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Os Amores de Ada

Os Amores de Ada

Lealzinha

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Capítulo

A vida de Ada Luz parecia tranquila. Ela havia descoberto quem eram seus pais e qual era sua própria história, tinha conseguido seu emprego de volta e lutava em silêncio contra problemas internos, mas quem não possui algum conflito? Ela, porém, não sabia que tudo estava prestes a mudar. Dois jovens aparecem em sua cidade, abalando suas lembranças e seus sentimentos. Entre o mistério de Daniel e o sorriso caloroso de César, e sem a ajuda de seu melhor amigo, Ada deve enfrentar a confusão entre seu passado e seu presente, para descobrir o que é real e o que é apenas uma ilusão e decidir o seu futuro. Como se não bastasse, um fantasma de seu passado retorna para assombrá-la, surgindo apenas para tornar tudo ainda mais difícil. Será que Ada conseguirá enfrentar essa nova provação?

Capítulo 1 O Contador de Histórias

Ada piscou.

Estava parada diante do balcão da biblioteca, os olhos vidrados, fixos na parede oposta. Ao seu lado, um rapaz moreno de cabelos cacheados, com uma expressão de preocupação no rosto, segurava sua mão com firmeza.

Vestindo um conjunto jeans, o rapaz carregava um livro debaixo do braço e mantinha-se na frente da moça.

"Você está bem?", ele perguntou com a voz carregada de nervosismo.

A jovem esboçou um sorriso frágil, passando a fitar o rosto do amigo.

"Estou, sim, Adam.", ela respondeu, fingindo tranquilidade.

Ada apertou a mão dele.

A mentira era tão fácil para ela que Ada sequer se incomodava mais. Logo depois que descobrira sua verdadeira identidade, ela havia começado a contabilizar, em silêncio, suas mentiras e trapaças, para determinar se ainda seria considerada uma pessoa boa ou não, mas, infelizmente, estas eram muito mais frequentes do que ela gostaria.

Por outro lado, Ada não era bem uma pessoa, sendo assim, não podia ser uma pessoa ruim.

Ela suprimiu um suspiro.

Aquilo não importava realmente.

Fazia quase três anos que Ada tinha aqueles momentos de crise.

As memórias de suas vidas anteriores, se é que ela poderia chamá-las daquela forma, teimavam em surgir nos momentos menos convenientes.

Tudo começara com situações que guardavam alguma semelhança com circunstâncias vivenciadas em seu passado conturbado. Dedos em riste, a culpa e o fogo, no início, eram os principais culpados por Ada sentir o presente deslizando pelos dedos e se encontrar em uma memória geralmente cruel, mesmo que por alguns instantes.

Em algum momento, porém, pouco tempo após a batalha em frente à igreja, Ada descobriu que outras lembranças desbloqueadas podiam muito bem afetá-la da mesma maneira que aquelas com as quais já estava praticamente acostumada.

Depois que descobrira quem era, quem seus pais eram e toda sua própria história, muito mais longa do que imaginava, a vida de Ada nunca mais fora a mesma.

Sempre que se sentia deslizando para uma memória, Ada temia arrastar consigo as pessoas que estavam ao seu redor, como havia acontecido antes em algumas situações desconfortáveis.

Para evitar, porém, que aquilo se repetisse, Adam descobrira ser uma espécie de âncora para a amiga.

Adam a encarava com seriedade, seus olhos castanhos e profundos diziam muito.

Ele era a única pessoa próxima de Ada que estava distante de toda a loucura de deuses, anjos e demônios. Longe de toda aquela mitologia, Adam era um verdadeiro ser humano, que conhecia toda a loucura que a amiga havia passado, ajudando-a em sua busca pela verdade e até se metendo em problemas por ela.

Com sua presença, o jovem trazia alguma normalidade à vida de Ada, ancorando-a ao presente, à humanidade.

