A médica do tráfico

Se há uma lição que aprendi, da forma mais dolorosa possível com a vida, é que ela continua. Independente do quanto estamos machucados, independente de quanto tempo vamos levar até conseguir levantar da cama ou sair do quarto. Lá fora, nada pára. E o carrossel da vida continua girando. Mas aprendi também, que enquanto há vida, há esperança. E enquanto a esperança me manter em pé, estarei me reerguendo do chão, não importa quanto tempo eu precise passar chorando nele. Sei que meu lugar não é o chão.

Se a vida parece complicada e confusa, se parece não haver saídas, se não sei que direção seguir, aprendi a parar e respirar, antes de dar o próximo passo, e só então, seguir viagem. Mesmo que a viagem seja turbulenta.

Hoje sei que andar por aí sem saber para onde vou, só me faz perder tempo tendo que voltar ao ponto de partida, enfrentando novos obstáculos e perigos desnecessários. Se soubéssemos quando é hora de parar, talvez o destino mudasse a direção. Se soubéssemos as consequências de nossos atos, talvez pudéssemos evitar muita dor, ou não, já que somos impulsivos e não controlamos sentimentos como ódio e amor. Pois ambos são intensos demais, e exercem grande poder sobre nós.

Somos os únicos responsáveis pelas escolhas que fazemos, e por mais que tentemos nos justificar, procurando sempre um culpado, no fundo sabemos que existiam dois caminhos, e só coube a nós escolher por qual trilhar. A difícil escolha entre ir e ficar. Entre se esconder ou se arriscar. Só os covardes não sabem que decisão tomar. E se minha decisão trouxe consequências, só cabe a mim por elas pagar. Pois tenho o direito de errar. Todos temos. Erramos por sonhar, erramos por amar, erramos por nos arriscar... E continuaremos errando, enquanto respirar. E diante do erro, percebemos que a vida continua, que temos que aprender a viver com eles, e a lidar com a dor. Porque até que a morte chegue, isso vai continuar. Não podemos deixar a vida nos atropelar, e nem desistir do que tanto almejamos alcançar.

Depois de 5 longos anos na cadeia, sei que já não sou mais a mesma pessoa. Aprendi muito com meus erros, mas principalmete com a dor que tudo isso me causou. Sei que não sou a grande vilã desta história, mas se tiver que me tornar, não medite esforços.

Dos 10 anos de cadeia que peguei, consegui diminuir para 7, com a ajuda do Lucas, do meu pai e da influência que a facção tem aqui, e justamente por essa influência, consegui minha liberdade após 5 anos. Muita coisa aconteceu nesse tempo. A facção não me desamparou, e eu devia lealdade a eles. Ela me protegeu aqui e protegeu minha família, até onde foi possível. O Lucas se recusou a aceitar a proteção deles, quis continuar sua vida cuidando de nossa filha e exercendo sua profissão. Me disse que não podia virar um bandido, não podia jogar fora sua carreira, não queria viver se escondendo, e não queria que nossa filha tivesse que viver nesse mundo. Ele trouxe ela para me ver algumas vezes, foram os dias mais felizes da minha vida, desde que esse pesadelo todo começou. Porém, em um dia de visitas, fiquei esperando e eles nunca mais chegaram. Quando entrei para esse mundo, sabia que estava comprando uma briga grande, sabia das consequências. E foi só questão de tempo até que eles puderam se vingar de mim. Como eu estava protegida aqui dentro e todas as tentativas que eles tiveram de me matar falharam, eles me atingiram onde mais doeu. Mataram o Lucas e levaram minha filha. Até hoje, três anos depois, não sei o que fizeram com a minha Sofia.

Minha vida aqui, após isso, se resumiu em traçar plano, armar emboscadas, e ir destruindo um a um deles, até poder sair daqui e descobrir o que fizeram com a Sofia, e poder se vingar pela morte do Lucas. Aqui de dentro, ajudo no comando do maior esquema de tráfico do estado. Tenho três morros sob o meu comando, sou o braço direito do chefe da facção, e juntos estamos dominando o estado, e logo conquistaremos mais e mais espaço. Nossa fama se espalhou, e outros traficantes temem se meter com a gente. A corrupção tomou conta da política e da Polícia , a única lei que realmente prevalece aqui é a do mais forte agora, e nesse caso, estamos em vantagem.

Eu estava morta por dentro. Me tiraram tudo que eu mais lutei para ter. Eu não me importava em morrer, nunca foi sobre sobreviver, mas sim, proteger as duas pessoas que eu mais amava, e mesmo com tudo que fiz por eles, não consegui protegê-los, e essa culpa não me deixa em paz um só dia. Hoje saio daqui, saio de cabeça erguida, sei o que fiz, sei o que me tornei, mas acima de tudo, sei por que fiz. Nesse mundo, existe muita injustiça, muita maldade, e eu nunca mais vou ser a presa fácil para ninguém.

Quando deixei para trás os muros altos do presídio, vi duas das pessoas que eu tanto amo me esperando. Meu pai e o Gaby, que nunca me abandonaram e nem desistiram de mim. Do outro lado da rua, haviam mais três carros, cheios de homens armados que vieram para nos escoltar, e que começaram a me aplaudir, de dentro dos carros, e senti uma emoção tão grande tomando conta de mim. Essa era minha família agora, isso era o que eu tinha, e ia me agarrar a isso com todas as forças. Fomos direto para o morro da Perpétua, onde era meu lar. Fui recebida pela comunidade com uma grande festa, recebi abraços, presentes e me senti tão querida, como nunca antes poderia imaginar. Após a recepção, havia outra festa mais particular em minha casa. Estavam lá os grandes líderes da nossa causa, e todos me aplaudiram de pé.

- Parabéns, ruiva! Sua Vitória também é nossa, finalmente está livre!

- Obrigada família, por tudo que fizeram por mim.