĂĄ conheceria a famĂlia toda.
- VocĂȘ sabe que eu nĂŁo posso â recusa Anna, abraçando as costas de Thiago - Estou em Ă©poca de provas, tenho meu emprego que com certeza irĂŁo me mandar embora quando descobrirem a gravidez. Preciso guardar o mĂĄximo de dinheiro possĂvel.
- Eu jĂĄ disse que irei sustentar vocĂȘs duas... Que vamos nos casar, nĂŁo precisa fazer nada disso. Eu tenho dinheiro para nĂłs dois... TrĂȘs. â argumenta Thiago.
- NĂŁo quero â recusa Anna mais uma vez - Por enquanto prefiro ficar assim. Pelo menos atĂ© eu conhecer sua famĂlia.
- NĂŁo se preocupe â pede Thiago - Eles vĂŁo amar vocĂȘ... Assim como eu.
- Eu amo vocĂȘ Thiago â declara Anna - NĂŁo se esqueça disso.
- Eu nĂŁo vou esquecer â responde Thiago beijando a namorada. - Prometa que sairĂĄ do seu emprego desde agora.
- Mas como eu irei pagar meu aluguel? â pergunta Anna preocupada. - Me sustentar?
- Tome â fala Thiago tirando uma chave de seu chaveiro -Essa Ă© a chave do meu apartamento, fique nele atĂ© eu voltar.
- Eu nĂŁo posso aceitar â recusa Anna, envergonhada.
- Por favor, sĂł quero que tenha uma gravidez tranquila. â pede Thiago - Eu volto rĂĄpido e veremos um lugar melhor.
- Tudo bem â concorda Anna, relutante, pegando a chave - SĂł atĂ© vocĂȘ voltar.
- Eu estarei de volta antes que perceba â afirma Thiago sorrindo
***
Belo Horizonte, setembro de 1998.
Anna caminha tranquilamente pela calçada segurando as sacolas de compras, faltam apenas duas quadras atĂ© o apartamento. Assim que vira a Ășltima quadra percebe um belo carro preto estacionado, tem certeza de que nĂŁo Ă© de ninguĂ©m que mora naquela rua, pois virou amiga de todos. Aproximaâse do carro e verifica que a placa era de Curitiba, ParanĂĄ. Aquela informação fez surgir no rosto de Anna o sorriso que hĂĄ muito tinha desaparecido. Ele voltou, pensa correndo em direção ao apartamento.
Abre a porta do apartamento nervosa, percebe que a sala estĂĄ vazia, mas que inalava um perfume feminino diferente do dela. Verifica a cozinha, o banheiro e quando chega ao quarto, se depara com uma figura feminina. Uma mulher de quase cinquenta anos, com belos cabelos pretos presos em coque, usa um terno preto e Ăłculos escuros.
- OlĂĄ â cumprimenta Anna curiosa com aquela figura imponente - Posso ajudar?
- VocĂȘ Ă© Anna Braga? â pergunta, a senhora se levantando elegantemente. Ela tira os Ăłculos mostrando o belo par de olhos azuis.
- Sim â responde Anna - E quem Ă© a senhora?
- Maria LuĂsa Assunção de Almeida â responde a mulher - MĂŁe do Thiago.
- Prazer em conhecĂȘâla â fala Anna estendendo a mĂŁo feliz, mas Ă© repelida pelo olhar gĂ©lido da mulher - Ouvi falar muito bem da senhora.
- Bom... NĂŁo posso dizer o mesmo de vocĂȘ â retruca a mulher, fazendo Anna franzir a testa sem entender - Meu filho pediu para vir atĂ© vocĂȘ e lhe mandar um recado.
- Que Ăłtimo â exclama Anna passando a mĂŁo na barriga, chamando atenção de Maria LuĂsa - NĂłs estĂĄvamos preocupadas.
- Thiago disse para vocĂȘ nĂŁo esperar mais por ele â revela Maria LuĂsa - Disse que vocĂȘ deve seguir em frente e esquecer que vocĂȘs um dia tiveram algo.
