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O perfume da tua voz

O perfume da tua voz

Lu Mendes

5.0
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414
Leituras
9
Capítulo

Madelyn tem uma condição genética chamada Sinestesia. Seus sentidos se embaralham e causam muita confusão em sua vida. Ela sente o gosto dos cheiros e sente o cheiro das vozes. Por essa razão, Madelyn tenta se afastar das pessoas, ainda que esteja platonicamente apaixonada por seu vizinho de apartamento Danny. Danny é um garanhão, cheio de conquistas amorosas, que a princípio só usa as pessoas. Aos poucos Madelyn vai perceber que Danny não é bem do jeito que as pessoas o vêem. Ele é bem mais do que aparenta e Madelyn vai entender que assim como seus sentidos a enganam, muitas pessoas enganam também. Aviso de gatilhos: Ansiedade

Capítulo 1 Gatos

Capítulo 1

Gatos

Era um domingo, dia de ação de graças, quando ele bateu à minha porta. Danny Mitchell era meu vizinho de porta no apartamento da rua oito. Eu sequer poderia imaginar que Danny, algum dia, bateria em minha porta, mas lá estava ele me olhando com uma casinha de gatos pendurada em sua mão esquerda. No ombro perfeito direito ele trazia uma mochila. Subi mais os olhos e vi dois pares de olhos castanhos me olhando com olhar carinhoso.

- Eu poderia te pedir uma coisa, Lyn? Um pequeno favor.

Assim que ele falou, o cheiro de sua voz alcançou minhas narinas quase que imediatamente. Aquele delicioso cheiro de algodão doce quando ele falava. Sim, eu sofro de uma condição genética rara, a Sinestesia. Os meus sentidos são um pouco embaralhados, mas não o suficiente para me impedir de viver. Apenas para que as coisas fiquem um pouco mais complicadas. E Danny, diferente dos outros homens, que tinham vozes com cheiros amargos ou salgados, tinha um cheiro de algodão doce. Isso era algo que ninguém sabia a meu respeito, exceto meus pais. Eles sabiam o quanto eu sofri na infância. E ali, de frente para ele pela terceira vez, quase morri de vergonha. Danny era aquele cara descolado, gato, nada tímido e rodeado de amigos, muito diferente de mim. Ainda assim eu sonhava com o dia em que ele me olharia diferente. Por fim respondi.

- Pode pedir.

- Eu sei que é pedir muito, mas pode olhar meu gato por hoje? Não precisa tirar da casinha, só enquanto eu vou até meus pais para o dia de Ação de Graças? Volto amanhã.

Olhei a casinha em sua mão e pude ver o gato lá dentro. Que fofo. Corta para eu perseguindo o maldito bicho dentro do meu apartamento igual uma louca, com os cabelos ruivos todos de pé enquanto ele parecia rir da minha cara. Madelyn, ele disse para não tirar da casinha e você, com pena do bichinho, quis dar liberdade a ele por dois dias. Onde você estava com a cabeça, sua louca? Tudo que eu queria era que Danny me notasse porém se eu terminasse por matar o bichinho dele, ele me odiaria para sempre e essa não era nem de longe uma opção.

Tive que chamar meu irmão Brock para me ajudar a resgatar o gato do lustre, ele não descia de lá por nada desse mundo. Por fim, terminei toda arranhada e com uma imensa cicatriz no pescoço, tudo por causa da minha bondade infinita. O gato não viu dessa maneira, era óbvio. Brock é meu irmão do meio, muito prestativo, sempre disposto. Certa vez, fiquei no colégio, presa no banheiro por mais de uma hora, tendo uma crise de ansiedade. Brock me salvou. O fato é que muitas meninas da minha turma falavam alto e todas juntas no banheiro e eu senti tantos cheiros misturados que me embrulharam o estômago. Debbie, a maquiavélica do cabelo azul me viu ali, ajoelhada, tentando vomitar e trouxe suas amigas para rirem de mim. Eu era uma aberração para elas. Somente pelo fato de não conseguir ter muitas amigas. Em todo colégio, um bando de idiotas sempre pegavam alguém para implicar e a bola da vez fui eu, Lyn, a eremita. Isso só fez piorar tudo e meu isolamento e ansiedade só cresceram com o passar do tempo.