Seu toque a lembrava de que tudo o que havia passado estava no passado e lá deveria ficar, ainda assim, ela havia notado que as crises estavam cada vez mais frequentes e mais intensas também.

Por causa de Adam, ela não havia entrado em nenhuma lembrança já havia meses, mas era só uma questão de tempo para que algo do tipo acontecesse.

Adam parecia saber do fato e se preocupava por ela, afinal, já era a quarta vez naquela semana que ele notava que estava algo de errado.

Ele soltou a mão da amiga e suspirou pesadamente, mudando o livro de posição em seu braço. Ela notou que se tratava de um exemplar de mitologia nórdica.

O sorriso de Ada tornou-se legítimo, sem o amigo perceber.

Ela se lembrava quando os dois haviam se conhecido, ali mesmo, naquela biblioteca. Ada trabalhava no mesmo cargo que Adam ocupava, organizando obras e atendendo ao público, enquanto ela, agora, ocupava o cargo de sua superior, Aline, uma amiga que não via há muito tempo. Eles haviam se conhecido justamente quando o jovem viera em busca de um livro do mesmo gênero.

O que, na verdade, havia sido uma coincidência muito interessante, vez que Ada era quem era.

"Você não vai me contar, não é?", ele perguntou, levemente irritado.

Ada ergueu o cenho, também puxando a mão, um tanto surpresa com a reação dele. Estava tão perdida em seus pensamentos e suas lembranças, que não notara que ele continuava encarando-a, esperando que esclarecesse algo.

"Perdão?", ela desviou o olhar, voltando-se ao balcão que estava continuamente bagunçado.

Ele bufou.

"Perguntei se não vai me contar o que está acontecendo.", ele repetiu com as sobrancelhas unidas.

"Não sei do que está falando.", ela o cortou friamente.

Ada não costumava agir daquela forma com o amigo, a menos que o assunto fosse um dos problemas voltados ao passado. De certa forma, sem responder, ela acabava se revelando toda a vez que ele a questionava.

Ele balançou a cabeça e tentou se colocar na frente da moça, contornando o balcão e impedindo que ela saísse de sua frente, mas Ada era mais perspicaz e, notando o truque do rapaz, girou o corpo esguio ao redor dele, escapando para os corredores de livros, tomando nos braços uma caixa de papelão que estava empilhada sobre outras duas, no caminho.

Adam baixou o livro para o balcão com força, produzindo um baque que fez Ada estremecer.

De costas para ele, ela fechou os olhos com força.

"Ada Luz!", ele chamou sua atenção.

Antes, porém, que ele pudesse continuar com o sermão, os dois ouviram o som de passos ecoando no salão.

Ela, reabrindo os olhos, olhou por cima do ombro.

Um senhor de cabelos grisalhos e roupas leves passava pela porta.

"Vou atendê-lo.", disse Adam para Ada, "Continuamos depois.", ele falou, endireitando suas vestes e a postura, antes de seguir na direção do homem com um bem educado, "Olá, eu poderia ajudá-lo?"

Ela revirou os olhos, mas ele já se afastava.

"Talvez devesse lembrá-lo de que eu sou a chefe dele aqui.", ela pensou em voz baixa, surpresa demais com a atitude do amigo para se irritar.

A jovem, porém, compreendia que ele apenas agia daquela forma porque se preocupava com o bem estar da amiga. De qualquer forma, ela não poderia contar a ele o que nem mesmo ela compreendia.

Ada apenas sabia que algo estava mudando.

Era como se, aos poucos, Adam não fosse mais suficiente para mantê-la no presente. Sem ele para salvá-la de suas crises, ela não sabia como conseguiria viver em uma realidade parcial, revivendo seus pesadelos diariamente, como quando sonhava com o passado todas as noites até descobrir sua verdadeira identidade.

Ela olhou de relance para o amigo.

Ele atendia o senhor com atenção, gesticulando empolgado para que o seguisse. Era claro que Adam mostraria a ele a biblioteca, ele era apaixonado pelo lugar.

