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SOMOS AQUELES QUE NÃO EXISTEM

SOMOS AQUELES QUE NÃO EXISTEM

rodrigopeixoto

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Capítulo

Suzana é uma secretaria que vive no Anel Lunar entre a ordem de despejo e sapatos novos quando um homem literalmente entra em sua vida abruptamente pouco antes de se mudar para a Terra que agora é um planeta hinóspito e isso não era o que ela esperava para um encontro naquele dia. Um criador de lagartos vai até a cidade mais próxima para vender sua colheita e negociar umas terras sem esperar que suas entranhas fossem derretidas por um estranho homem depois de um tiroteio na frente do bar, aparentemente por seu mais fiel funcionário. Agora, resta a seu filho voltar a cidade para reclamar seu corpo e contratar o melhor caçador de recompesas para fazer justiça e isso não tem qualquer ligação com Suzana. Pelo menos não até ela acordar no meio do deserto, no planeta Terra onde nunca estivera, sem nenhuma memória de como havia ido parar ali. E como se isso não fosse problema o bastante, tem alguma coisa errada com o corpo em que ela está. Em um futuro onde uma guerra contra os artificiais transformou a Terra em um planeta desprezado e cheio de misterios que podem ou não ser verdade os humanos migraram para o Anel lunar e a Lua. Uma secretaria que mora em um nivel não tão abastado do Anel Lunar vai ver sua vida mudar completamente depois que um encontro com o que poderia ser o homem dos seus sonhos termina a colocando no deserto do planeta sem que possa se lembrar como chegou lá, em um corpo que não é o dela. Enquanto isso, um homem é assassinado a sangue frio em frente ao bar da cidade por um bando de foras da lei e seu filho precisa deixar a fazenda em busca de seu corpo, e justiça. Para isso vai contar com sua coragem e a ajuda de um caçador de recompensas beberrão e um reporter do Anel lunar que não gosta de dar muitas explicações. Como os destinos destas pessoas se cruzará é parte do mistério desta aventura em um planeta hinóspito onde lagartos são os animais de montaria em meio as areias vermelhas e mortais.

Capítulo 1 O FAZENDEIRO ORGULHOSO - PARTE 1

O vento soprou devagar, como se estivesse com remorso de fazê-lo sentir tão gelado daquele modo. Mesmo assim, decidiu dançar mais algumas vezes ao redor de seu casaco surrado, porque, afinal de contas, ele era a porra do vento e era seu trabalho. Não havia encontrado nenhum cadáver vestindo um casaco que valesse a pena, então teria de se virar com aquele mesmo, por mais algum tempo.

O forro térmico estava bastante desgastado, permitindo que aquele vento abusado desse algumas voltas geladas por sua barriga, que também estava gelada por estar vazia, mais vazia que suas intenções para aquele inverno. Puxou o ar para dentro dos pulmões devagar, não estava com pressa alguma. Não tinha porra de lugar algum para ir aquela manhã. Talvez seguisse o vento. Levantou a cabeça mais um pouco, agora que o filho da puta dera um tempo. Seus olhos contemplaram a imagem a sua frente, mostrando suas opções. Se andasse até o final do dia, alcançaria aquele vilarejo, e talvez conseguisse algum contrato interessante para colocar algum crédito em sua conta, mas não gostava daquele lugar. O vento passou por suas costas rapidamente e se acreditasse, diria que estava o mandando seguir naquela direção, mas era somente o vento, ainda mais burro do que ele considerava a si mesmo. Então, olhou para o norte. A fumaça marrom subia alto. Seguindo cinco ou seis dias naquela direção, encontraria a cidade que produzia aquilo tudo. Não se importava com a caminhada de seis dias. O problema é que gostava demais daquele lugar. Esperou para ver se o vento iria ter alguma coisa a dizer. Ele teve. Passou exatamente pelo mesmo lugar que havia passado anteriormente. Seu filho de uma puta. Agora, ele mesmo produziu algum vento pelas ventas e voltou para o acampamento. Apanhou seu aquecedor, fechou as pernas do aparelho e o desligou. Ainda tinha mais três ou quatro horas de calor sem precisar recarregá-lo. Soquetes de energia eram quase tão disponíveis para ele quanto casacos térmicos novos. Apanhou seu colchão e com um toque o fez se enrolar e encolher. Meteu tudo na mochila, de onde a panela nem sequer saiu aquela noite, e fechou-a rapidamente.

