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Capítulo

A noiva disse não! O empresário milionário Sam Fletcher estava acostumado a ter tudo a seu modo. Nunca se vira numa situação sobre a qual não tinha controle. Quando Josie Nolan contou-lhe que estava grávida de um filho seu, Sam ficou perturbado, mas não hesitou! Um bebê Fletcher significava apenas uma coisa para Sam: casamento. Era a atitude mais lógica, sensível e responsável a tomar, não era? Mas Josie queria se casar por amor, não por lógica. O nascimento do bebê era iminente e Sam precisava fazê-la mudar de idéia... rápido!

Capítulo 1 1

A noiva disse não!

O empresário milionário Sam Fletcher estava acostumado a ter tudo a seu modo. Nunca se vira numa situação sobre a qual não tinha controle. Quando Josie Nolan contou-lhe que estava grávida de um filho seu, Sam ficou perturbado, mas não hesitou! Um bebê Fletcher significava apenas uma coisa para Sam: casamento. Era a atitude mais lógica, sensível e responsável a tomar, não era? Mas Josie queria se casar por amor, não por lógica. O nascimento do bebê era iminente e Sam precisava fazê-la mudar de idéia... rápido!

CAPÍTULO UM

Sam Fletcher conhecia bem o efeito da diferença entre os fusos horários nos viajantes. Sabia tudo sobre os olhos vermelhos e irritados, a letargia geral e a tendência a bocejar nos momentos mais inopor¬tunos. Mas nunca notara deficiência na audição antes.

- Tia Hattie fez o quê?!

Sam olhou para a mãe, que se atirara contra ele tão logo abrira a porta.

Aquele evento por si só já era raro. Amélia Fletcher morava no mesmo edifício que o filho, na Quinta Ave¬nida em Nova York, mas levava a sério a privacidade dele. Intrometer-se na vida dos outros era falta de edu¬cação e Amélia Fletcher nunca fora acusada desse de¬feito na vida.

Entretanto, ali estava ela, à uma hora da tarde, ou três dá madrugada no horário de Tóquio, ao qual Sam ainda estava habituado, de pé no saguão de seu apartamento, com uma lista na mão.

- O advogado disse que não podia esperar até que você voltasse aos Estados Unidos para ler o testamento - explicou a mãe. - E, uma vez que tinha uma procuração sua para decidir em seu nome enquanto estivesse viajando, foi totalmente legal abrir o testamento sem você.

- Sim, mas...

Sam devia ter perdido mais do que a audição. Sabia que a excêntrica e devotada tia Harriet morrera na semana anterior e, embora lamentasse não ter podido compa¬recer ao enterro, não sabia o que tudo aquilo tinha a ver com ele.

- Ela deixou tudo para você - repetiu a mãe. Era o que ele pensara ter ouvido da primeira vez.

- Tudo? Você quer dizer...

Calou-se ao imaginar o que o "tudo" de tia Hattie podia significar.

A fim de não omitir nenhum item, a mãe leu na íntegra a relação de bens que tinha à mão.

- A casa, ou seja, a pousada, com toda a mobília, in¬cluindo os vasos Ming, os cristais Tiffany, os esboços de Grant Wood e as perspectivas de Frank Lloyd Wright. - Após uma pausa para recobrar o fôlego, completou. - Ela também deixou-lhe três gatos, a saber: Clark Gable, Errol Flynn e Wallace Beery. - Lançou-lhe um olhar divertido por sobre os óculos. - E um cão chamado...

- Humphrey Bogart - adiantou-se Sam, fazendo coro com a mãe.

Recostou-se na parede e balançou a cabeça. A situação era apenas parcialmente engraçada. Amélia sorria, divertida.

- Isso mesmo. - Retomou a leitura da lista. - Um periquito...

Sam suspirou e inclinou-se para o lado.

- Fred Astaire.

A mãe finalizou com um gesto floreado:

- E um objeto não identificado denominado Josephine Nolan.

Sam endireitou o corpo.

- O quê?

Estranhando também, a mãe recuou um passo, analisan¬do os caracteres com cenho franzido.