- O que? Como assim? â pergunta Anna chocada - Ele nĂŁo pode ter dito isso... Ele estava feliz... Ele estava feliz com a vinda da nossa filha!
- Filha? â questiona Maria LuĂsa com um olhar de desprezo - Pois saiba que o meu filho, assim como eu, nĂŁo acredita que seja dele... HĂĄ quanto tempo estĂŁo juntos? Um ano... Dois?
- Quase um ano... â responde Anna.
- Mas nĂŁo tem um ano, certo? â questiona a senhora Almeida - Como acha que meu filho irĂĄ confiar em uma pessoa que pode estar dando o golpe na barriga. AlguĂ©m que aceitou morar no apartamento e viver praticamente Ă custa dele. Olhe, eu sei que deve ser difĂcil para vocĂȘ ter investindo tanto no meu filho, mas saiba que nĂŁo alcançarĂĄ seu objetivo. Se essa criança for mesmo dele, nĂłs daremos uma pensĂŁo digna. Mas Ă© tudo o que terĂĄ da nossa famĂlia.
- Eu nĂŁo quero o dinheiro de vocĂȘs! â reage Anna transtornada - Eu quero meu Thiago! Por favor, me deixe falar com ele. Eu sei que foi um mal entendido.
- Ele nĂŁo quer falar com vocĂȘ â alega Maria LuĂsa - E agora sei o motivo. ... VocĂȘ Ă© insistente, ardilosa... Com esse rosto de santa , o manipula , envenena ele contra a famĂlia. Mas a mim vocĂȘ nĂŁo engana. JĂĄ conheci piores que vocĂȘ.
- Por favor â suplica Anna - Eu o amo, jamais quis nada dele. Eu sĂł quero amĂĄâlo e que ele me ame... E quero que ele conheça a filha.
- NĂŁo force uma situação, querida â pede Maria LuĂsa - Quem me garante que esse filho Ă© dele? Pelo que eu vi vocĂȘ pode estar com o pai dessa criança nesse momento.
- Como ousa? â questiona Anna, ofendida - Eu jamais faria uma coisa dessas...
- Bom... Como irei saber que nĂŁo Ă© assim? â pergunta Maria LuĂsa - Afinal nem famĂlia vocĂȘ tem... Pode ser qualquer que sĂł quer se dar bem... Uma mulher da vida.
- Pare! â grita Anna esbofeteando sua sogra. - Nunca mais ouse a dizer uma coisa dessas a meu respeito!
- Finalmente a santinha do pau oco, deu as caras â comenta Maria LuĂsa se arrumando â Me entregue Ă s chaves do apartamento. Volte para a rua que Ă© o que merece.
- Tome â Anna entrega as chaves para Maria - Pode ficar... SĂł quero que se lembre do mal que estĂĄ fazendo para Maria LuĂsa.
- Quem Ă© Maria LuĂsa? â pergunta Maria LuĂsa intrigada.
- Sua neta. Maria LuĂsa. â responde Anna, sĂ©ria.
- Acha mesmo que colocar o mesmo nome que o meu, farĂĄ com que seja aceita na famĂlia? â questiona a matriarca cĂ©tica - Como vocĂȘ Ă© tola.
- VocĂȘ nĂŁo tem nada a ver com a escolha do nome da minha filha â rebate Anna - Ă o nome que ela merece... Ela farĂĄ jus ao nome diferente de vocĂȘ.
- Olhe, Anna â começa Maria LuĂsa pensativa â Saiba que estou inclinada a fazer um acordo.
- Eu nĂŁo quero acordo nenhum com vocĂȘ â recusa Anna irritada.
- NĂŁo Ă© por vocĂȘ e sim por essa criança que nĂŁo tem culpa de nada â rebate a matriarca secamente.
- NĂŁo preciso da esmola de vocĂȘs â alega Anna.
- Essa criança precisarĂĄ de apoio â argumenta Maria - EntĂŁo deixe de falso orgulho e aceite a proposta que o Thiago fez.
- Thiago jamais faria uma proposta desse tipo. â alega Anna.
- Mas nĂŁo foi uma proposta que a fez mudar para cĂĄ? â questiona Maria LuĂsa.