_ Cadê você, velho feio? – olhou ao redor e Wayne estava parado próximo a uma pedra, onde gostava de dormir em noites frias. Era esperto aquele lagarto. Aquelas pedras ficavam quentes a noite e ajudavam a mantê-lo aquecido. Seria uma excelente opção para ele também, mas Wayne era imune a picadas de aranhas de pedra, ele não.

_ Venha. Vamos embora – viu os olhos de Wayne se abrindo devagar. A cor dourada deles brilhou. O lagarto acordava mal humorado todos os dias. Esticou as pernas traseiras para trás devagar. Esticou as unhas uma por uma.

_ Wayne – eles se olharam – eu não tenho a manhã toda – o lagarto soltou o ar dos pulmões o encarando. Ambos sabiam que tinham, sim, a manhã toda. Até mesmo o resto do dia, da semana. Não tinham porra nenhuma para fazer, como não tinha merda nenhuma para comer, desde a dois dias quando entregaram o último foragido que conseguiram botar as mãos. Wayne esticou as patas da frente, como se nada mais houvesse para se fazer aquela manhã e ficou em pé. Seu corpo avermelhado, com manchas marrons que ajudavam fazê-lo mais ameaçador, se alongou. Sua cauda se esticou, fazendo pequenos estalos a medida que os ossos voltavam para o lugar. Caminhou devagar até o homem parado, a sua frente. Mas fez isso bem devagar. Não queria que parecesse que estava seguindo ordens. Lagartos de montaria não seguiam ordens, aceitavam opiniões, quando muito.

_ Obrigado, majestade! – ele ignorou o homem dentro do casado preto fedido. Já estavam juntos a tempo o bastante para saberem quando um deveria ou não ignorar o outro. O homem puxou um disco metálico da cintura de sua calça escura, que já devia ter tido uma cor qualquer, mas que agora era basicamente um tingimento de terra vermelha escuro com manchas em todos os lugares até sumirem nas botas que quase chegavam ao joelho. Colocou o disco no meio da costa do lagarto de cinco metros de comprimento por dois de altura e a cela se abriu automaticamente ao entrar em contato com o corpo de Wayne. O lagarto bufou quando ela se prendeu a sua barriga gelada e olhou para o homem.

_ Não começe a reclamar novamente. Eu sei que gostava mais da antiga, mas ela se foi e temos de viver com isso, juntos. Certo? – o homem passou a mão pela pele marrom da cara de Wayne e os olhos se fecharam por um instante.

_ Vamos? – prendeu o pé na cela e montou o lagarto. Respirou fundo e se apoiou em sua cabeça.

_ Que tal você escolher para onde vamos, desta vez? – os olhos dourados subiram para encarar o homem.

_ Eu acho que deveríamos tentar a cidade ao norte, mas são seis dias de caminhada até lá e você fica cada vez mais mal-humorado quando está com fome. E não sei o que é pior. Aquela cidade ou você com fome – Wayne soltou o ar dos pulmões. Os olhos do lagarto subiram para o céu. O sol logo estaria sobre suas cabeças e mais calor ajudaria Wayne a andar mais rápido, mas tantos dias de caminhada sem garantia nenhuma de uma refeição não parecia promissor.