- É o último item da lista que o advogado me passou por fax - confirmou. - Josephine Nolan. - Voltou a sorrir. - Nunca ouvi falar de Josephine Nolan. O que acha que é? Um coelho? Um hamster? Uma tartaruga?

Sam não estava achando graça nenhuma. Sabia exata-mente o que era Josephine Nolan.

- O que tia Hattie tinha na cabeça ao me deixar uma mulher?

* * *

Shakespeare tinha razão. Deviam matar todos os advo¬gados, a começar por Herman Zupper, o fiel testamenteiro da tia Hattie.

- O que quer dizer com "saiu de férias?" - questionou Sam, ao ouvir da secretária que o advogado não se encon¬trava no escritório.

- Por um mês - detalhou a moça. - Ele e a esposa estão na Alemanha comemorando as bodas de prata. Foi por isso que ele ligou e falou com a sra. Amélia Fletcher antes de partir.

Sam grunhiu. Passou a mão pelos cabelos. Estavam cur¬tos demais para arrancar.

- Isso é um absurdo! - resmungou. - Por que a tia Hattie faria uma coisa dessas?

Como se já não tivesse bastante trabalho. Era o diretor-executivo da Fletcher's Imports, uma das importadoras mais exclusivistas que se conheciam. Lojas de griffes caríssimas dariam tudo para comercializar os itens que ele tinha em carteira. Mas o fato de deter aquele nicho não significava que ele parara de se aperfeiçoar. Pelo contrário, viajava pelo mundo todo, à procura de tesouros, fazendo negociações de milhões de dólares. Não tinha tempo para administrar uma pousadinha em Dubuque, Iowa!

- Asseguro-lhe de que tudo está em perfeitas condições - comentou a secretária, imaginando que ele estivesse tão alterado por pensar que herdara uma espelunca.

Sam grunhiu novamente. Sabia que a pousada da tia Hattie era um negócio lucrativo. Instalada numa mansão vitoriana, oferecia vinte aposentos, situava-se no ponto mais elevado, com vista da cidade de Dubuque e do rio Mississipi.

Tratava-se de um estabelecimento charmoso no qual ele mesmo já se refugiara algumas vezes, quando se tornara premente a necessidade de descansar das pressões dos ne¬gócios. Tia Hattie, uma viúva sem filhos, sempre o acolhera de braços abertos.

Ora, tia Hattie sempre acolhera o mundo todo de braços abertos, recordou Sam, sombrio. Apesar de próspera, a pou¬sada de Hattie abrigava a maior coleção de elefantes brancos que ele já vira.

Os gatos eram apenas uma indicação da tendência de Hattie de colecionar objetos que os outros jogavam fora. Talvez devesse sentir-se feliz por ela não possuir mais que três gatos ao falecer. E um cachorro. E um periquito.

E Josie Nolan.

Estava aí outro detalhe intrigante naquela história. Sem¬pre supusera que tia Hattie, não tendo herdeiros diretos, fosse legar todos os pertences a Josie, a quem amava como se fosse sua própria filha. Que idéia maluca fora aquela de legar Josie a ele?!

Sam pigarreou antes de retomar a conversa telefónica:

- E quanto ao item... Josephine Nolan?

- Josephine Nolan?

- No testamento - explicou Sam, sentindo-se idiota. - Tia Hattie me deixou os gatos, o cachorro, o periquito e... Josephine Nolan.

- Lamento, mas não estou a par dos termos exatos do documento. Só sei que avaliamos a propriedade. Posso ve¬rificar, se o senhor desejar.

- Não se preocupe. Eu farei isso. - Sam desligou, re¬costou-se no sofá e ficou olhando para o teto.

A mãe, felizmente, já se fora. Amélia nunca gostara de situações complicadas e ele mostrara-se mais que pertur¬bado diante daquela herança inesperada.

- Vemo-nos quando você estiver mais descansado, que¬rido - declarara ela, antes de escapulir. - Não se preocupe. Conheceu sua tia Hattie. Provavelmente ela só quis fazer uma brincadeirinha.