Ada temia que seus próprios problemas começassem a interferir na vida de seu amigo. Se ele se encontrasse preso a ela e as suas crises, ou então, pior, se ele fosse alvo de algum inimigo sobrenatural como havia acontecido anos antes, ela jamais se perdoaria.

Ademais, ela não queria que Adam se preocupasse, afinal, Ada já imaginava que, em algum momento, ele já não poderia mais agir como seu protetor, sua âncora.

Ada baixou a caixa para seus pés, colocando-a no chão.

A caixa de papelão estava lotada de livros infantis novos para o evento que Ada havia criado para atrair mais leitores à biblioteca.

Poucos meses antes, no caloroso início do ano, Ada havia levado a ideia para o prefeito e, com uma pequena ajuda de seu pai, Azzy, havia conseguido verba para pagar para que contadores de histórias viessem de outras cidades próximas, ou o que poderia ser considerado próximo de Rio Leste, uma cidade, de forma proposital, completamente isolada.

A cidade havia sido criada por seus pais há muitos anos atrás, a fim de se isolarem do resto do mundo, pretendendo viver suas vidas como se humanos fossem.

A jovem passou a mão pela testa úmida de suor.

Ela deveria levar aquelas obras para o outro lado da biblioteca, onde havia reservado um espaço justamente para o evento que duraria no mínimo um mês e, se fosse um sucesso, poderia ocorrer todo os anos ou, até, o ano todo.

Ela esperava que pelo menos parte da população infantil da cidade comparecesse e, com ela, parte do povo adulto também, afinal, as crianças seriam acompanhadas por seus pais. Não havia forma melhor de conquistar leitores se não pelo público infantil.

Era um bom plano.

O lado ruim era a quantia limitada de contadores de histórias que haviam se inscrito para o evento. Eles ganhariam uma bonificação pelo empenho prestado, mas a cidade era praticamente invisível virtualmente, então era quase impossível realizar qualquer evento grande, ainda mais para pessoas de fora.

Sua mão escorregou para um papel no bolso direito de sua calça.

Os dedos de Ada se atrapalharam um pouco com o papel demasiadamente amassado. Ela havia aberto o papel e tornado a dobrá-lo tantas vezes que parecia prestes a se desfazer em mil pedaços, mas resistiu a mais um toque da moça.

Era a lista de apenas quatro nomes que ela desconhecia, no verso de um dos folhetos do anúncio do evento que estavam por toda a cidade.

Seriam os quatro contadores de história que teriam vindo de outra cidade. Seriam, porque um deles estava riscado, vez que havia ligado cancelando sua estadia no único hotel da cidade, que praticamente ficava fora dos limites de Rio Leste, mas ainda assim, era considerado como o hotel que tinham.

Em seu lugar, o nome de seu outro pai, Phael Luz. "Luz" não era realmente seu sobrenome, mas, na ausência de qualquer outro, o sobrenome de Ada servia também para seus dois pais, Azzy e Phael.

O pai dela havia decidido auxiliar, vez que, como poucos contadores de história haviam aparecido de outros municípios, o prefeito havia permitido que ela abrisse vagas para contadores habitantes da cidade.

Ada tinha ficado muito triste quando recebera a notícia do cancelamento da inscrição do quarto integrante. Phael, como sempre, havia vindo consolá-la e Azzy decidiu que poderia convencer o contador de histórias a voltar atrás.

Como os métodos de Azzy eram bastante questionáveis, Phael simplesmente chegou a uma solução que fosse mais segura.

Ele pediu que colocasse seu nome na lista, vez que, tendo vivido tantos anos na terra, assim como Azzy, ele conhecia mais histórias do que qualquer humano e também alegava ter alguma experiência como contador de histórias, apesar de não dar muitos detalhes para a filha.

Ela tinha ficado tocada pelo gesto do pai, mas, passando os dedos sob o papel, notou que ainda precisava de um nome.

