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Alessio
O sangue quente marcava minhas mãos. Ao meu lado, a maleta com os instrumentos que eu usava; à minha frente, o que restava de um homem. Um traidor — e traidores não deveriam viver. Isso não tornava menos repugnante o que eu era obrigado a fazer.
Mas era o meu dever com a Família.
— Vou perguntar uma última vez: quais outras informações você vendeu? — minha voz saiu fria. Precisava ser.
Mesmo com o suor escorrendo pela minha coluna. Mesmo com a mistura pegajosa de sangue e suor grudando em minha pele.
O porão fedia a morte e desespero. Eu deveria estar acostumado, mas não estava. Talvez nunca estivesse. Talvez eu fosse realmente fraco, como Vittorio insistia em repetir.
Girei a faca entre os dedos. O olho que ainda se mantinha aberto me fitou, enjeitado, vermelho de sangue.
— Eu juro, Alessio… já contei tudo.
Aproximei-me devagar, cada passo calculado.
O homem arfava, cada respiração um arranhar desesperado contra a própria garganta. Eu o observava em silêncio, a lâmina girando entre meus dedos como um pêndulo inevitável.
Parte de mim queria acreditar. Queria largar aquela faca, sair daquele porão e esquecer o que havia feito — e o que ainda faria. Mas a outra parte, a que carregava o nome Moretti, não podia se dar ao luxo de acreditar em juras de um traidor.
Inspirei fundo, o cheiro metálico me queimando por dentro. Inclinei-me sobre ele, tão perto que pude sentir o hálito quebrado de sua agonia.
— Sabe qual é o problema com mentirosos? — murmurei, a voz baixa, quase íntima. — Eles sempre acreditam que a próxima mentira vai salvá-los.
Os olhos dele tremeram, implorando, e nesse instante percebi algo: medo não apaga a coragem de um homem, apenas a torce até o limite. E eu precisava saber se aquele limite já tinha sido alcançado.
A ponta da lâmina encostou em sua pele. Um toque leve, quase delicado. Ele estremeceu, e o silêncio que se seguiu foi mais eloquente do que qualquer grito.
— Então, vou perguntar pela última vez… — minhas palavras desceram como sentença. — Quem mais sabe?
O porão pareceu encolher, como se as paredes respirassem junto de nós, presas na mesma escuridão.
O silêncio se prolongou. O olhar dele se movia rápido demais, nervoso demais. Eu já tinha visto isso antes: o desespero de quem ainda guarda algo.
A lâmina afundou em sua pele com um corte rápido. O grito ecoou pelo porão, seco, abafado pelo espaço estreito. O sangue jorrou quente, respingando em meus braços, mas não desviei o olhar.
— Quem mais sabe? — repeti, cada palavra um golpe.
Ele tentou falar, mas a dor lhe roubava a voz. Apertei a lâmina de novo, firme, implacável. Finalmente, as palavras escaparam entre soluços sufocados: nomes, lugares, detalhes que não tinham aparecido antes.
No fundo, uma parte de mim se encolhia, repugnada. Mas a outra — a parte moldada pela Família, pelo olhar gélido de Vittorio — sabia que não havia retorno.
Quando terminei, o homem não passava de um farrapo de carne e sangue que ainda respirava. E, ainda assim, a maldita sensação de vazio me corroía por dentro. Porque eu sabia que amanhã, haveria outro. E depois, mais um.
A pesada porta atrás de mim se abriu. Juliano surgiu, a expressão inalterada diante do que restava do meu interrogatório.
— Don Vittorio está lhe esperando.
Não havia espaço para contestar. Sequei as mãos em um pano, tentando apagar a sujeira entranhada em mim. Mas era inútil.
O som do piso rangendo sob meus passos ecoa pelo corredor, como se cada batida lembrasse que eu nunca estive realmente seguro. A casa onde vivo pertence ao patriarca da nossa família: Vittorio Moretti, meu pai. Mas o que isso significa de verdade? Nada além de dias de treinamento exaustivos, quase torturantes, em que errar jamais foi uma opção.
Meu dever sempre foi servir à família - sem questionar, sem reclamar, sem sentir. Fui forjado desde cedo para isso: para me tornar uma lâmina afiada, fria, incapaz de hesitar. Apenas obedecer, apenas cumprir, apenas carregar as vontades do chefe da família.