Uma brincadeira.

Josie Nolan.

Josie Nolan era a gerente da pousada. Por muito tempo, fora um dos elefantes brancos ali. Morando perto, na ado¬lescência passara dias olhando esperançosa para aquele ca¬sarão espaçoso de Hattie e seu marido, Walter, até ser con¬vidada a entrar e conhecer o estabelecimento. Dali a sema¬nas, já estava trabalhando na pousada. O casal de estala¬jadeiros até pagou seus estudos em nível superior, mas, após formada, ela voltou para junto deles.

Josie era ainda uma morena magrela de quinze anos e olhos arregalados quando se conheceram. Aos vinte e dois anos, ele já era um homem viajado. Brincara com ela, con¬versara amenidades e esquecera-se dela ao partir.

Claro que ouvira as "histórias de Josie" contadas por tia Hattie ao longo dos anos e sempre se lembrava da garota morena de olhos grandes que ruborizava sempre que ele olhava para ela. Mas não a vira novamente até o outono anterior, quando se refugiara novamente na pousada fugin¬do do compromisso de apadrinhar o casamento da ex-noiva. Isobel Rule, ou Izzy, para os íntimos.

Quase não a reconhecera. Naturalmente, ainda tinha olhos grandes e cabelos escuros, mas desenvolvera curvas, seios e pernas.

Espantara-se diante das longas pernas de Josie. Nunca ligara muito para pernas. Ora, nem sequer se lembrava das pernas de sua ex-noiva!

De repente, surpreendia-se recordando as pernas de Josie Nolan.

Imaginara, então, estar carente por ter sido abandonado. Teria se impressionado com qualquer mulher, pois encontra¬va-se sensível às mulheres. Era uma tentativa de recuperar o equilíbrio após a maneira brusca como Izzy o dispensara.

Agora, concluía que ela agira bem rompendo o compro¬misso ao descobrir que nutria sentimentos mais profundos por Finn.

De qualquer forma, ainda era difícil conformar-se àquela situação e, com certeza, não suportaria postar-se no altar e ver a mulher que um dia amara chegar pelo corredor para se casar com outro homem.

Por isso, fugira para Dubuque e ficara lá uma semana executando trabalhos gerais, de fiação, pintura, colocação de papel de parede, etc.

Era com o "etc." que se preocupava agora.

Teria Josie contado a tia Hattie o que acontecera na úl¬tima noite que ele passara na pousada?

Era importante saber isso.

Ou talvez fosse melhor não saber.

Tinha vaga lembrança daquela noite. Se fechasse os olhos, veria novamente a expressão transtornada de Josie Nolan ao abrir a porta do quarto. Ele não devia ter batido. Devia ter ignorado os soluços abafados dela, em vez de bancar o bom samaritano.

Naquela noite, ele não estava em condições de oferecer consolo a ninguém, só queria consolar a si mesmo. Era a noite do casamento de Izzy e Finn. Embora estivesse feliz por Izzy e entendesse que ela estava se casando com o ho¬mem certo, não se sentia bem na posição de homem errado.

Logo após o jantar, recolhera-se ao quarto com uma garrafa do melhor uísque irlandês do falecido tio Walter, desejando que o mergulho na bebida o fizesse esquecer a realidade.

Talvez a bebida houvesse aguçado sua audição. Ou talvez as paredes fossem mais finas do que pareciam. Ou talvez sua tolerância a lágrimas estivesse baixa. Independente¬mente do motivo, ouvira os perturbadores soluços femininos. Aniversariante naquele dia, Josie esperara que seu noivo, Kurt, a levasse a algum lugar especial para comemorarem. Vira-a andando ansiosa pelo saguão de entrada e, depois, na varanda, olhando esperançosa para o fim da rua. Teria ele deixado de aparecer?

Sem pensar, batera à porta do quarto de Josie e a vira de camisola, com o rosto coberto de lágrimas. Devia ter murmurado um consolo qualquer e se afastado. Em vez disso, compadecera-se e sugerira:

- Dizem que a miséria adora companhia. Venha tomar um trago comigo.