- Foi â admite Anna, amargurada - Mas Ă© por ter cometido esse engano que eu nĂŁo irei fazer acordo algum... Nunca.
- Aposto que vai, na hora que apertar â comenta Maria LuĂsa estreitando os olhos - Ainda mais agora que estĂĄ no olho da rua.
- NĂŁo irei. Darei meu jeito... â retruca Anna, sĂ©ria. Ela abre o guarda roupa e tira suas poucas roupas de dentro, jogandoâas em sua antiga mala.
- NĂŁo precisa sair agora âfala Maria se aproximando - Permito que fique atĂ© o fim da semana.
- NĂŁo â recusa Anna nervosa. Ela fecha a mala e encara Maria - Pode ficar... Com tudo. Mas saiba que eu nĂŁo acredito em nada do que disse... Assim que o Thiago aparecer, contarei para ele.
- Como quiser â concorda Maria LuĂsa abrindo a bolsa - Mas caso se canse de ser orgulhosa, tome meu cartĂŁo. Assim que me ligar, digo a ele para enviar a pensĂŁo.
- Fique com seu cartĂŁo â rebate Anna segurando a mala com as duas mĂŁos.
- Jovem tola â comenta Maria LuĂsa colocando o cartĂŁo no bolso da jaqueta de Anna - Sei que ligarĂĄ.
Anna se vira e sai do apartamento praticamente correndo. NĂŁo imaginava que seu dia acabaria daquela forma. EstĂĄ no olho da rua e nĂŁo tem para onde ir. Senta na calçada chorando, nĂŁo consegue acreditar que Thiago estaria por trĂĄs de tudo aquilo. Passa mĂŁo na barriga, onde o bebĂȘ chuta forte. Agora somos eu e vocĂȘ contra o mundo.
Seca as lĂĄgrimas e começa a andar pela rua , quando encontra Aline , uma jovem de cabelos punk vermelho que morava no prĂ©dio da frente, Anna era Ășnica da rua que conversava com a moça. Ela encara a loira preocupada, enquanto se aproxima.
- Aninha tudo bem? â pergunta segurando no braço de Anna que estĂĄ cambaleando. - O que faz aqui fora? E que mala Ă© essa?
- A mĂŁe dele me tocou do apartamento, estou no olho da rua. - responde Anna tonta.
- Venha, vamos para minha casa â determina Aline pegando a mala da grĂĄvida - Venha morar comigo.
- VocĂȘ nĂŁo entende â alega Anna chorando - Eu nĂŁo tenho como pagar vocĂȘ.
- Anna, nĂŁo se preocupe â garante Aline - Um dia vocĂȘ retribuirĂĄ esse favor. O que eu nĂŁo posso, Ă© deixĂĄâla aqui no meio da rua. Vamos.
- Obrigada Aline â agradece Anna, emocionada - Eu prometo que um dia retribuirei o favor.
- Eu sei â concorda Aline caminhando ao lado de Anna.
***
Na semana seguinte foi chamada pelo seu chefe e mandada embora. A justificativa foi o corte no orçamento, vendas baixas, mas ela sabia que o motivo real estava embaixo de seu uniforme alheio aquela injustiça. Aline passou a pagar as contas da casa, mas Anna nĂŁo gosta que sua fique sustentando as trĂȘs. Precisa dar um jeito naquela situação, porĂ©m a Ășnica forma seria entrar em contato com Thiago e exigir que ele ao menos reconhecesse sua filha. Mas o telefone deixado por ele estava sempre desligado.
Senteâse perdida , atĂ© lembrarâse do cartĂŁo de visitas que a senhora Almeida havia deixado. Demorou algumas semana atĂ© de fato ligar para o nĂșmero do cartĂŁo, afinal sĂł ligou porque elas tiveram de mudar do apartamento jĂĄ que nĂŁo conseguiam mantĂȘâlo e ir para outro lugar, sendo forçada a escutar a voz daquela que havia revirado seu mundo.
- Maria LuĂsa, aqui Ă© Anna â diz a jovem sĂ©ria ao telefone - Precisamos conversar.