_ O que nos leva aquele vilarejo poeirento, mais uma vez – ele prendeu a guia na cabeça do lagarto de montaria e mostrou que queria seguir em frente. O animal soltou seu grito padrão e começou a descer a beirada da montanha de areia em que estavam, rumo a planície onde havia mais areia. Aquela areia vermelha que ocupava quase todos os lugares que conhecia. Ela só parecia preservar algumas planícies, como a que estavam indo em direção. Para a beira do mar deserto e vermelho, onde haviam construído uma cidade da qual não gostava. Havia alguma coisa de ruim naquele lugar, pelo menos para ele. Sempre tinha a impressão de que nunca mais voltaria de lá, e talvez isso realmente acontece um dia destes.

A cidade sempre o fazia ficar empolgado. Nunca assumiria, claro, mas gostava de fazer aquela viagem até a cidade. A carroça já estava acelerada, mas os potentes lagartos domésticos foram obrigados a acelerar um pouco mais quando uma segunda carroça, puxada por dois lagartos fortes, passou pela esquerda levantando mais poeira vermelha. As mulheres dentro dela tinham aquele ar arrogante, tão típico daquele lugar, e mal o viram parado com sua carroça cheia de mercadorias. A carroça do fazendeiro seguia, ficando vários metros para trás da outra que desapareceu pelos portões que eles também alcançaram apenas minutos depois. Pensou como aquele lugar havia crescido, desde que se mudara para aquele canto do planeta, em busca de fortuna. Foram tantos anos ajudando seus amigos colonizadores a levantar aqueles edifícios com o pouco que tinham. Os anos se passaram, e hoje chegava a um lugar que quase não reconhecia, e o pior, também não sabia quem ele era a maior parte do tempo. Como se nada do que havia feito por aquele lugar, pelas pessoas, fizesse qualquer diferença. Sempre um prédio novo em cada esquina, brilhante, moderno e horrível, no lugar daquele que haviam erguido com tanto sacrifício. Ainda se lembrava de cada um deles. De cada vez que a última parede era erguida e alguém servia um banquete para comemorar. Naqueles tempos, quando todo mundo se conhecia. Naquele tempo que um estranho seria notado no primeiro passo que desse além dos muros. Os muros também haviam sido limpos ou trocados. Ao que parecia, este novo prefeito vindo do Anel Lunar estava fazendo um bom trabalho. Se você gostava de prédios chamativos brotando do chão toda semana. De qualquer forma, tudo parecia muito prospero por aquelas bandas. Seus lagartos domésticos pararam a entrada. Eram animais espertos o bastante para saber que não se entrava em uma cidade com toda aquela pompa, a não ser que fosse muito rico, ou muito tolo.

_ Senhor – seu ajudante surgiu do fundo da carroça lotada de produtos que pretendia vender e meteu a cara sobre seu ombro esquerdo.

_ O que foi rapaz? – já era um homem, mas gostava de chamá-lo de rapaz assim mesmo.

_ Quando terminarmos de fazer suas coisas, poderia me dispensar por uma ou duas horas? – os homens olharam um para o outro.

_ Claro – o mais jovem tomou o lugar que estava livre ao lado do mais velho.

_ Muito obrigado, senhor – tirou o chapéu que lhe esquentava a cabeça e segurou entre as mãos.

_ Não vai fazer nada de que vá se arrepender. Está bem? – o empregado balançou a cabeça devagar, sorrindo.

_ Sim, senhor – ele olhou para o patrão – Não vou não, senhor.

_ Senhor... Eu não vou procurar...

_ Rapaz. Um homem tem de fazer o que tem de fazer, quando sente que tem de fazer.

_ Sim senhor. É que estou pensando em... – ele olhou para o homem e tentou não parecer envergonhado demais.

_ O que está pensando, rapaz? – eles se olharam por um instante.

_ Estava pensando em registrar posse daquele pedacinho de terra que ficam depois da fazenda – o homem franziu a cabeça devagar. O Rapaz recomeçou a falar devagar e cheio de cuidados. O mais velho parecia deglutir o que ouvia com muito cuidado. O que deixava o clima meio insalubre para o mais jovem sentado naquele banco duro da carroça.