Josie não devia ter aceito a sugestão.

Nao se lembrava bem do que acontecera em seguida.

Havia uma vaga lembrança de sons abafados, sorrisos entristecidos e carícias. Talvez houvesse passado a mão por aqueles longos cabelos negros. De fato, passara a última semana associando a Josie o aroma de xampu de canela. De fato, afagara-lhe as pernas longas e macias. Mais tarde, após brindar a ex-noivos e noivos desnaturados, as carícias o beijos tornaram-se mais ardentes e então... ela colocou as longas pernas a seu redor.

Lembrava-se de ter acordado na manhã seguinte com uma terrível dor de cabeça e o telefone celular tocando. Era Elinor, a secretária, informando que o sr. Nakamura estava viajando naquela tarde para tratarem do carregamento de mobília de madeira nobre sobre o qual haviam assinado contrato.

De ressaca, entorpecido, prometera comparecer.

Então, olhou ao redor para ver se os acontecimentos da noite tinham sido apenas um sonho. Josie não se encontrava, deviam estar já de pé, preparando o café da manhã para os hóspedes.

Poderia crer que ela nem estivera ali, não fossem os dois copos de uísque vazios sobre a mesa próxima à lareira. Só então viu a calcinha de Josie em meio aos lençóis.

Fez as malas rapidamente antes de descer. Deveria falar com Josie, mas não sabia o que dizer.

Encontrou tia Hattie na cozinha, mas nada de Josie.

- Kurt telefonou - informara a tia. - Queria encon¬trar-se com ela agora pela manhã. Como ele não apareceu ontem, eu disse para ela ir. - Sorrindo, completara: - Ela vai lamentar não ter se despedido de você...

Ele não tivera tanta certeza.

Josie devia ter-se arrependido dos acontecimentos na noite anterior. Com certeza, correra para os braços do noivo assim que ele estalara os dedos. Melhor assim. Não teria de fazer papel de tolo desculpando-se por seu comportamento.

Mas somente por sete meses.

A ocorrência daquela noite voltava a ter importância agora.

Antes de mais nada, precisava descobrir por que tia Hat¬tie lhe legara a pousada. A maior responsável pelo sucesso daquele estabelecimento, Josie, o merecia mais do que nin¬guém. Ele, Sam Fletcher, não tinha nada a ver com aquilo.

Pensando bem, estaya mais envolvido do que imaginara a princípio. Herdar um legado implicava pagar impostos. Ele tinha como arcar com as despesas, mas Josie, não. Se abrisse mão da pousada em favor de Josie, ela não se beneficiaria. Provavelmente, não teria como mantê-la em funcionamento.

Ora, talvez Josie nem quisesse aquela herança. Talvez já estivesse casada com Kurt.

Prestes a se tornar pastor, o noivo de Josie era muito dedicado a seu ofício religioso e um tanto possessivo no que se referia a ela. Tinha a impressão de que ele não admitiria dividir as atenções dela com mais ninguém, depois que se casassem.

Sam gemeu tentando analisar a situação. Tinha certeza de que estaria raciocinando com mais lógica se não estivesse sofrendo tanto os efeitos da mudança de fuso horário. Talvez tudo fizesse mais sentido pela manhã.

Cansado demais para se levantar e ir para o quarto, aninhou-se ali mesmo no sofá, com uma almofada sob a cabeça. Seu último pensamento consciente foi para a ines¬perada herança.

- Tia Hattie, o que está aprontando agora? - murmurou.

Sam deu a si mesmo um prazo de vinte e quatro horas para ir até Dubuque e resolver o problema da pousada, talvez colocando Josie para administrar o negócio até que surgisse alguém interessado em comprá-lo. No dia seguinte, deveria estar de volta a Nova York para a reunião com um grupo de empresários da Tailândia.

Teria preferido aguardar a volta do testamenteiro Herman Zupper, ou tratado da questão por meio do correio, telefone e fax.

Teria preferido não ter herdado nada e, assim, não ter que ir a lugar algum.