- Quer dizer entĂŁo que estĂĄ disposta a aceitar o acordo? â conclui Maria LuĂsa indo direto ao assunto.
- Sim â responde Anna - Mas antes, desejo ouvir a proposta da boca do Thiago. Quero fazer o acordo com ele... Pessoalmente.
- ImpossĂvel â recusa Maria LuĂsa secamente - O Thiago nĂŁo poderĂĄ fazer isso... Ele estĂĄ ocupado.
- Isso Ă© mais importante do que qualquer coisa que o esteja impedindo de falar comigo â alega Anna irritada - Eu preciso fazer esse acordo com ele.
- Ele estĂĄ organizando o velĂłrio do pai... â revela Maria LuĂsa sem qualquer pesar - E NĂŁo irei perturbĂĄâlo com esse... Problema. Vamos resolver isso entre nĂłs e o deixarei a par de tudo, nĂŁo se preocupe.
- Meus pĂȘsames... Mas... Eu nĂŁo confio em vocĂȘ â confessa Anna brava.
- Guarde suas condolĂȘncias para quem precisa. E eu tambĂ©m nĂŁo confio em vocĂȘ â retruca Maria LuĂsa - Mas esse acordo Ă© para o bem dessa criança... EntĂŁo seja madura e vamos ao que interessa.
- Qual Ă© a proposta? â pergunta Anna.
- Ela receberĂĄ um valor mensal para suprir todas as suas necessidades e garantir que tenha sempre as melhores oportunidades. PorĂ©m, queremos sigilo sobre esse pequeno incidente da vida do meu filho. â propĂ”e Maria LuĂsa.
- EntĂŁo vocĂȘs nĂŁo querem que ninguĂ©m saiba sobre a Maria LuĂsa? â questiona Anna horrorizada.
- Exatamente â afirma Maria - Acho que esse pequeno deslize poderĂĄ prejudicar meu filho e sua carreira, permanentemente. Mas nĂŁo preocupe, daremos um jeito dela ter uma vida confortĂĄvel.
- Quero que a reconheça como membro da famĂlia de vocĂȘs â exige Anna transtornada - Quero o nome de vocĂȘs na minha filha. Caso contrĂĄrio, levarei esse deslize a pĂșblico.
- Como quiser. Assim que essa criança nascer, mandarei um advogado com a papelada e a autorização para colocar o nosso nome. PorĂ©m, a partir do momento em que ela usar o nosso nome, nĂłs teremos o direito a guarda e poderemos reivindicar a criança, quando quisermos. VocĂȘ aceita o acordo? â pergunta Maria.
- Sim â responde Anna sentindo asco ao aceitar.
- EntĂŁo em breve receberĂĄ toda a documentação necessĂĄria. Passar bem â finaliza Maria LuĂsa.
Ela demora ainda para colocar o telefone no ganho, tenta se convencer de que aquilo seria bom para sua filha, mesmo sentindo que tinha vendido sua alma para o Diabo. Ela toca em sua barriga, chorando:
- Desculpeâme por estar fazendo isso com vocĂȘ, meu bebĂȘ. Espero que um dia entenda que Ă© para o seu bem.
Assim que Aline chega do serviço , Anna conta da conversa nada agradåvel que teve, deixando a amiga contrariada.
- Eu nĂŁo quero o dinheiro desse povo! â esbraveja Aline socando a mesa da cozinha - Eu prefiro continuar pegando turnos extras no bar do hotel a aceitar qualquer coisa deles! Como PĂŽde fazer isso?
- VocĂȘ nĂŁo tem a obrigação de nos sustentar, Aline â argumenta Anna - Agradeço o que estĂĄ fazendo, mas nĂŁo quero que se mate de trabalhar por nĂłs duas.
- Anna, vocĂȘs sĂŁo a famĂlia que... Eu nunca tive â responde Aline - Eu nĂŁo posso aceitar isso. Eu jamais deixaria que uma irmĂŁ minha tivesse que submeter a esse tipo de coisa. E vocĂȘ Ă© a minha irmĂŁ, a MalĂș nĂŁo precisa deles. â cita o apelido que deu a criança, jĂĄ que odiava falar o nome que era o mesmo da matriarca dos Almeida. -Eu faço qualquer coisa por ela.
