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Minha filha, Júlia, morreu nos meus braços. As palavras do médico foram uma sentença de morte: "Negligência severa. Desnutrição. Múltiplas lesões internas."
Mas meu marido, o famoso coach de vida Juliano Moraes, não demonstrou luto algum. Ele emitiu uma declaração pública.
Ele chamou Júlia de "criança desafiadora" e transformou a morte dela em uma tragédia sobre saúde mental, tudo para polir sua imagem de homem compassivo.
Ele chegou a perdoar publicamente o garoto que a atormentava, o mesmo garoto que ele trouxe para nossa casa para ensinar "resiliência" a Júlia.
Minha própria vida terminou em um incêndio, uma libertação final e violenta de um mundo que ele construiu.
Enquanto as chamas me consumiam, eu não conseguia entender. Como o homem que eu amava pôde construir seu legado sobre o túmulo de nossa filha e as ruínas da minha vida?
Então, eu abri os olhos. Os papéis do divórcio estavam sobre a mesa, a assinatura dele uma mancha preta e nítida. Eram anos antes. Antes do incêndio. Antes de Júlia morrer.
Capítulo 1
Ponto de Vista: Camila
O funcionário do cartório deslizou os papéis do divórcio pela mesa de mogno, a assinatura do meu ex-marido já era uma mancha preta e nítida contra o branco do papel. Não era uma lembrança dolorosa. Era apenas um fato.
Minha mão não tremeu quando peguei a caneta.
"Dona Camila, tem certeza sobre os termos?", perguntou meu advogado, Dr. Arruda, sua voz um murmúrio grave. "O Sr. Moraes está oferecendo um acordo muito generoso. Pensão, a casa, uma parte significativa de seus bens... ele está até disposto a discutir investimentos futuros."
Eu não levantei o olhar. "A única coisa que eu quero de Juliano Moraes é a minha filha."
Dr. Arruda fez uma pausa. Ele estava acostumado com mulheres brigando por dinheiro, não por uma criança quando uma fortuna estava em jogo.
"A senhora tem certeza absoluta?", ele insistiu, a testa franzida. "Nenhuma compensação financeira? Apenas a guarda total da Júlia?"
Finalmente encontrei seu olhar, meus olhos gélidos. "Absoluta. Não quero um único centavo do dinheiro sujo dele. Apenas a Júlia."
Ele pigarreou, um som que parecia carregar o peso de sua surpresa. "Muito bem, então." Ele empurrou os papéis para mais perto. "Assine aqui."
Minha assinatura foi firme, um testamento de uma determinação forjada em fogo e lágrimas. Não era uma escolha; era uma retomada.
"Está feito", afirmei, empurrando os documentos assinados de volta.
A assistente do Dr. Arruda, uma jovem de olhos grandes e curiosos, rapidamente se recompôs. Seu choque inicial, no entanto, foi claramente visível. As pessoas não simplesmente abriam mão de milhões. Não no mundo deles.
"Que mulher corajosa", ouvi-a murmurar para o Dr. Arruda enquanto eu me levantava para sair. "Abrindo mão de tudo por sua filha."
Corajosa? Não. Desesperada.
O ar frio do lado de fora do escritório de advocacia me atingiu como um tapa. As ruas movimentadas de São Paulo, o som estridente das buzinas, os rostos indiferentes passando apressados — tudo parecia barulhento demais, claro demais. Protegi os olhos do sol forte da tarde, uma tontura avassaladora me dominando. As datas se embaralhavam, os rostos estavam errados, mas a sensação era dolorosamente familiar.
Meu estômago se revirou. Eu precisava saber.
Avistei uma banca de jornal na esquina. Meu coração martelava contra minhas costelas, um pássaro frenético preso em uma gaiola. Por favor, que seja real. Por favor, que seja verdade.
Peguei um jornal, meus dedos atrapalhados com as moedas. A data. Era tudo que eu precisava.
Minha respiração falhou. Era exatamente como eu me lembrava. Anos antes. Antes do incêndio. Antes da Júlia...
Uma manchete gritava na primeira página: "Juliano Moraes: O Guru da Compaixão Perdoa a Todos." Abaixo, uma foto de Juliano, seu sorriso perfeito irradiando falsa benevolência, ao lado de uma imagem borrada do garoto que havia provocado o incêndio.
Eu zombei, um som amargo e oco. Perdoar a todos? Ele havia orquestrado tudo.
Lembrei-me de seu grande discurso, as palavras cuidadosamente ensaiadas sobre empatia e cura, tudo enquanto minhas cinzas ainda esfriavam. Um espetáculo público projetado para melhorar sua imagem, construído sobre as ruínas fumegantes da minha vida e o túmulo de nossa filha.
"Compassivo", murmurei, amassando o jornal. Que piada. O amor dele era uma performance, uma ilusão meticulosamente elaborada. Sempre foi sobre ele, sua imagem, seu ego. E eu, como uma idiota, havia acreditado.
"Mamãe!"
Júlia. A voz dela, tão doce e clara, cortou meus pensamentos sombrios. Olhei para cima e lá estava ela, parada na porta da casa — nossa casa, por enquanto. Ela usava o vestido azul desbotado, aquele que eu tentei remendar tantas vezes. Estava curto demais, um lembrete doloroso de como ela estava crescendo rápido, de quanto eu havia perdido, de quanto eu quase perderia.
Ao lado dela, Douglas Silva, filho de Vanessa, exibia-se em um agasalho novo em folha, com o logotipo de um super-herói chamativo estampado no peito. Ele era alguns anos mais velho que Júlia, mais alto, mais forte. Ele segurava um brinquedo colorido e de aparência cara na mão, ostentando-o.
Os olhos de Júlia, grandes e inocentes, seguiram seus movimentos. Um lampejo de desejo, rapidamente mascarado pela resignação, cruzou seu rosto. Meu coração doeu, uma dor física e aguda.
"Douglas, pare de se exibir", a voz de Vanessa arrulhou de dentro. Ela surgiu, vestida com um robe de seda, um sorriso satisfeito nos lábios. Ela encontrou meu olhar, e seu sorriso se alargou, um desafio silencioso.
Douglas, encorajado, apenas deu uma risadinha, depois deliberadamente deixou seu brinquedo cair, fazendo um barulho alto antes de chutá-lo. Júlia se encolheu.
Cerrei os punhos. A imagem dos olhos vazios de Júlia no futuro, seu pequeno corpo machucado e quebrado, passou pela minha mente. Era uma ferida que nunca cicatrizaria.
Juliano. Ele os trouxera para cá. Vanessa, sua ex-namorada, e seu filho monstruoso. Sob o pretexto de "construir uma família mista", de ensinar "resiliência" a Júlia. Era tudo um jogo distorcido, um experimento cruel alimentado por sua necessidade narcisista de controle e validação.
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