Mesmo que eu me quebrasse no processo. Mesmo que, hoje, eu já não saiba mais quem sou quando não estou com sangue nas mãos.
Don Vittorio mandou me chamar. Não havia escolha. Nunca há. Recusar ou atrasar significaria desafiar o patriarca - e eu já aprendera que, sob este teto, até a sombra do atraso é uma sentença. Subi do porão, deixando para trás o ar pesado, rançoso, impregnado pelo cheiro metálico do sangue, misturado a dejetos e ao desespero que se arrastava pelas paredes. O lugar parecia respirar junto comigo, como se me lembrasse de quem eu era quando ninguém estava olhando.
Lá embaixo o traidor ainda respirava. O som era frágil, irregular. Uma vida suspensa por um fio. E eu sabia que, mais cedo ou mais tarde, seria minha responsabilidade cortá-lo.
Para o mundo além das nossas fronteiras, eu não passava de um caso perdido, alguém sem valor. Talvez meu pai também me visse assim. Ainda assim, aqui, dentro destas paredes, sem que o mundo soubesse, eu era quem lidava com a sujeira da Família Moretti.
Minha irmã, Bianca, era o braço direito de Vittorio. Quando nosso pai não estava presente, cabia a ela comandar, administrar os negócios diários e repassar as ordens para os que ocupavam os degraus mais baixos da hierarquia. Bianca carregava o sangue Moretti com orgulho, e meu pai via nela uma continuidade mais fiel do que em mim. Fria, implacável, ambiciosa - a filha que ele moldou para ser sua extensão perfeita. Eu a admirava em silêncio, mas também temia sua lealdade cega. Às vezes me perguntava se ela era minha aliada... ou apenas mais uma sombra do Don, pronta para me vigiar e, se preciso, me destruir. Encontrei Bianca no corredor, diante da porta do escritório do Don. A postura ereta, o queixo levemente erguido, os cabelos escuros e aqueles olhos de tempestade a tornavam a réplica perfeita de nosso pai.
Eu, ao contrário, carregava outras marcas. Olhos castanhos sem brilho especial, cabelos ruivos, diferentes demais para a linhagem Moretti - lembranças vivas de uma mulher que nunca conheci. Minha mãe. Ela morreu no dia em que nasci. E, desde então, trago a sensação de que respiro em dívida.
Talvez seja esse o motivo do ódio que meu pai me lança cada vez que me olha. Para ele, não fui um filho. Fui a faca que lhe roubou a esposa, o peso que lhe destruiu a única fraqueza. Cresci com essa culpa silenciosa, como um fantasma colado à pele. Um fantasma que me lembra, a cada passo, que talvez eu nunca vá conseguir ser mais do que o erro que me trouxe ao mundo.
- Ele está esperando você. - disse Bianca, sem olhar diretamente nos meus olhos.
Passei por ela, mas sua mão fria tocou meu braço, firme demais para ser um gesto fraterno.
- Alessio... - sua voz soou baixa, quase um sussurro. - Cuidado com o que diz lá dentro. Sabe como ele odeia quando você... se esquece do seu lugar.
Sorri, um daqueles sorrisos que escondem dentes afiados.
- Sempre tão preocupada comigo, sorella. - murmurei. - Às vezes acho que não sei se devo agradecer... ou desconfiar.
Bianca finalmente me fitou. Seus olhos eram um espelho do gelo de Vittorio, mas havia algo mais: uma centelha de orgulho, talvez de rivalidade, talvez de poder.
- Não confunda minha preocupação com fraqueza. - retrucou. - Um erro seu é uma oportunidade minha.
Ela soltou meu braço e abriu espaço para que eu entrasse. O cheiro de fumaça de charuto escapava do escritório. E, enquanto atravessava a porta, não pude evitar a sensação de que Bianca, mais do que qualquer outro, poderia ser tanto minha salvação... quanto minha ruína.
Meu pai está sentado à cabeceira da sala de reuniões da mansão, o olhar frio como lâmina. Eu sei que cada palavra dele é uma armadilha, cada gesto uma sentença.
- Alessio. - ele começa, sem levantar a voz, mas cada sílaba pesa como um soco - Sente-se. Precisamos conversar.
Não me aproximo rápido o suficiente, e ele bate com a mão na mesa. O impacto reverbera pelo meu peito.
- Não me faça repetir. Agora. - ele ordena.
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