- Ă tarde demais âalega Anna - Eu aceitei. E mesmo que vocĂȘ seja contra e me odeie, nĂŁo posso mudar isso. Sinto muito.
- EntĂŁo prometa que esse dinheiro serĂĄ usado somente com a MalĂș. â pede Aline, frustrada - Pelo menos ela terĂĄ tudo o que precisar.
- Eu pensei nisso quando liguei. â confessa Anna emocionada - Quero que a minha filha tenha a oportunidade de ser alguĂ©m que eu perdi por amar... Por amar o pai dela incondicionalmente.
- Depois de tudo isso, ainda o ama? â questiona Aline -Depois de toda a prova do Thiago ser mau carĂĄter?
- Sim. Eu amo e infelizmente, acho que estou fadada a amĂĄâlo para sempre â admite Anna chorando - Eu rezo para tirĂĄâlo da minha vida, para esquecĂȘâlo, mas no fundo tenho esperança que ele nĂŁo estĂĄ aprovando esse tipo de coisa. Que ele nem sabe o que a mĂŁe dele estĂĄ fazendo. Eu sei que um dia vou revĂȘâlo e tudo virĂĄ Ă tona e espero que MalĂș o receba de braços abertos. Tenho um pedido a fazer para vocĂȘ.
- Diga. Faço qualquer coisa â responde Aline
- NĂŁo quero que MalĂș descubra sobre nada disso. Quero que ela tenha a oportunidade de conhecer o pai sem nenhuma influĂȘncia. Desejo que ela tenha seus prĂłprios pensamentos a respeito dele. Prometa que farĂĄ isso, mesmo se algum dia eu faltar a minha filha, nĂŁo quero que ela saiba de nada disso.
- Tudo bem â concorda Aline, contrariada - NĂŁo concordo, mas vocĂȘ Ă© a mĂŁe e sabe o que Ă© melhor para ela.
- Eu espero que sim â responde Anna tocando em sua barriga.
***
Belo Horizonte, 24 de dezembro de 1998.
Aline procura nervosa algo no sofĂĄ, onde estĂĄ Anna deitada com seus pĂ©s inchados e sua barriga de nove meses. Ela nĂŁo tinha reparado como os Ășltimos meses tinham passado tĂŁo rĂĄpidos.
- Tem certeza de que ficarĂĄ bem? â pergunta Aline pela dĂ©cima vez - Eu fico em casa, vocĂȘ sabe que nĂŁo gosto muito de comemoraçÔes. A gente come um miolo, assiste a um filme de natal, choramos um pouco e rimos. Ou vocĂȘ vai comigo e nos divertimos fofocando sobre o pessoal do hotel.
- Agradeço o convite, mas ninguĂ©m vai querer uma pata choca dançando no salĂŁo â recusa Anna sorridente - Sem contar que nem posso mais, jĂĄ que a MalĂș ainda nĂŁo quer sair. E nĂŁo quero que fique aqui comigo, vocĂȘ precisa se divertir. Esses Ășltimos meses vocĂȘ sĂł trabalhou, nĂŁo Ă© justo que fique em casa. VĂĄ e se divirta por nĂłs duas.
- Tudo bem â concorda Aline, respirando fundo - Mas prometa que vai ligar naquele nĂșmero que eu deixei na geladeira, se acontecer qualquer coisa. QUALQUER COISA! AtĂ© um chute, vocĂȘ me liga.
- NĂŁo se preocupe â pede Anna - Se algo acontecer, serĂĄ a primeira, a saber. Agora vĂĄ e espero que se dĂȘ bem essa noite.
- A noite promete, mas eu pretendo voltar para casa cedo â comenta Aline.
- Aline â repreende Anna - SĂł tem uma grĂĄvida aqui e sou eu.
- Sim, mas eu nĂŁo vou sair do seu lado enquanto a MalĂș nĂŁo nascer, pode esquecer. â ela anda atĂ© a porta - NĂŁo se esqueça de ligar.
- Tudo bem â fala Anna olhando Aline fechar a porta e murmura - Sortudo serĂĄ o homem que tiver vocĂȘ ao seu lado.
