Ismael entrou no bar, pediu uma cachaça e um cigarro barato. Naquela tarde, tudo o que ele queria era afogar a dor de corno. O jovem nem pensou que o rumo da sua vida poderia mudar depois de pedir um isqueiro emprestado. Conversa vai e conversa vem; um jogo de porrinha e uma aposta indecente. Os caras jamais pensaram que um caso de uma noite pudesse ficar tão sério. Porém para dar certo Ismael tem que esquecer a ex-namorada e Rodolfo precisa superar seus preconceitos. Será que é possível? Eu te conto, mas ó… silêncio. Tem que ser tudo no sigilo.
Não consegui dormir. Passei o restante da noite virando de um lado para o outro da cama. Pensei em muitas formas de dar um gran finale para a história com a Bia, mas acho que nenhum desses servem. A ideia de dar o troco na mesma proporção não me é uma opção agora, pois tudo que eu menos quero é que ela diga que eu também fui cretino. Pelo contrário. Quero colocar a dúvida na cabeça dela, quero que ela se arrependa e entenda que passei pela vida dela não como "mais um cara", mas "o cara". Quero que ela lembre, para sempre, de mim como o homem que ela traiu sem nenhum motivo aparente.
Dei a ela tudo que pude e que as circunstâncias pediram. Carinho, farras, companherismo, muito sexo e uma dose de putaria, para no final ela me recompensar daquela forma. Que ela sinta a dor na consciência. Se é que piriguete tem consciência. Sei que a minha está e permanecerá tranquila.
Acordo pela manhã com um pouco de dor de cabeça. Não escutei o celular alarmar. Também podera. Cochilei quando deveria estar acordando. Pensar na vida também cansa.
Às dez da manhã envio uma mensagem para minha supervisora informando que estou com enxaqueca e que ainda não tive tempo de ir a uma emergência para conseguir um atestado médico.
Sinto que estou na corda bamba lá no trabalho, mas não consigo agir diferente. Este é o meu normal.
Respiro fundo.
— Você está com uma cara péssima, querido.
— Eu sei, mãe. Desculpa por estar te obrigando a me ver assim.
— O que aconteceu? Não foi trabalhar por quê? - ela me abraçou.
— Estou com muita dor de cabeça. – e choro.
Meu corpo já não tem mais espaço para tantos pensamentos. Sinto como se minha cabeça fosse explodir a qualquer momento. Tudo que eu mais quero é apagar e acordar quando todas as dores cessarem. Nunca pensei que ser traído fosse tão sufocante.
— O que aconteceu Ismael?
— Nada.
— Não conheço alguém que chore por nada. Quem fez o quê?
— Você sabe que tenho problemas hormonais. Sabe do meu histerismo. Emoções inconstantes são normais para mim.
— Você nunca foi a um médico especialista. Como posso dizer que é isso que falou? Não gosto de te ver chorando. Me parte o coração.
Juro como eu gostaria de pedir a ela pra calar a boca. Tudo passa. Estas lágrimas também secarão. Assim espero.
O último soluço me conforta. Passo agora a ver tudo por um outro ângulo.
Sem muita "volta", saio dos braços de minha mãe. Não é tão difícil, ela ainda tem o que fazer.
Consigo o atestado às 15 horas sem problema algum.
Acho que preciso tomar uma dose de cana. Quero amortecer essa dor que parece não sarar.
Saio do hospital e entro em um desses botecos sujos.
— Tem tequila? – pergunto.
— Aqui só tem bebida pra homem.
— Preparou o bar pro seu?
— Se for arrumar confusão, pode ir dando meia volta.
— Me vê uma dose da cachaça mais pau no cu que tu tem ai.
— Ta com desgosto camarada? – o homem do balcão pergunta enquanto despeja a dose no copo.
— Tem descartável?
— Macho tu entrou no lugar errado. Isso aqui não é ambiente pra tu não.
— Me traz um copo descartável. – peço após ver um bêbado ao meu lado com a boca cheia de ferida.
— Aqui.
Tomo tudo sem fazer careta.
— Mais uma.
— Cuidado com essa aqui que ela é "porreta".
O cheiro de cigarro me atrai. Engasgar com a fumaça quando estou irritado é uma otima forma de acalmar.
— Me vê uma carteira do seu pior cigarro. Quero o mais "vagabundo" de todos — Tem isqueiro? – pergunto após estar com o maço de cigarro em mãos.
— Acabou o gás do único que eu tinha.
Vou até a mesa onde estão conversando dois homens desse tipo que tem cara de pobre. Um branco de pele avermelhada, creio que pelo excesso de sol, e o outro mais alto e moreno. O "brancoso" tem a pobreza mais acentuada na face.
— Vocês têm isqueiro?
— Não fumo camarada. – o moreno responde.
— Pega ai. – o outro retira o isqueiro do bolso. — Aproveita e senta com a gente. Percebi que ta sozinho na sofrência ali no balcão.
— Valeu. – agradeço.
— Diga lá. Qual seu nome?
— Ismael.
— O meu é Chico e esse "poste" aqui é o Rodolfo.
Conversar com estranhos simpáticos é uma ótima maneira de desviar a atenção do ocorrido.
— E você costuma beber daquele jeito mesmo? – Chico parece mais comunicativo.
— Sim. Quer dizer: "não". Melhor eu falar, caso contrário não vou melhorar. Estou assim por conta de uma garota. Ela me decepcionou muito. Ainda não sei o que vou fazer com ela. Até o momento, tudo que sei é que não a quero mais.
