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- E então, gostou das férias na casa de sua tia?
- Ah, mãe, lá é tudo tão lindo. Sempre que vou lá fico maravilhada. Mãe vi a mana e o Breno na rodoviária. Eles logo virão pra cá, e ela está grávida. Não é ótimo?
- É maravilhoso. Faz tempo que querem um filho. Você soube que David voltará?
- Não sabia.
- Pois é. E com a volta dele, o senhor Marcelo fará um baile aqui na fazenda. David virá com alguns amigos da universidade. Todos foram convidados.
- Devem ser todos uns metidos... Se forem como a senhora Farrel. Acho que não irei ao baile, mesmo tendo sido amiga de David na infância. Lembra como Ilda Farrel me tratava? Chegou até a proibir nossa amizade.
- Lembro o quanto você sofreu quando ele partiu.
- Ilda conseguiu o que queria. Tenho certeza que ela até comemorou nossa separação. Ela foi muito cruel, éramos duas crianças, eu tinha apenas dez anos.
- Se tivéssemos tido dinheiro, você também teria ido estudar em outra cidade.
- Mas eu gosto daqui. Eu não vou. E depois, David nem deve se lembrar de mim.
- E você, lembra dele?
- Às vezes sinto falta da nossa amizade. Ele era dois anos mais velho que eu, mas sempre me tratou como se tivéssemos a mesma idade. E quando é que ele chega?
- Hoje à noite.
- Ele deve estar metido, porque nas outras vezes que veio, nem saiu de casa.
- Mas parece que agora ele quer apresentar a namorada.
- Gente rica faz festas para qualquer coisa.
- Clarice, quase me esqueci, Ilda Farrel quer ver você. Pediu-me para avisá-la que deve ir à fazenda.
- O que aquela mulher quer comigo?
- Não sei. Mas você sabe como ela é. Vá logo ver o que ela quer.
- Depois eu vou. Agora vou tomar um banho. Estou muito cansada da viagem e só um banho me fará relaxar. Mande alguém avisar que logo eu vou.
- Filha, estamos na era do telefone... E olha ali – apontou para uma mesinha onde estava o telefone – temos um telefone aqui... Vou ligar para ela e avisar que você logo irá.
Após o banho, Clarice pegou sua bicicleta e foi ver o que a “toda poderosa” Ilda Farrel queria com ela.
Ilda Farrel já a esperava na varanda da fazenda, com aquela cara de quem é dona do mundo.
- Senhora Ilda, vim assim que soube que queria me ver. Em que posso ser útil?
- Vou direto ao assunto. Você já deve estar sabendo que meu filho chegará hoje e que daremos uma festa para ele.
- Sim, eu sei. E o que quer que eu faça?
- Que não venha a festa.
- Como assim? Pelo que sei todos os moradores e trabalhadores da fazenda foram convidados, inclusive minha família e eu.
- Sim, todos foram convidados, mas eu gostaria que você não viesse.
- Por que não?
- Você e David eram muito unidos e foi um grande sacrifício tirá-lo de perto de você quando eram crianças, e, depois, foi mais difícil ainda mantê-lo longe de você quando vinha nos visitar. Portanto, fique fora da vida dele, não venha a festa.
- Mas, senhora, ele nem vai notar minha presença, ele nem deve me conhecer mais, talvez nem se lembre de mim. E pelo que soube ele está namorando que risco eu ofereço?
- Você não vai me obedecer, não é?
- Juro que quando mamãe me contou sobre a festa eu disse que não iria, mas agora, a senhora está me fazendo mudar de ideia. Não gosto que me deem ordens. Eu sempre gostei muito do David e sei que ele também gostava de mim. Éramos muito amigos. E também quero vê-lo. Nunca esqueci aqueles dias.
- E é por isso que quero que você fique longe dele.
- Eu ainda não entendi o motivo que a senhora tem para impedir nossa amizade.
- Você é burra ou idiota? Você não percebe que são diferentes? De mundos diferentes? Ele é o herdeiro de tudo isso aqui – esticou o braço e girou-o no ar apontando a fazenda – E você é a filha de um empregado, apenas uma empregadinha sem eira nem beira. Entendeu agora?
Clarice engoliu em seco.
- Sim, senhora Farrel.
- Já que entendeu, irá me obedecer?
- A senhora só saberá disso na hora da festa.
- Não se atreva a me desafiar garota. Seus pais moram e trabalham em minha propriedade e será muito fácil convencer Marcelo a demiti-los.
- Está me ameaçando?
- Está evidente, não está?
- Pois saiba, senhora Farrel, que seus “problemas” - enfatizou com ironia - comigo não tem nada a ver com o serviço dos meus pais. E saiba também, que eles ainda trabalham aqui por amor à fazenda e por lealdade ao senhor Marcelo, porque temos dinheiro suficiente para nos manter e, além disso, vários fazendeiros da região fizeram propostas muito mais lucrativas que aqui. E, tem mais, não sei se a senhora sabe, mas temos uma casa na cidade, ou seja, a senhora realmente acha que minha família precisa do seu dinheiro para viver?
- Isso é verdade? Sobre a casa e outras propostas de emprego?
- É. Então acha mesmo que suas chantagens serão levadas a sério?
Uma chama de ódio crispou nos olhos azuis da patroa, que com a voz fria levantou o braço e apontou a rua
- Fora daqui. Mas saiba que nosso assunto ainda não acabou. Você vai se arrepender por ter me desafiado. E vai se arrepender muito mais se vier a festa.
Clarice fez uma reverência, subiu em sua bicicleta e saiu furiosa.
- Como ela pode achar que manda na vida das pessoas?
Clarice praguejava e xingava a proprietária da fazenda.
Tamanha era sua raiva que havia pegado o caminho errado.
Ao invés de pegar o atalho foi pela estrada principal, demoraria bem mais, pois teria que contornar o lago.
Estava tão furiosa que só viu o carro quando este freou bruscamente e soou a buzina.
Clarice levantou a cabeça e deixou um grito escapar.
- Deus não...
Freou sua bicicleta tão rápido quanto pode, esta derrapou nas pedrinhas e tombou.
- Droga. Como posso ser tão descuidada?
Olhava desolada sua bicicleta com a roda torta.
- Você está bem?
Um rapaz loiro de olhos azuis apavorado saiu da belíssima hilux.
- Estou, obrigada. Mas minha bicicleta não.
- Você é uma louca - alguém gritou de dentro do carro - Vamos embora David, estão nos esperando.
- Cale a boca, Ana. Carlos venha me ajudar aqui, por favor. – Olhou para Clarice e com a voz meiga falou – Ele é médico. Bom ainda não, mas está estudando para isso.
- Não precisa se preocupar estou bem.
- Isso eu é que direi, sua maluquinha.
Carlos examinou-a de cima a baixo, o que fez com que Clarice ficasse ruborizada.
Nunca havia sido tocada por nenhum homem. Já havia ido a consultórios médicos, mas seus pais faziam questão de que fosse sempre a médicas e não médicos.
- Qual o veredicto, doutor?
- Sabe que ainda não sou médico, David, mas ela está bem, foi só um susto e é claro, alguns arranhões. Você terá alguns hematomas, mas nada, além disso.
- Eu lhe disse que estava bem.
- Ela está bem? – gritaram novamente do carro.
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