***
Anna acorda sentindo sua cama molhada se levanta e percebe que sua bolsa estourou. Vai à cozinha e olha para o relógio, ainda são dez horas da noite. Ela tenta por algum tempo, contato com Aline sem sucesso, até que sua primeira contração acontece. Ela decide então colocar um vestido e tentar pegar um tåxi ou Înibus que a leve para a maternidade.
Assim que chega a rua, nota que serĂĄ difĂcil conseguir um transporte, pois o ponto de tĂĄxi estĂĄ vazio e nĂŁo passarĂĄ um ĂŽnibus aquele horĂĄrio. Tenta acionar o sĂndico, mas ele jĂĄ nĂŁo se encontrava no prĂ©dio. Sobe mais uma vez ao seu apartamento e tenta ligar para Aline, mas ninguĂ©m atende. Respira fundo e tenta ligar para a maternidade e pedir uma ambulĂąncia, mas a linha estĂĄ ocupada. Pega sua mala de maternidade e caminha novamente para a rua. Anda devagar atĂ© ter mais uma contração que a faz segurar em um dos portĂ”es de sua rua. Nesse ritmo, acabaria dando a luz na rua, conclui preocupada. Respira fundo e se endireita, segura as prĂłximas contraçÔes o mĂĄximo que consegue.
JĂĄ estĂĄ prĂłxima a rua principal, quando vĂȘ um ĂŽnibus encostado na linha. Tenta caminhar mais rĂĄpido, erguendo os braços para chamar atenção do motorista. Faltava pouco mais de uma quadra , quando uma contração forte a faz arquear em cima de sua barriga , quando olha para o ponto, vĂȘ o ĂŽnibus se afastando, alheio Ă sua dor. Tenta gritar, mas apenas um sussurro de pare sai de sua garganta.
Caminha devagar, a dor Ă© quase insuportĂĄvel. Meu Deus, nĂŁo posso ter meu bebĂȘ, aqui. Por favor, me ajude. NĂŁo nos desampare, agora. Por tudo o que Ă© de mais sagrado, pela minha filha, me ajude. Ă tudo o que te peço, roga Anna olhando para a noite quase sem estrelas.
- Venha, irei ajudar â fala a voz masculina, atrĂĄs de Anna.
As sĂșplicas da moça foram atendidas
***
Ăcaro Ă© o nome do homem que acelera seu carro para a maternidade. Anna nĂŁo teve tempo de perguntar muito a respeito dele, pois suas contraçÔes mal a permitem respirar. Sua aparĂȘncia revela que estĂĄ na faixa dos trinta anos, cabelo em um tom de castanho acobreado muito bem cortado, alĂ©m de usar um terno escuro que mais parece um uniforme. Segurança, talvez, pensa Anna o encarando de relance. Tem a sensação que o conhece de algum lugar.
Eles dĂŁo entrada pela emergĂȘncia do Pronto socorro, mas nĂŁo permitem que Ăcaro a acompanhe atĂ© a sala do parto.
- Muito obrigada por tudo â agradece Anna emocionada segurando a mĂŁo dele, enquanto o enfermeiro empurra a cadeira de rodas. - Que Deus o abençoe e lhe dĂȘ tudo o que deseja. Espero um dia recompensĂĄâlo por esse ato, se nos reencontrarmos.
- NĂłs vamos nos reencontrar antes do que imagina Annaâ revela Ăcaro enigmĂĄtico, soltando da mĂŁo de Anna que o encara confusa.
Ela tenta olhar para Ăcaro mais uma vez, porĂ©m as portas da emergĂȘncia a impedem. Ela respira fundo e tenta se concentrar no que Ă© mais importante naquele momento: Maria LuĂsa.
***
- Empurra â ordena o mĂ©dico entre as pernas de Anna. Assim que o obstetra avaliou a dilatação de da jovem, decidiu que o parto normal seria o mais indicado, jĂĄ que o bebĂȘ estava na posição correta - Força Anna!