— Sei bem o que é decepção. – Rodolfo parece que se identificou — Comecei a trabalhar para uma mulher há alguns meses. Uma bela mulher, que me veio com belas propostas. Ganhos fabulosos em curto tempo e quase nada de esforço. Por ela eu deixei passar grandes oportunidades e ontem descobri que fui um objeto nas mãos dela. Não sei se amor ou paixão ou putaria, mas ela foi o primeiro sentimento forte que senti por uma mulher. A primeira mulher que me completou.
— Completou? – não compreendi.
— O camarada aí descobriu o que era preenchimento com uma "dona" meio vadia. — Chico solta uma risada fraca.
— Digamos que ela soube o que fazer na hora certa.
— Tu era virgem?
— Não. – Rodolfo ri — Na verdade, eu ja havia trepado com homens e mulheres e nunca soube o que era gozar.
— O que ela fez de diferente? – pergunto curioso.
— O camarada ai gosta de uma dedada. – Chico sabe que o outro não vai ter coragem de se abrir tanto.
— Vai tomar no seu cu, Chico. Tá tirando sarro, mas aguentou meu pau todo no seu cu e gozou e eu não. – toma a cerveja do copo — Dentro de um banheiro químico.
— Por que fizeram isso? – perguntei. — São gays?
— Apostas meu "caro". - Chico respondeu - E voce havia dito que nunca contaria essa "porra" pra alguem. – olha pro amigo.
— Para quem o Ismael iria contar? – Rodolfo está certo que eu não tenho nenhum contato com o grupo social deles.
— Podem ficar tranquilos. Sou bom com segredos.
— E você já deu o cu?
— Não, Chico. – dou uma risada sem jeito — Só comi. Não é minha praia não.
— Depois que você dá uma vez, vira vício. O custo é gostar. Vira e mexe eu to me trocando com esse viado meu amigo. – e bate de leve nas costas do outro. — Agora que sabe, espero nao precisar te calar.
— Exagero dele. – Rodolfo sorri.
— Vocês querem cigarro? – pergunto acendendo outro cigarro.
— Nem eu fumo uma "porra" dessa. – o comentario de Chico me da um choque.
— Pedi o mais vagabundo.
— Esse ai passa disso.
— Onde a sua garota está agora? – Rodolfo pergunta.
— Provavelmente procurando um novo "idiota".
— Melhor mudarmos de assunto. Passado é passado. Vamos brincar de "porrinha".
— Não sei o que é. – digo.
— Escondemos os palitinhos de dente nas mãos e mostramos eles após darmos nosso palpite entre impar ou par. Jogo de adivinhação.
— Tá legal.
— O que vamos apostar?
— Tô liso aqui. Primeira rodada. Se ganharmos, eu ou meu camarada, te pagamos dez reais, se ganharmos você vai ter que deixar o vencedor gozar na sua boca.
— Aposta sem cabimento essa sua. – digo me sentindo tímido..
— Uma alternativa para você. E ainda pode sair 20 reais mais rico.
— Tá bom. – aceito o desafio.
Elimino Rodolfo na primeira jogada. Pura sorte. E ganho do amigo "camarão" após uma breve tentativa de adivinhação.
Estou confiante e por isso pago mais duas terças de cachaça. Só espero que minha capacidade de raciocínio não diminua.
Abrimos mais uma rodada. Ganho a partida e contabilizo quarenta reais em caixa.
Perco a terceira na primeira jogada e ganho a quarta partida eliminando Chico e Rodolfo, nesta ordem.
A confiança me sobe a cabeça. Sorte aliada a uma capacidade de raciocínio fora do comum não fazem muito bem a um ser humano, ainda mais se ele estiver bebado.
Peço um burrinho de cachaça
— Vamos parar por aqui. – Chico avisa. — Caso contrario não terei grana para pagar nem minhas cervejas. – e ele ri.
— Vamos a última. – peço
— Não temos mais o que apostar.
— Ainda possuem cu. Não possuem? – já tô mais jogado depois de embriagado.
— Não camarada. Da última vez que perdi, fiquei uma semana sem conseguir "cagar" direito.
— Se vocês perderam, como os dois.
— Gulosinho né. – Chico ri.
— E se perder? – Rodolfo quer saber — Comemos você?
— Os dois não. Somente o vencedor. To “legalzinho”, mas ainda não cheguei ao estado de embriaguez extrema não.
— Topo! – Rodolfo parece determinado.
Olho para Chico.
— Fazer o que né? Vamo lá.
Mãos para trás da cadeira. Preparo três palitos. Primeira jogada, Chico está fora.
— Não me decepcione, Rodolfo. – ele pede já com a testa suada.
Olho no olho. Estamos em um momento decisivo. Penso em par, mas na dúvida troco para ímpar. "Uma, duas, meia e já!"
Eu deveria ter ficado com "par". O sorriso malicioso de Rodolfo assusta um pouco. Nunca me senti ameaçado da forma que estou. Hora de trapacear. Como fugir deles? Não. Dei minha palavra, preciso cumpri-la agora. Não preciso me preocupar tanto. O álcool me serve um pouco como anestésico.
— Posso ficar de plateia?
— Não mesmo, Chico. Agora é entre eu e Rodolfo. Onde fica o motel mais próximo? – tô tentando manter o pouco de dignidade que ainda me resta.
— Na rua de trás. – Rodolfo responde.
— Quem aqui tem transporte? – pergunto.
— To de carro. – meu “algoz” está em alerta.
— Vamos lá. – levanto da mesa.
Capítulo 1 Pós-festa
02/03/2023
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