Era aquilo que estava deixando-a preocupada por todos aqueles dias, ao menos um dos motivos de sua preocupação.

Ada sentiu um arrepio frio percorrer sua espinha. Ela estava sendo observada.

Seu corpo todo se retesou com a sensação.

Fazia muito tempo que Ada não sentia aquilo, mas não era o sinal de perigo, apenas a apreensão de estar sendo observada.

Ela se virou prontamente, dando de cara com uma mão esticada em sua direção.

Ada não sabia como o homem havia conseguido se aproximar tanto dela. Com o braço erguido na direção de seu ombro, os dedos finos dele quase a tocaram quando a moça se virou.

Ela deu um passo para trás involuntariamente, puxando suas mãos para o papel e colando-o contra o peito, com os olhos arregalados e a boca entreaberta.

Ao menos, Ada havia conseguido conter um gritinho de surpresa que seria bastante constrangedor.

Os olhos da moça esquadrinharam o recém chegado com cautela.

Era um homem baixo, tanto quanto ela, que estava usando tênis com solado alto. Se estivesse de sandálias ou com seus All Stars de sempre, teriam, provavelmente, a mesma altura. Os cabelos do homem eram compridos como os de Azzy, e tão escuros quanto, envolvidos por um chapéu de abas largas.

Ele vestia um grande e pesado casaco cinzento sobre suas roupas, o que parecia um pouco exagerado, vez que podia estar fazendo um pouco de frio, mas ainda estavam no meio da primavera.

O estranho também usava óculos de lentes castanhas escuras, impedindo que Ada conseguisse enxergar seus olhos com clareza.

Ainda assim, algo em seu olhar deixou Ada bastante incomodada. Era como se ele estivesse olhando para a alma dela, ou algo do tipo.

Não.

Ela deveria estar muito estressada, apenas isso.

Ada respirou fundo, começando a abaixar as mãos e tentando esboçar um sorriso que deveria parecer mais com uma careta, pois o estranho inclinou a cabeça para o lado, recuando os dedos.

"Eu a assustei, senhorita?", ele perguntou.

Sua aparência indicava ser um homem jovem, mas a voz era tomada por uma estranha rouquidão própria de alguém de mais idade.

"Talvez ele seja fumante.", Ada pensou e deu de ombros mentalmente.

Aquilo não era de seu interesse.

"Um pouco.", ela admitiu, respondendo-o com cautela, "Não o ouvi se aproximar, foi só isso.", acrescentou e, admitindo uma postura mais profissional, continuou, "Eu me chamo Ada Luz, como posso ajudá-lo?"

Os traços do homem eram simples e comuns, lábios finos, rosto estreito, testa alongada e nariz curvo, nada que chamasse atenção, mas suas vestes eram estranhas, assim como sua voz e seu olhar...

Ada tinha certeza de que já havia ouvido aquela voz em algum lugar.

O homem apontou um dedo para o papel em suas mãos, um gesto tão vagaroso e tomado pela cautela que Ada teve certeza de que ele temia assustá-la mais.

"Eu vim pelo evento.", ele disse com a voz arrastada, "Sou um contador de histórias."

Aquilo parecia fazer sentido. Era até comum que contadores de histórias vestissem roupas estranhas para chamar a atenção das crianças, aquilo tudo poderia ser apenas o personagem que ele estava tratando de interpretar.

"Oh, isso é ótimo, o evento é amanhã, seu nome está na lista?", ela questionou, apesar de saber a resposta.

Naquele instante, Ada esqueceu todas as esquisitices do estranho e ergueu o folheto na altura dos olhos, os lábios se repuxando ainda mais nos cantos. Se o contador de histórias tinha vindo até ela, significava que não deveria estar na lista, pelo contrário, deveria estar procurando se inscrever.

O que, então, significaria que não teriam apenas quatro participantes do evento, mas cinco, o que era o mínimo exigido pelo prefeito.

Ada se sentiu aliviada por um momento.