_ Claro que, por isso, estou lhe contando isso. Já que disse que qualquer um poderia reclamar a posse daquelas terras depois da fazenda. Eu...

_ Pois faça isso, meu rapaz. Já está com idade para ter sua terra – o mais moço abriu um largo sorriso.

_ Estou sim, senhor. E agora que já tenho alguém para me ajudar nessa terra, pensei que talvez fosse a hora certa de ir lá, e reclamar para mim aquele pedaço de chão depois da fazenda, não importa se ninguém o quer... – o rapaz não conseguia conter o sorriso que tentava lhe rasgar o rosto.

_ Claro que não vale nada, com aquele sumidouro no fundo e tão perto do deserto de areia, mas... Se ninguém mais quiser, posso reclamar a terra e depois pensar no que dá para fazer com ela. Estou com algumas ideias, aqui na minha cabeça. Claro que não fazer nada durante meu horário de trabalho. Senhor pode confiar – ele pigarreou.

_ Vamos fazer o seguinte – o mais velho colocou a mão sobre os ombros do mais novo que se calou instantaneamente.

_ Assim que terminarmos nossos negócios, vou com você até o escritório de terras e dizer para eles que você já está lá a pelo menos 2 anos, já tem sua casa, seu marido, e já pode muito bem reclamar aquela terra para você. Como foi prometido a todos os colonos, desde quando eu cheguei aqui – ele olhou determinado para o rapaz, que sorriu um pouco sem jeito.

_ Você precisa ter isso tudo para poder reclamar uma terra sem dono, por estas bandas, rapaz. Não pode simplesmente chegar lá e dizer que são suas. Não é assim que funciona mais, infelizmente – ele sorriu com certo pesar nos olhos.

_ Primeiro você diz que está estabelecido nela. Se não tiver nenhuma disputa da posse nos próximos meses, quando chegarmos com a colheita, a terra vai ser lavrada no seu nome – o rapaz abriu um largo sorriso. O fazendeiro mais velho pensou por um segundo.

_ Podemos colocar alguns animais lá – ele meneou a cabeça – mas você vai ter de colocar uma cerca muito boa lá, na beira do sumidouro. Não quero que mais nenhum dos meus animais caia naquele lugar. E se vou emprestar-lhe alguns animais para você começar seu negócio, é melhor cuidar bem deles, para poder me pagar – o rapaz levantou as sobrancelhas impressionado.

_ O Senhor faria isso por mim? – o rapaz quase ficou em pé na carroça metálica que os lagartos puxavam.

_ Não só faria como é isso que vamos fazer assim que terminarmos nossos negócios – sorriu para o rapaz que parecia muito satisfeito.

_ Não tenho como pagar por tudo isso, senhor – o homem fechou a cara.

_ Claro que tem homem – ele decidiu que já era hora de parar de chamá-lo de rapaz. Já era um homem, logo teria suas próprias terras.

_ Tenho? – ele levantou as sobrancelhas e parou para pensar por um instante, mas nada lhe veio à mente. O mais velho esperou até que ele terminasse de ruminar.

_ Sim, senhor. Basta você construir essa casa que vou dizer que você tem, assim que chegarmos de volta, homem. Não quero que as pessoas pensem que eu não tenho palavra – o rapaz o encarou preocupado.

_ Eu não ia querer isso para o senhor, de jeito nenhum. Mas... Não tenho o bastante para levantar mais do que 2 cômodos. Fibra Lunar está muito cara. Acha que assim...