Morar em Manhattan me possibilitou uma certa independência dos meus pais, mas trouxe outros problemas. Eu estava naquela idade de voar mais alto. De me aventurar, portanto, aluguei um apartamento de um quarto com o salário no restaurante. Servir mesas não era propriamente minha meta de vida, mas ajudava a pagar pelo quarto enquanto eu procurava pelo emprego dos meus sonhos: Designer de interiores. Com cores e texturas sabia mexer muito bem! As cores não se embaralham como as vozes das pessoas. Eu só tive uma grande e maravilhosa amiga nos tempos do colégio e ela foi e continuou sendo a melhor e única amiga que tinha. Mi-Suk era minha melhor amiga, e para simplificar essa amizade eu a chamava somente de Mi. Mais tarde descobrimos que significava aquela que é linda e bondosa. Realmente tinha tudo a ver com ela. Mi-Suk era inteligente e igualmente perseguida como eu. Mas ao contrário de mim, ela se transformou de uma filha de coreanos dentuça em uma linda mulher alta, esguia, com cabelos lisos e negros como a noite. Crescemos no mesmo bairro, no mesmo colégio e disputamos o mesmo jogo de playstation 4. Ela sempre me ganhava. Mi-Suk era muito solitária e se tornou especialista em Call of duty. Jogávamos por horas, até a mãe dela me mandar embora para casa. Geralmente quando eu ia embora para minha casa, na mesma rua, Edwards, em New Haven, via muitos estudantes de Yale passarem apressados com suas mochilas pesadas. Eu os invejava. Queria muito ser uma universitária no futuro, aliás, eu já queria ser uma adolescente quando era criança. Quando me tornei adolescente, queria logo ser adulta. Só quando fiquei adulta percebi que era um mal negócio querer ter responsabilidades. Elas não são legais. Eu queria crescer logo para aprender a me defender do bullying por me isolar e das coisas que só aconteciam comigo por motivos de saúde. Eu busquei o isolamento por causa de tudo que me acontecia de muito diferente, em virtude da minha condição genética. Tornei-me ansiosa por fim. Afinal, não é nada normal sentir o gosto das páginas dos livros e terminar por ficar enjoada lendo alguns deles. Eu sempre ansiava por pegar um livro que tivesse o gosto de alguma coisa que nunca provei, até entender que meu cérebro não poderia processar o gosto de algo que eu nunca experimentei. Era doloroso por um tempo, mas me acostumei com os anos. Eu era diferente e isso era bom. Na maior parte das vezes.

O problema com Danny é que assim que bati os olhos nele, fiquei enfeitiçada. Ele andava para lá e para cá com seu violão mágico, que me fazia ver notas musicais e sua beleza de astro de rock. Ele era moderno ainda que trabalhasse em um antiquário. A única vez em que senti tristeza real em vê-lo foi quando o vi com sua namorada. Ela era linda. Verdadeiramente bonita e parecia gostar muito dele. Aquele foi o dia em que minha paixão platônica foi quase destruída. Só que como toda garota, eu guardava os sentimentos em algum lugar bem escondido e escuro em mim. É como aquele tipo de esperança que nunca morre, mesmo que a namorada dele seja um arraso. Existe algo em nós que guarda um bocado de esperanças, mesmo que a gente não as sinta como algo real.

Danny estava lá parado, naquele fatídico dia em que minha mãe quis ir ver comigo móveis usados para o meu apartamento. Assim que o vi pela segunda vez, trabalhando ali, com ar de enfado, meu coração quase saiu pulando do peito dentro da loja. Rapidamente segurei meus cachos ruivos e os puxei para o lado, os enrolando todos nas mãos para tentar dar um jeito na bagunça. Mas não houve muito conserto. O estrago estava feito, eu saí de casa sem prendedores de cabelo, sem elásticos, nada. Deixei os cabelos ruivos cacheados ao vento, o que só fez aumentar o volume deles. Danny, obviamente nem me notou, pois ainda não nos conhecíamos como na ocasião do gato. Ele estava lá apenas sendo Danny. O dono da caixa postal mais cheia do prédio. O cara que levou mais garotas para seu apartamento. O dono da voz mais linda que eu conhecia. Enfim, o dono do meu coração. Ele vestia uma jaqueta de couro preta, calça jeans e botas. Alheio a minha paixão. Danny era um gato. Alto, moreno de olhos castanhos, um topete ao estilo Tony Manero, inclusive, achava que ele tinha ascendência italiana. Sim, eu sou viciada pelos anos 70 e 80. Quando conheci Danny, já era viciada. Fiquei mais ainda ao ouvi-lo tocar U2 e The police em seu apartamento. Aquela foi a segunda vez que o vi. Tentei não me aproximar muito, apenas observar de longe. Minha mãe tentou compreender meu jeito arredio, mas já estava um pouco acostumada com ele e, por isso, não fez muitas perguntas. Comprou um sofá velho. Um sofá...velho. Já era dificil conviver com todos os odores que chegavam a mim, transformando-se em sabores e comprar um sofá velho, vindo da casa de outras pessoas velhas, foi como lamber pó. E enfim, o mais estranho aconteceu.

- Você não é a garota que mora no apartamento em frente ao meu?