"Acredito que não.", ele afirmou, "Estou na cidade faz pouco tempo, mas fiquei sabendo do evento da biblioteca poucos dias atrás."

Ela assentiu, animada.

"Isso é realmente muito bom.", ela umedeceu os lábios.

A jovem levou uma mão até o bolso da calça novamente, alcançando uma caneta que destampou apressadamente, colando a ponta contra o papel.

Ada ergueu o olhar para aquelas lentes que a deixavam desconfortável.

"Pode me dar seu nome para que eu anote na lista?", ela pediu, tentando manter o profissionalismo.

O homem assentiu.

"Alguns me chamam de Edwin Grin.", ele comentou, "Pode por este nome na lista."

A resposta não foi exatamente a que ela esperava, mas Ada anotou o nome logo abaixo do nome de seu pai, Phael.

Assim que terminou de escrever o nome, Ada sentiu como se tudo ao seu redor girasse um pouco, como se estivesse em um carrossel.

Ela ergueu os olhos novamente, para fitar os olhos escuros ocultos pelos óculos.

A boca de Edwin era uma linha fina e Ada pôde jurar que ele estava demonstrando uma expressão de preocupação e expectativa, como se aguardasse a reação dela.

Ou como quem espera ser reconhecido.

Ada baixou o papel e a caneta.

"Desculpe-me, Edwin, mas nós já nos vimos antes?", ela perguntou, mas ele desviou o olhar para a caixa aos seus pés.

"Eu nunca a vi.", ele respondeu com simplicidade e Ada soube que ele estava sendo sincero.

Talvez por ser, ou ter sido considerada a deusa das mentiras, Ada descobrira ser capaz de saber se uma pessoa mentia ou falava a verdade. Era como se ela fosse um detector de mentiras humano... Bem, sem a parte de ser humano.

De qualquer forma, Ada sabia que o homem falava a verdade, ainda assim, ele era muito familiar, só que de uma forma estranha.

Ela apenas não conseguia se lembrar.

Edwin apontou a caixa com o queixo.

"Estes são os livros que serão apresentados para as crianças?", perguntou.

Ada assentiu.

"No evento, além das histórias contadas, serão apresentadas as obras infantis e cada criança que comparecer poderá levar um exemplar, fazendo um cadastro prévio na biblioteca.", ela sorriu, "Faremos delas pequenos leitores."

Ele exibiu um sorriso sem mostrar os dentes.

"Isso é muito importante, foi um dos motivos pelo qual me interessei pelo seu evento.", ele baixou a cabeça, escondendo o rosto parcialmente com a aba do chapéu.

Ela retribuiu o sorriso e passou o olhar pela biblioteca, procurando por Adam.

"Muito obrigada por se inscrever, aliás, se puder deixar seu número para contato com meu funcionário,", ela indicou o amigo que já se encontrava sozinho, encarando os dois nitidamente desconfiado, "ele passará todas as informações necessárias e tirará eventuais dúvidas."

Ela deixou um suspirou escapar de seus lábios entreabertos.

"Estou bastante contente com o fato de ter vindo se inscrever, o evento será muito interessante.", ela tentou parecer gentil.

O homem endireitou sua cabeça, seu olhar parecendo atravessar as lentes escuras, dando-lhe um ar misterioso e, de certa forma, perigoso.

"E eu fico feliz por deixá-la contente, Ada.", sua voz fez os ombros da jovem se retesarem.

Ada sentiu os pelos da nuca se arrepiarem quando ele falou seu nome e acabou engolindo em seco, repentinamente tomada pelo nervosismo.

Felizmente, Adam se aproximava depressa.

É claro que ele tinha notado a mudança no semblante de Ada.

"Com a sua licença.", ela indicou para que o homem seguisse com Adam e praticamente saiu correndo na direção dos fundos, onde havia a porta dos funcionários.

Um rapaz claro de cabelos lisos que caiam sob os olhos, virou no momento em que ela passou pela porta.