Mas era seu dever, pois tia Hattie sempre lhe demons¬trara afeto, consolando-o quando o fardo de administrar o império Fletcher tornava-se-lhe pesado demais.

Lamentava não ter podido aceitar o convite dela para passar o último Natal em Dubuque. Ficara surpreso ao aten¬dê-la ao telefone naquela tarde fria de dezembro. Tia Hattie geralmente enviava-lhe telegramas quando queria comuni¬car algo.

- Venha, Sam - insistira ela.

Ele alegara estar ocupado. Muito ocupado.

Mas estivera mesmo ocupado demais para passar o Natal na pousada de tia Hattie? Não. Bem poderia ter tirado al¬guns dias de folga e levado a mãe para celebrarem com tia Hattie aquele que seria seu último Natal.

Recusara o convite por causa de Josie.

Teria sido constrangedor. Esquisito. Ela e Kurt planeja¬vam casar-se em dezembro, logo após a formatura de Kurt.

A julgar pelas peças que o destino vinha lhe pregando, no mínimo teria que levar Josie até o altar e entregá-la àquele tipo insensível!

Não, obrigado. Por isso, negara o último pedido da querida tia Hattie.

Agora, era tarde demais. Mas iria a Dubuque, pois amara a tia e lhe devia isso.

E Sam Fletcher não fugia ao dever.

- Oi, Sam - saudou um velho grisalho numa cadeira de balanço à varanda, assim que Sam saltou do carro alu¬gado na aléia em frente da pousada. - Faz um tempão que você não aparece!

- Oi, Benjamim. - Sam subiu os degraus e estendeu a mão. - Como vai?

O velho o cumprimentou com energia e recostou-se no¬vamente na cadeira.

- Sinto a falta de Hattie, se quer saber a verdade - declarou. Começou a balançar-se na cadeira.

- Eu imagino.

Sam sabia que Benjamim Blocker devia muito a tia Hat¬tie. Aos oitenta anos, era um agregado da pousada, a exem¬plo de Josie. Muitos anos antes, ele trabalhara no rebocador que o falecido marido da tia mantinha no Mississipi, mas fora demitido por ser alcoólico. Sempre esperançoso por se recuperar, participara de vários programas sociais para se livrar do vício, sem sucesso, aparecendo de vez em quando para fazer uma refeição.

Então, no ano em que Walter morreu, Benjamim apareceu na pousada no momento em que tia Hattie enfrentava um problema nas instalações hidráulicas e realizou todos os reparos necessários.

Grata, tia Hattie sugerira:

- Por que não fica por aqui? Há muito trabalho a ser feito.

E Benjamim ficara. Ser necessário, realmente necessário, provocara nele uma mudança que nenhum dos programas sociais bem intencionados conseguira. Nunca mais colocara uma gota de álcool na boca. Desde o dia em que começara a trabalhar na pousada, já instalara banheiros novos em quatro cómodos e mantinha as instalações hidráulicas em perfeita ordem.

Depois, quando tia Hattie comprou uma casa no meio da encosta pensando em alugá-la por períodos mais longos, Benjamin executou as reformas necessárias e mudou-se para o porão, como zelador. Havia pouco mais de um ano, ela lhe doara a casa. Ele jamais ficaria sem um teto.

Provavelmente por isso, refletiu Sam, tia Hattie não le¬gara mais nada a Benjamim no testamento.

Cletus, outro agregado da pousada, aproximava-se da va¬randa a passos lentos. Com uns setenta e cinco anos agora, tia Hattie encontrara-o na fila da sopa destinada a pessoas carentes e logo descobrira tratar-se de um jardineiro de¬sempregado. Convidado para fazer a manutenção do jardim da pousada, logo demonstrara profundo conhecimento do ofício:

- As plantas precisam de poda, mas a época certa é no outono. - Avaliou os arbustos de flores, muito crítico. - Aquelas peônias precisam de armação - declarou. - E uma treliça melhor para as parreiras.

- Pode fazer uma treliça tipo caramanchão? - pergun¬tara tia Hattie, animada.