_ Tem mais do que o bastante no depósito para construir pelo menos uma casa com dois salões bons, uma cozinha e uma bela varanda para você se sentar no final da tarde – o rapaz sorriu largamente. Ele torceu os chapéus nas mãos, estava claramente emocionado com a bondade do homem mais velho sentado ao seu lado, mas ambos eram homens duros demais para demonstrar qualquer afeto um pelo outro. Aquilo que estavam fazendo era o mais longe que dois homens como eles poderiam ir. Qualquer coisa, além disso, não seria apropriada. Afinal, aquele homem era seu patrão, apesar de considerá-lo muito mais do que alguém que lhe pagava um salário.

_ Eu vou devolver cada pedaço dela, senhor. Eu prometo – o mais velho sorriu.

_ Eu sei disso – a carroça seguiu pela rua devagar rumo ao depósito onde fariam seus negócios naquela manhã fria de inverno.

Mais uma daquelas cidadezinhas. Esta, especialmente, era aquele tipo de cidade onde todo mundo acreditava estar fazendo alguma coisa de grande importância. Um grupo de pessoas que realmente acreditava estar seguindo para algo melhor. O problema não era o fato de acreditarem nisso. O problema era que nenhuma delas se dava conta de que estavam totalmente errados. Puxou as rédeas de Wayne para o lado. O lagarto imponente parou alguns metros antes da passagem que dava entrada para a cidade.

_ Não gosto deste lugar... – Encarou o lagarto por um instante.

_ Tem alguma coisa nesse lugar que me faz pensar em virar nos pés e ir-me embora, mas simplesmente não podemos fazer isso. Podemos?

Wayne permanecia olhando em frente. Não pareceu entender uma única palavra do que o outro havia dito, ou entender perfeitamente e não se importar. Aquele maldito bicho tinha uma personalidade forte e um total desprezo pelos seres humanos. O animal avermelhado puxou ar para os pulmões devagar e começou a caminhar novamente como se soubesse que se metia em uma encrenca e estava coberto de razões, mas nenhum deles sabia disso ainda.

_ Escute o que estou lhe dizendo, seu bicho gelado. Vamos nos demorar o mínimo possível nessa cidade.

Wayne seguiu em frente. O rabo levantado para trás. A cabeça gigantesca empinada para a frente apontava para a rua coberta de cascalho grosso vermelho. Uma carruagem elegante, com duas mulheres usando chapéus que não combinavam em nada com aquele lugar inóspito passou apressada. Ambas deram uma boa olhada no homem estranho e seu lagarto. Pareciam estar impressionadas. Difícil era saber por qual dos animais que viam. Ao redor deles havia prédios de dois e seis andares construídos com fibra Lunar, natural e artificial. Os mais antigos eram apoiados em estruturas metálicas claramente pré-moldadas, provavelmente dos tempos da colonização. Considerando-se o tempo passado, não era muito impressionante. Já deveria ter o dobro do tamanho. A cidade aumentava muito mais em pretensão do que em tamanho.

_ Está vendo toda esta gente olhando para gente? – Wayne seguia devagar. Sua cauda balançava a cada vez que movia as pernas traseiras grossas que terminavam em patas com cinco dedos protegidos por unhas pretas sujas.

_ Não vamos ganhar um único crédito nesse lugar. Este ugar nunca oferece boas recompensas para ninguém, porque nem um bom ladrão ou assassino descente este lugar tem a capacidade de produzir – Wayne soltou o ar dos pulmões devagar. O homem que o montava levantou os braços devagar.

_ Eu paro de falar. Vamos até o salão, quero tomar um banho.

O homem e seu lagarto pararam em frente a um edifício de dois andares. Uma mulher estava saindo pela porta dupla com as mãos na cintura e ficou o encarando. Seus cabelos presos no alto da cabeça mostravam um rosto firme, que já havia visto beleza antes de toda aquela dureza, e a boca começando a secar nos cantos e ao redor dos olhos muito vivos a deixava com um ar severo. Ela nada disse enquanto o homem desmontava de seu lagarto. Prendeu as rédeas de Wayne bem ao lado das outras duas que já estavam ali. A cabeça marrom e vermelha dele subia vários centímetros acima da cabeça do maior lagarto parado na frente daquele prédio.