Ada se lembrava de quando Aline havia escondido ela, Adam e seus pais no alçapão oculto no chão, logo próximo ao banco onde o rapaz estava sentado, saboreando seu comprido sanduíche.

"Ada!", ele exclamou com a boca cheia, levantando-se apressado, derrubando migalhas de pão por todos os lados.

A jovem ergueu as duas mãos para tranquilizá-lo.

"Está tudo bem, Lucas, pode comer em paz.", ela conseguiu dizer, "Eu só precisava de uma pausa."

Ela se virou, ignorando completamente a face espantada do rapaz e seguiu na direção dos armários onde costumava guardar suas coisas.

Abrindo uma porta, Ada viu o pequeno espelho que havia deixado para se arrumar, refletir seus próprios olhos verdes. Sua face parecia um pouco abatida, e bastante estressada.

Se a apreensão pelo evento não fosse suficiente, a ineficácia da presença de Adam e aquela sensação estranha sobre o contador de histórias Edwin Grin, certamente fariam Ada sofrer um colapso.

Ela se lembrava como tinha sido difícil descobrir que nada sabia sobre si mesma e seus pais, e como a descoberta da verdade tinha sido ainda pior para ela.

A batalha em frente à igreja parecia distante, irreal, assim como os pesadelos que assombraram todas as noites de sua infância. Anjos, demônios e deuses eram tão fantásticos que às vezes ela pensava se não tinha imaginado tudo aquilo.

Sua vida tornara-se tão tranquila depois de tudo aquilo, tão normal...

Mas Ada sabia a verdade.

Seu olhar tornou-se mais intenso no espelho enquanto ela alcançava suas coisas. Estava quase na hora de fechar a biblioteca e ela tinha se acostumado em delegar o dever para seus funcionários, e aquele dia a função caberia à Lucas que já terminava seu sanduíche, nervoso, às costas de Ada.

A porta tornou a se abrir.

"Dei as informações para o contador de histórias, levei as caixas até o local reservado e organizei as cadeiras em seus respectivos lugares. Está praticamente tudo pronto para amanhã.", disse Adam, entrando no ambiente.

Lucas se adiantou em sua direção.

"Pode deixar o resto comigo!", ele anunciou, falando com a boca cheia, escapando pela porta aberta.

Ada viu, pelo espelho, Adam segui-lo com o olhar.

"Desde que você se tornou a chefe, ele morre de medo de você.", o amigo de Ada comentou.

Ela viu ele se virar para ela, o rosto tomado por uma mistura de apreensão e cansaço. Aqueles dias estavam sendo muito duros para os funcionários da biblioteca. Além de Adam e Lucas, Ada também tinha contratado duas moças no início do ano.

"Ele já estava assim desde que Phael usou algum truque para convencê-lo a ficar no meu lugar para irmos à missa.", ela contou, "Depois disso, acho que teme a minha família.", ela deu de ombros.

A bolsa já estava em suas mãos, mas Adam fechou a porta sem se virar, deixando claro que somente sairiam dali depois de conversarem.

Ada se aproximou dele, suspirando pesadamente e deixou a bolsa escorregar para o banco.

"O que quer que eu diga, Adam?", ela perguntou, cansada.

Deixando seu posto, o rapaz moreno se aproximou da amiga, jogando a cabeça para trás com um gemido.

"Poxa, Ada, você parece, sei lá, distante.", ele gesticulou, "Parece que tem algo acontecendo e você não quer me contar. Eu só quero saber o que é!"

"E por que quer saber?", ela perguntou de repente, encarando seus profundos olhos castanhos, "Adam, você tem a sua vida e eu a minha. Não pode ficar preso aos meus problemas!"

Ele balançou a cabeça, irritado.

"Somos amigos, não? Pelo que sei, é o que amigos fazem, compartilham alegrias e dificuldades!", ele reclamou e, com a voz mais suave, acrescentou, "Quem sabe eu não possa ajudar, Ada. Só me conte o que está acontecendo com você."