Cletus atendera ao pedido, e o caramanchão estava até hoje no mesmo lugar.

O velho jardineiro pousou o carrinho de mão cheio de casinhas com plantas e olhou Sam de cima a baixo.

- Como vai, Cletus? - Sam estendeu a mão.

Cletus grunhiu e apertou a mão de Sam, num cumpri¬mento mais forte do que o normal.

- Você demorou para vir.

Sam mostrou-se desconsolado.

- Vim o mais rápido que pude. Eu estava no Oriente quando tia Hattie faleceu. Não pude vir ao enterro.

Cletus soltou um grunhido e Benjamim, outro.

- Mas aqui estou - finalizou Sam. - Não se preocupem. Tudo vai ficar bem. Vou arranjar tudo.

Cletus aquiesceu.

- Mas é claro que vai.

- Tenho certeza de que vai fazer o que é direito - Beijamim assentiu satisfeito.

Sam ficou contente por confiarem nele.

- Claro que vou.

- Contamos com você - declarou Cletus, finalmente.

O que estava acontecendo ali? Estariam pensando que ele venderia o estabelecimento sem levá-los em consideração?

- Vou me assegurar de que vocês fiquem bem - prometeu.

- Não estamos preocupados conosco - disparou Cletus. - Mas com Josie.

- Vou tomar conta de Josie - prometeu Sam.

Aparentemente, era o que os dois anciãos esperavam ou¬vir, pois ficaram mais relaxados.

- Eu sabia - comentou Benjamim.

- Bom rapaz - concordou Cletus, e bateu-lhe às costas.

Sam aproveitou e indagou:

- Onde ela está?

- Na cozinha. Ela não disse que você estava vindo.

Sam transferiu o peso de uma perna a outra.

- Eu não telefonei. - Não explicou por quê. Mas pre¬cisava esclarecer uma dúvida antes de vê-la. - Ela... ela se casou?

Benjamim ficou olhando para ele. Cletus tirou os óculos, limpou-os e recolocou-os antes de responder:

- Ainda não.

Sam suspirou. Não era de surpreender. Nunca depositara muita fé no tipo egoísta que Josie escolhera para marido.

- Vou falar com ela agora.

Sam contornou a casa rumo à porta dos fundos.

Podia ter optado pela porta da frente, mas então teria que tocar a campainha e esperar que Josie fosse abrir a porta envidraçada. Ela o veria antes que ele a visse. A vantagem seria dela.

Mas ele queria a vantagem a seu lado.

Viu-a pela janela da cozinha. Havia um balcão isolado no meio e ela estava atrás dele, arrumando flores. Josie era alta, mais de dez centímetros em relação a Izzy, e tinha cabelos castanhos brilhantes e compridos com reflexos aver¬melhados devido à exposição ao sol. Lembrava-se de querer passar a mão naqueles cabelos, desde a primeira vez em que a vira, quando ela não era muito mais do que uma criança. Sempre detivera-se até...

Enfiou as mãos nos bolsos. Ela o teria visto chegando se tivesse levantado o olhar. Mas estava compenetrada, arru¬mando flores em diversos vasos. Narcisos, cravos, sempre-vivas, ramalhetes alegres que traziam a natureza para cada quarto, conforme comentara certa vez.

Josie realizava aquela tarefa todos os dias. Não a deixara de lado nem mesmo em seu aniversário, quando o noivo a decepcionou, quando ele a convidou para tomar uma bebida em seu quarto e...

Raios! A única alternativa agora era pedir-lhe desculpas, adinitir que cometera um erro, que ambos haviam cometido um erro. Então, sendo civilizados, superariam essa questão.

Abriu a porta.

Josie ergueu o olhar, um sorriso no rosto. Assim que o identificou, ficou séria. E pálida.

Sam remexeu o maxilar. Respirou fundo e tentou falar num tom descontraído.

- Josie...

Ela engoliu em seco.

- Sam...