_ Eu achei mesmo que o vento hoje cheirava mais estranho do que o normal – a voz da mulher era surpreendentemente mais amistosa que seus olhos. O homem na capa térmica balançou a cabeça devagar.

_ Senhora – ela olhou para ele devagar, fingindo não estar surpresa. O homem dentro da capa pareceu estar sendo scaneado por um raio que lhe chegava aos ossos. Os scanners mudaram para o lagarto impassível.

_ Este lagarto parece cada vez mais velho e cansado – o homem balançou a cabeça devagar.

_ É a quilometragem - ele observou sua montaria por um instante.

_ Exatamente – ela olhou para ele por mais um instante e virou para entrar novamente no prédio devagar. O homem esperou que ela entrasse e seguiu edifício adentro. O interior era consideravelmente mais escuro que o lado externo. As luzes no teto eram azuis, o que descansava os olhos do eterno vermelhão sujo ao redor. Havia um balcão largo na lateral, e várias mesas espalhadas pelo salão. Metade delas estava tomada por pessoas falando e bebendo, poucas comiam. Para isso havia dois restaurantes onde a cozinha era infinitamente mais limpa do que a que existia nos fundos daquele lugar, entre outras coisas que havia por lá. Não houve aquele silêncio quando o forasteiro entrou. Não era aquele tipo de cidade. Na verdade, ninguém sequer notou que alguém havia entrado pela porta. Ele passou pela primeira mesa onde uma mulher conversava alegremente com outra. Ambas riam alto e pareciam entretidas demais em seu assunto para notar qualquer coisa ao redor.

A mulher já estava do outro lado do que deveria ser o bar, mas havia uma quantidade tão absurda de coisas, com objetivos e propósitos tão variados para venda e consumo, que não sabia como ela conseguia atender alguém ali. Ele parou a frente do balcão e levantou as sobrancelhas devagar.

_ Alguma coisa mudou neste lugar, desde a última vez? – a mulher parou de lavar um copo e o encarou. Respirou fundo e continuou.

_ Nada mudou por aqui – ela colocou o copo sobre a pia interna do balcão.

_ Era o que eu temia - os scanners voltaram a funcionar sobre ele enquanto o homem na capa térmica olhava ao redor. Ele levantou as sobrancelhas devagar um pouco surpreso.

_ Pelo menos seus chuveiros continuam os mesmos... - pareceu falar consigo mesmo sob o olhar da mulher além do balcão. Ele a encarou.

_ São os mesmos, sim, Senhor - ela balançou a cabeça devagar e não sorriu.

_ E os banhos custam o mesmo? - Ela ficou esperando-o se decidir.

_ Completo – sorriu devagar – faz tempo que não vemos um desses por aqui – A mulher o encarou por um instante.

_ Se quiser um traje de deserto novo, posso lhe arrumar também. A capa que está usando já viu invernos demais para servir para alguma coisa, e se quer saber não cheira bem – ele deu de ombros.

_ E quanto isso iria me custar? – a mulher atirou um cartão prateado e o homem o apanhou no ar em poucos segundos, sem sequer tirar os olhos dos dela. Ele meneou a cabeça devagar sabendo que acabava de ter seus reflexos testados, e seguiu por um pequeno corredor a frente. Dentro dele, quatro portas de cada lado estavam fechadas. O estranho olhou para o símbolo que havia em seu cartão que correspondia a última porta. Quando entrou, viu um cômodo pequeno. Mas, para quem estava por aí naquela poeira vermelha e seca a muito mais tempo do que podia se lembrar exatamente, era quase um palácio, daqueles que só existem no espaço. Ele começou a desmontar suas roupas olhando para o chuveiro que parecia tão convidativo. Aquele traje de deserto não ajudava em nada quando era necessário desmonta-lo.

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