A voz de algodão doce me conhecia. Como me conhecia? Eu parecia um fantasma, entrando e saindo do prédio sempre às pressas. O coração acelerou repentinamente, meu rosto esquentou. Senti sua mão em meu braço, segurando de leve. Voltei lentamente meu rosto para ele e sorri.

- É, sou eu... sou...

Ele abriu um sorriso largo e senti meu estômago embrulhar de nervoso. O que mais ele queria saber?

- Ah que legal, me mudei recentemente, é bom fazer amigos.

Não respondi. Não consegui.

- Ela também adora fazer amigos, não é Madelyn? - Minha mãe teve que intervir.

- Claro. - Respondi, segurando novamente os cabelos.

-Vou dar uma festa, depois da Ação de Graças e você vai. Meu nome é Danny.

Eu sei seu nome, eu vejo sua caixa de correio e fico olhando para sua conta no Instagram, por minutos. Estendi a mão.

- Me chamo Madelyn, mas pode me chamar de Lyn.

Ele segurou minha mão e a chacoalhou. Instantaneamente lembrei de sua namorada, afinal ela ia sempre a seu apartamento e os sons que ela fazia eram interessantes. Ainda bem que não os podia sentir, já que queria estar em seu lugar.

- Ah ela vai à festa. Não vai, Madelyn? -Perguntou minha mãe, batendo em minhas costas como se eu estivesse engasgada.

- Vou, vou.

- Querido, tenha um excelente dia de trabalho. - Minha mãe respondeu.

- Para vocês também.

Ele respondeu com um sorriso radiante, enquanto enfiava as mãos nos bolsos. Aquele aroma de algodão doce se dissipou das minhas narinas e eu pude voltar a meu estado quase normal, exceto por ter falado com ele. ELE ME CONHECIA! Ele reparou em mim. Olhou para mim por tempo suficiente para me reconhecer. Eu estava flutuando em nuvens de algodão doce naquele momento.

- Gosta desse rapaz, Lyn? - Minha mãe cortou minha vibe repentinamente.

- Não, mãe, por que pergunta isso?

- Sei quando gosta de alguém, fica sorridente e puxando os cabelos. Já é hora de sair desse casulo não acha?

Minha mãe me conhecia melhor que Mi- Suk. Mães tem esse poder especial de saber quem somos mesmo, como somos e do que gostamos sem abrirmos a boca. Constance era aquela ruiva natural que adorava tingir mais os cabelos para tentar deixá-los na cor laranja natural. Afinal os brancos já apareciam e não eram poucos.

- Acho, mas ele tem namorada.

- Isso é um problema, Lyn, mas na festa você vai conhecer outros rapazes tão bonitos quanto ele.

Tão bonitos quanto ele foi a frase que me fez ter certeza de que Danny era uma unanimidade. Até minha mãe achou ele bonito. É verdade que beleza não quer dizer muita coisa. Existem pessoas lindas de péssimo caráter, mas eu não conhecia o dele ainda. As pessoas eram, pelo menos para mim, maravilhosas até que me provassem o contrário. Portanto, Danny Mitchell era bonito e boa pessoa até que eu conhecesse de verdade sua vida ou sua reputação. E isso tudo mudou no dia seguinte, bem no dia de ação de Graças, em que sua namorada esmurrava sua porta. Olhei pelo olho mágico o que acontecia. Ela chutava e dava socos na porta, gritando, super alterada.

Danny, sai daí! Eu sei que você está em casa!Tá trepando com a Debbie, eu descobri tudo, seu filho da puta, canalha, eu te odeio!

Decidi abrir a porta. Ela me olhou. Os olhos da mulher estavam vermelhos de tanto chorar. Debbie... Eu odeio esse nome.

- Ele não está mesmo, foi ao dia de ação de Graças com os pais.

- Hmm... - Ela puxou o ar - Como sabe disso?

- Ele me pediu para ficar com o gato dele por dois dias.

- Ele te pediu isso? - Ela riu de forma irônica e seus bonitos dentes brancos apareceram - Ele consegue tudo que quer mesmo, não é?

A voz dela chegou a mim com cheiro de perfume de lavanda e eu odeio lavanda.

- Claro que ele te contou uma história triste para te seduzir a ficar com o gato dele.

Não. Eu fiquei por que sou doida por ele. Era óbvio que não podia dizer isso.

- Não, fiquei por que gosto de ajudar os vizinhos.

Também verdade.

- Tão virtuosa! - Ela zombou - Enfim, me desculpe pelo barulho então. Ele está solteiro mais uma vez, por que não consegue manter o pau dentro da calça. Tchau.

Reputação. Danny não tinha das melhores. Eu teria que esquecê-lo ou esquecê-lo. Não havia outra saída para mim.

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