Ele estranhou a recepção. Estava acostumado a ver o rosto de Josie iluminar-se ao vê-lo. Estava acostumado com o brilho em seu olhar, a alegria em seu rosto. A expressão dela naquele momento era de contrariedade. Era como se da estivesse atrás de uma parede de aço. Ele não era digno nem da atitude cordial que ela reservava aos hóspedes.

Sam contraiu os lábios e assentiu levemente, reconhe¬cendo a distância que ela impusera.

- Vim assim que pude - declarou, frio. - Lamento não ter comparecido ao enterro. Estava em Hong Kong e tinha que passar no Japão antes de voltar.

- Claro.

Josie pegou um cravo e ajeitou-o no vaso, evitando encará-lo.

O relógio emitia um som leve da movimentação do pon¬teiro dos segundos. Um avião passou ao longe.

Sam tamborilou os dedos na coxa.

- Eu devia ter vindo no Natal. Não vim porque... porque...

Por sua causa. Não, não podia dizer aquilo. Respirou e tentou novamente.

- Quando estive aqui da última vez...

Parou de novo.

Devia-lhe um pedido de desculpas, com certeza. Mas ela não estava facilitando a situação. Gostaria que ela o enca¬rasse naquele momento, que lhe desse alguma indicação do que estava pensando.

Sam Fletcher, que alguém definira como alguém que "exa¬lava charme por todos os poros", naquele momento apenas transpirava de nervosismo.

- Sobre aquela noite... - recomeçou, concluindo que a aproximação direta era a melhor política. - Foi um equí¬voco. Um grande equívoco... convidá-la para tomar uma be¬bida comigo. E depois... bem, depois...

Fez uma pausa. Raios, pelo menos olhe para mim!

Ela olhou. Não foi de grande ajuda. Seu semblante estava tão inexpressivo que ele não tinha a mínima idéia do que se passava em sua cabeça.

- O que quero dizer é que... Nunca planejei que aquilo... acontecesse. - Calou-se de novo, devido ao silêncio total dela. - Foi efeito do uísque...

- Foi o que pensei. - A voz de Josie saiu sem vida, indiferente.

Ela se voltou para olhar pela janela.

- Quis falar com você na manhã seguinte, mas tia Hattie disse que você tinha ido encontrar Kurt...

Ela assentiu.

- Eu compreendo.

Então, ele não arruinara a vida dela. Otimo. Sorriu in¬seguro e respirou bem fundo.

- Que bom.

Josie pegou dois vasos que estavam à sua frente e colo¬cou-os no carrinho. Sam desceu o olhar, esperando vê-la de short, exibindo aquelas maravilhosas pernas longas, pernas com as quais um dia ela o imobilizara.

Mal viu-lhe as pernas.

Viu só a barriga.

Josie estava grávida!

E não era início de gravidez. Ela estava enorme.

- Você vai ter um bebê!

Josie colocou os vasos no carrinho.

Ela estava grávida e...

- E Kurt ainda não se casou com você?

De repente, Sam sentiu-se furioso. Aquele egoísta do Kurt continuaria a fazer pouco caso dela sempre? Era inadmissível!

- Até que ponto vai a irresponsabilidade desse seu noivo?

Josie encarou-o.

- Por que ele se casaria comigo? Não é dele o filho que estou esperando.

- Não...? - Sam gaguejou, atónito. Não era filho de Kurt?

Franziu o cenho, o cérebro funcionando a todo o vapor, processando a nova informação, tentando encaixar as peças do quebra-cabeça.

Ora, Josie não era uma moça leviana! Sempre lhe pare¬cera tão quieta, dedicada. Meiga. Gostava dela, respeitava-a, mas lamentava que a vida não lhe reservasse sorte no amor.

Compadecera-se dela naquela noite de outono e desejara confortá-la. Talvez houvesse se equivocado. Remexeu o ma¬xilar. Afinal, quão promíscua era aquela moça?

- Quero crer que você sabe quem é o pai da criança - replicou, em tom de censura.

Josie arregalou os olhos. Rígida, ergueu o queixo e ru¬borizou intensamente.

- Na verdade, sei - confirmou, indiferente. - E você.

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