Não era exatamente um segredo que Vincent adorava viajar para vários lugares em busca de novos ares de inspiração. Cidades remotas e pacatas eram seus paradeiros favoritos. Numa dessas peregrinações artísticas, ele acabou tropeçando numa montanha perto da cidade onde Maria morava e o acidente foi feio. Após uma queda brutal, o homem ficou seriamente ferido. Felizmente, Maria estava passando por perto e teve o bom coração de salvá-lo.

"Droga! Eu simplesmente não tenho sorte...", Vincent reclamou em voz alta após ser descaradamente rejeitado de novo.

"O que houve? Aconteceu alguma coisa com você?", soou a voz de um convidado na casa de Vincent, um tipo de ocasião rara na vida do homem.

"Deixe-me adivinhar... Você foi rejeitado novamente, certo?", o jovem convidado perguntou com um sorriso brincalhão. Ele parecia conhecer Vincent tão bem que, sem nenhuma pista, foi capaz de sugerir diretamente o que o tinha chateado há pouco.

Vincent encarou seu convidado com uma expressão deprimida e frustrada. "Minha querida discípula não quer me aceitar como seu mestre. Você deve saber como isso me deixa triste..."

O jovem convidado, que estava sentado na sua cadeira de rodas, concordou com a cabeça, mas preferiu permanecer em silêncio. No fundo, ele queria dizer que a garota misteriosa não poderia ser sua discípula, antes de ela aceitá-lo como seu mestre. Mas o jovem não quis esfregar sal nas feridas abertas do velho amigo.

Sempre que tinha chance, Vincent falava sem parar sobre essa suposta discípula, mas quando o jovem tomava a iniciativa de perguntar mais sobre ela, o mestre ficava na defensiva, extremamente relutante em revelar mais informações. Até mesmo o nome da garota permanecia desconhecido.

"Sou um velho solitário e ela é uma órfã", Vincent continuou. "É a configuração perfeita para nós dois! Se ela concordasse em ser minha discípula, legalmente falando, eu poderia trazê-la para a minha casa para cuidar dela. Então, eu poderia deixá-la cozinhar para mim todos os dias... Hum! Quero dizer... Eu passaria para ela todos os ensinamentos sobre as esculturas de jade."

Assim que percebeu ter falado demais, o rosto de Vincent ficou vermelho como um tomate. Embora tivesse tentado se corrigir, seu convidado já tinha ouvido o que ele disse em alto e bom som. Numa reação espontânea, o jovem deu uma gargalhada, tapando a boca apenas por educação. O incidente lhe pareceu tão inusitado e engraçado que ele simplesmente não conseguia parar de rir.

Vincent, por outro lado, ficou profundamente envergonhado pela sua gafe. Afinal, como ele conseguiu deixar escapar seu motivo oculto para tentar transformar essa garota em sua discípula?

"Anthony, pare de rir! Você ainda não provou os pratos que ela faz, então não tem como saber o quão sensacional é a culinária dela! Ah, só de lembrar, fico com água na boca. Tenho certeza de que se você experimentar, vai acabar se apaixonando por ela! Falando nisso... você ainda está solteiro? O que acha de eu apresentá-lo à minha discípula? Juro que você não vai se arrepender."

"Não, obrigado!", Anthony recusou com um sorriso amargo. "Vovô já me arranjou alguém para me casar..."

"O quê?", Vincent perguntou, incapaz de acreditar no que acabara de ouvir. "Ouvi dizer que você e seu avô tiveram uma briga séria e que ele até te privou do direito de ser seu herdeiro, não foi? Qual é o sentido desse casamento arranjado, então?"

'Desentendimento', Anthony pensou consigo mesmo, achando que era um termo muito melhor para definir o que aconteceu. Sem demonstrar nenhum sinal de frustração ou decepção, o jovem simplesmente esboçou um sorriso.

De repente, Vincent perguntou num tom estranhamente sério: "Você acredita no destino? Passei a minha vida inteira em busca de um discípulo qualificado para dar continuidade ao meu trabalho. A busca parecia inútil e não foram poucas as vezes em que pensei em desistir. No entanto, foi na situação mais inusitada da minha vida que eu a conheci! Você acredita que nosso encontro só aconteceu porque eu sofri um acidente perto das montanhas? Já disse e repito: isso foi obra do destino!"

"Um acidente nas montanhas?", Anthony repetiu em voz baixa, suas sobrancelhas ligeiramente franzidas.

"Exato! Se isso não é obra do destino, não sei mais o que pode ser!"

A conversa seguiu por mais alguns minutos até que Anthony achou que era hora de se despedir do amigo. Ao sair, o jovem levou consigo uma estátua de Buda esculpida em jade, uma das obras mais famosas de Vincent e, na verdade, o principal motivo da sua visita ao velho amigo.

Após a despedida, Anthony voltou para a casa da família Wilson, em Sheffield. Assim que o jovem entrou na enorme mansão, ele se deparou com o seu tio, Raymond Wilson, que estava encarregado de resolver todos os assuntos da família Wilson.

Quando viu Anthony sentado na sua cadeira de rodas elétrica, um ar de sarcasmo e condescendência envolveu toda a existência de Raymond.

"Ah, Anthony! Você está de volta. Esse é o presente de aniversário que você pretende dar ao seu avô? O que você tem aí...", ele tentou dizer, mas sua voz desapareceu completamente quando viu a estátua de Buda de jade no colo do sobrinho. Seu sorriso presunçoso também se dissipou imediatamente, restando apenas uma expressão de surpresa absoluta no seu rosto. "Isso é a... famosa estátua de Buda feita pelo próprio Mestre Vincent? Mas... como você conseguiu isso?"

Impaciente, Anthony não estava com disposição para conversa fiada, então ele decidiu dar um fim àquela conversa antes mesmo dela engatar. "É sim. Agora, por favor, me dê licença."

Com essas palavras, o jovem saiu do recinto e Raymond foi deixado lá, acompanhado da mera figura do sobrinho se afastando lentamente, enquanto seus olhos ardiam de ciúmes. "Huh!", ele zombou com desdém. "Papai já desistiu inteiramente dele, mas parece que o garoto não quer desistir. Ele acha mesmo que pode consertar tudo apenas por adquirir grandes peças do trabalho de Vincent? Ele, que vá sonhando..."

Embora Raymond quisesse muito acreditar nas suas palavras, bem no fundo, ele não podia deixar de se sentir preocupado. Todos os membros da família Wilson sabiam o quão bravo Michael estava com seu neto, mas Raymond era um dos que mais gostava e se beneficiava de toda a situação. Michael não mudaria de ideia só por causa de uma estátua de Buda, certo? Sinceramente, Raymond esperava que não.

Desde que Anthony saiu de cena, ele praticamente assumiu todas as responsabilidades da família Wilson, se tornando uma espécie de novo chefe. Era evidente que ele não queria perder o poder que tinha acabado de adquirir só porque Anthony, teoricamente falando, seria capaz de consertar as coisas com Michael.