- Errrrrrrrrrr... AAAAAHHHHHâ geme Anna, forçando cada vez mais a saĂda de sua filha. Ela deita na cama, cansada e desesperada - Eu nĂŁo aguento mais! NĂŁo era para ser assim... NĂŁo posso fazer isso sozinha... Eu nĂŁo vou conseguir.
- Anna, vocĂȘ conseguirĂĄ â garante a enfermeira ao lado da moça - Esse serĂĄ um belo presente que darĂĄ a todos nĂłs. EntĂŁo, se quer essa criança, faça por merecer e a ajude a conhecer o mundo.
- EstĂĄ pronta? â pergunta o mĂ©dico - Eu preciso que empurre com toda a sua força. Agora!
- Eeeeeeeeeeeeeeeeerrrrrrrrr... Rrrrrrrrrr... Errrrrr... Aaaaaa aaaaaaaaaaaaaaaa hhhhhhhhhhhhhh â grita Anna se contorcendo na cama, enquanto sente um puxĂŁo em sua barriga. Ela se joga novamente na cama, ofegante. Sente o suor de sua testa correr pelo seu rosto. Mas nada daquilo importava, sĂł deseja ver sua filha.
Em poucos minutos o choro do bebĂȘ ecoa pela sala de cirurgia, fazendo Anna sorrir e chorar ao mesmo tempo, aliviada. A enfermeira arruma Ă recĂ©mânascida e a coloca nos braços da loira que chora emocionada. Ela toca os cabelos pretos de sua filha e beija sua testa. Segurando sua pequena mĂŁo, entĂŁo diz sorrindo entre as lĂĄgrimas:
- Bem vinda ao mundo Maria LuĂsa, minha MalĂș.
CapĂtulo 1 PrĂłlogo
07/12/2021
CapĂtulo 2 UM
07/12/2021
CapĂtulo 3 DOIS
07/12/2021
CapĂtulo 4 TRĂS
07/12/2021
CapĂtulo 5 QUATRO
07/12/2021
CapĂtulo 6 CINCO
08/12/2021
CapĂtulo 7 SEIS
08/12/2021
CapĂtulo 8 SETE
08/12/2021
CapĂtulo 9 OITO
13/12/2021
CapĂtulo 10 Nove
13/12/2021
CapĂtulo 11 DEZ
13/12/2021
CapĂtulo 12 ONZE
13/12/2021
CapĂtulo 13 DOZE
24/12/2021
CapĂtulo 14 TREZE
24/12/2021
CapĂtulo 15 QUATORZE
25/12/2021
CapĂtulo 16 QUINZE
26/12/2021
CapĂtulo 17 DEZESSEIS
27/12/2021
CapĂtulo 18 DEZESSETE
28/12/2021
CapĂtulo 19 DEZOITO
29/12/2021
CapĂtulo 20 DEZENOVE
30/12/2021
CapĂtulo 21 VINTE
31/12/2021
CapĂtulo 22 VINTE E UM
01/01/2022
CapĂtulo 23 VINTE E DOIS
02/01/2022
CapĂtulo 24 VINTE E TRĂS
03/01/2022
CapĂtulo 25 VINTE E QUATRO
04/01/2022
CapĂtulo 26 VINTE E CINCO
05/01/2022
CapĂtulo 27 VINTE E SEIS
06/01/2022
CapĂtulo 28 VINTE E SETE
07/01/2022
CapĂtulo 29 VINTE E OITO
08/01/2022
CapĂtulo 30 VINTE E NOVE
09/01/2022
CapĂtulo 31 TRINTA
10/01/2022
CapĂtulo 32 TRINTA E UM
11/01/2022
CapĂtulo 33 TRINTA E DOIS
12/01/2022
CapĂtulo 34 TRINTA E TRĂS
13/01/2022
CapĂtulo 35 TRINTA E QUATRO
14/01/2022
CapĂtulo 36 TRINTA E CINCO
15/01/2022
CapĂtulo 37 TRINTA E SEIS
16/01/2022
CapĂtulo 38 TRINTA E SETE
17/01/2022
CapĂtulo 39 TRINTA E OITO
18/01/2022
CapĂtulo 40 TRINTA E NOVE
19/01/2022
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