Ela suspirou mais uma vez.

"Está bem.", Ada falou, "O problema é que eu não sei exatamente o que é. De umas semanas para cá, sinto como se os flashbacks estivessem ficando mais frequentes, como se algo estivesse me afetando, jogando-me para o passado.", prevendo a pergunta dele, ela acrescentou, "Não sei o que causa isso, ou o que pode vir a acontecer em seguida, mas sei que você não pode me ajudar."

Ela manteve o olhar nele até que Adam conseguisse compreender o que ela estava querendo dizer.

Ele deu um passo para trás, quase se chocando contra a porta.

"Significa que estou deixando de ser sua âncora para a realidade.", ele concluiu, Ada pode ouvir uma nota de tristeza em sua voz.

Ada assentiu.

"Não sei o motivo, mas sua presença está cada vez menos suficiente.", ela desviou o olhar para suas próprias mãos, o papel e a caneta destampada ainda estavam apertados entre seus dedos e a palma da mão esquerda, "Talvez seja apenas o estresse do trabalho, não sei, mas vou descobrir."

"Acha que são os anjos?", ele questionou em voz baixa.

"Não.", ela respondeu e então uma dúvida surgiu em sua mente, Ada franziu o cenho, "Quero dizer, não sei. Não sei se eles conseguiriam mexer com minhas lembranças ou me afetar de alguma forma semelhante."

Ela apertou o folheto do evento.

O Arcanjo Miguel não poderia mais incomodá-la, mas Gabriel ainda poderia ser um problema no futuro, apesar de ela ter deixado claro sua posição em seu último encontro.

Ainda assim, era um bom palpite.

"E você não me contou porque não queria me preocupar.", ele adivinhou.

Ada concordou com a cabeça novamente, erguendo o olhar.

"É que eu não quero ser a sua âncora, Adam, prendendo-o a uma vida limitada. Você tem um belo futuro pela frente, não pode simplesmente fechar os olhos porque uma amiga mitológica tem um punhado de problemas sobrenaturais."

Ele riu de suas palavras, mas, em sua risada ainda havia alguma tensão.

"Não pode se preocupar com a minha vida, minha amiga mitológica.", ele reclamou, "Você já tem muito a se preocupar.", ele apontou para o papel em suas mãos, "Só não esconda mais nada de mim, está bem? Por favor."

Ela sorriu para ele.

"Pode deixar.", concordou.

"Agora, mudando de assunto, qual é a daquele contador de histórias? Edwin Grin... O jeito que ele olhou para você, eu não gostei nenhum pouco, era como se ele estivesse com receio de se aproximar de você, ao mesmo tempo em que parecia desejar muito que você falasse com ele.", Adam comentou, a curiosidade transbordando em sua voz, "Ele é alguém... Você sabe... Do seu passado?", ele acrescentou a última pergunta em um sussurro.

Ada revirou os olhos, não havia necessidade de tanto drama.

"Sinceramente, eu não sei. Ele disse que nunca me viu e estava falando a verdade, mas a voz dele é muito familiar para mim.", ela contou, "O nome dele também não me é estranho..."

Adam examinou seu rosto com cuidado.

"Você ficou com medo dele.", não era uma pergunta.

Ada franziu o cenho.

"Não... Fiquei? Talvez seja a roupa dele, ou os acessórios, sabe como fico incomodada com pessoas usando óculos escuros, sobretudo em ambientes fechados.", ela mesma não sabia exatamente o que tinha sentido, mas tinha coisas mais importantes para comentar, "De qualquer forma,", ela sorriu, "conseguimos o último nome da lista."

Ela tomou a bolsa em mãos e colocou a alça nos ombros.

"É verdade.", ele retribuiu o sorriso e então fez uma careta, franzindo o nariz, "Mas que é estranho o tal de Edwin, isso você não pode negar."

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