Há um provérbio japonês que diz que você tem três faces. A primeira face você mostra pro mundo. A segunda face você mostra para os seus amigos mais próximos e familiares. A terceira face, você nunca mostra pra ninguém. É o reflexo mais verdadeiro de quem você é.. .... Vivendo uma vida tranquila e " perfeita", Elizabeth vê o caos se infiltrar em sua vida com a morte prematura de sua mãe. Ela foi assassinada, e as respostas eram vagas, despertando sua ânsia pela verdade. Procurar por respostas foi sua decisão, mas Elizabeth não esperava mergulhar no caos, nem encontrar a podridão que a envolvia. As máscaras caíram, e a nua verdade saiu do poço em que se escondia lhe fazendo desejar ter aceitado a tão bonita e enfeitada mentira. Sem poder fugir da verdade que tanto queira, magoado com as coisas que não conseguia lidar, chegou a se perguntar qual entre as duas, verdade ou mentira, era a verdadeira arte.
Quão chata pode uma pessoa ser?
Foi isso que Elizabeth se perguntou quando vagarosamente ouviu sua porta ser aberta. Não era exatamente um inimigo se aproximando, ou alguém de quem não gostasse, mas ainda assim a menina de cabelo negro revirou os olhos com a visita "repentina".
Ainda estava embrulhada no seu lençol amarelo quando passos vacilantes se aproximaram.
Aquela figura bonita e nada mistériosa que entrava silenciosamente, porém com um pressentimento barulhento em seu quarto, havia ligado fazia já algum tempo. E não que Elizabeth fosse uma menina má ou não gostasse da boa compainha da amiga, mas se sentia cansada e queria dormir até bem tarde.
Foram palavras como: '' Não venha Clarinha, hoje quero dormir até às 10 horas e não vou nem te prestar atenção''
Claro que Elizabeth não sabia que existia um motivo para que a outra lhe tirasse de seu sono e quisesse lhe ver assim tão cedo, então mais uma vez lhe repetiu que esperasse pelo raiar do sol. No entanto, Clara não era exatamente conhecida por ser obediente ou paciente, então lá estava ela, em sua porta naquele começo de manhã.
- Liz. - Ouviu a loira. E mais uma vez pensou no quanto considerava chata aquela criatura que com orgulho chamava de melhor amiga.
Então fingindo que não ouviu, Elizabeth ignorou.
- Liz. - Chamou novamente. Desta vez chegou mais perto. - Está acordada? - Questionou tomando assento nos pés da cama. Não era tímida, mas naquele momento sua voz e rosto remetiam a isso.
Eram quase 6 da manhã.
Com o olho meio aberto, Elizabeth pode espiar pelo relógio que se encontrava em seu criado-mudo. Virada de costas para amiga, apertou os olhos e pensou no quanto se arrependia de viver perto de Clara, e lhe dava vontade de ir viver com o tio do outro lado da cidade.
Então, voltou a ignorar o chamado.
Qualquer outro dia teria adorado a visita, um em que não tivesse sofrido com insónia por boa parte da noite, ou outro que não estivesse levemente irritada por ter sido acordada quando finalmente conseguiu dormir. Porque foi exatamente o que fez o telefonena anterior.
Então não, não queria a amiga às 5 para conversar.
"Vá embora, me deixe dormir."
Suplicou mudamente.
- Sei que está acordada. - Clara retornou cutucando seu pé, tendo como resposta, apenas a vontade da outra de levantar e esmurrar seu rosto. - Lizy. - Desta vez havia súplica em sua voz, e talvez algum desespero. Rabugenta, Elizabeth não se moveu. Embora desconfiasse que não conseguiria, pretendia mesmo voltar a dormir. - Elizabeth. - Exclamou irritada. - Se não levantar agora vai ficar sem amiga. - Ameaçou pondo-se em pé.
Ignorou.
Pretendia lhe vencer pelo cansaço, que se deitasse e cochilasse, depois poderiam conversar o quanto fosse necessário. Mas também sabia que eram falsas as ameaças por ela proferidas, então não surtiram qualquer efeito.
- Levanta Liz, preciso mesmo falar com você. - Clara tentou mais uma vez, desta vez chacoalhando a amiga. Havia mais súplica e desespero na sua voz do que antes, e só por isso Elizabeth decidiu ceder e responder.
- O que quer Clara? - Perguntou impaciente sentando-se sobre o objecto em que repousava. Jogou o lençol para lado e fechou a cara, esperava com isso, demonstrar seu descontentamento.
- Por que estava me ignorando? - No mesmo tom que a outra, Clara questionou colocando as mãos na cintura. Tinha uma cara não muito boa e uma postura quase ameaçadora. Elizabeth rapidamente estreou os olhos com tal atitude.
"Do que ela está reclamando afinal, sou eu a lesada"
Na velocidade da luz, o pensamento passou por sua cabeça.
- Estava dormindo antes de ter ligado e me despertado. E estava tentando voltar ao mesmo antes de você ter chegado aqui com essa sua tentativa de não fazer barulho e ter acabado de vez com o que restava do meu sono. - A filha do doutor Almeida respondeu irritada. Desejava muito que seu rosto fosse capaz de transmitir o mesmo.
- Oh sim, sinto muito. - Com um ar constrangido, e saindo da postura de pessoa ofendida, Clara pediu coçando o supercílio. Elizabeth tentou não lhe perdoar tão cedo, não se comover pelo desespero que apresentava sua voz, mas achava que a loira tivesse algum feitiço que a impedice de ficar zangada, então cedo a perdoou.
Ou talvez fossem seus intensos olhos azuis, também já pensou.
- Tá, dessa vez eu deixo passar. - Resignada com a simpatia que nutria pela outra, Elizabeth comunicou voltando a deitar. Encarando o teto, as mãos tamborilhando em seu peito.
Percebenbo que havia sido perdoada, Clara repetiu o movimento lhe obrigando a recuar para o outro extremo da cama. Por instantes ficaram em total silêncio.
- Vou ficar desse lado aqui. - Comunicou. Queria falar outra coisa, mas foi aquilo que sua boca consegui dizer. Desviando as pedras castanhas do teto, Elizabeth se focou em observar o perfil da amiga.
Clara lhe pareceu triste, e também cansada. Também pareceu que tivesse chorado. Então rapidamente chegou a conclusão que estava se tornando permanente, havia tido problemas em casa.
Não directamente, mas a morena sabia o quanto lhe afectava.
- Hm. - Respondeu voltando a fitar o teto. Não se atreveu a perguntar o que a fez chorar, principalmente porque achava ter a resposta na ponta da língua. Era alguma coisa com relação aos seus pais. - Como entrou? - Pretendia lhe animar um pouco, esquecer o que fosse que lhe fez largar a casa às cinco da manhã para se refugiar na sua, e não apenas porque queria saber.
- Abrindo a porta. - Clara respondeu casualmente dando de ombros. Revirando os olhos, Elizabeth pensou no quanto a prefeiria bem humorada, mandona e bastante chata. Aquela Clara que dizia querer conversar e depois ficava em silêncio porque não sabia como explicar, não era a mesma que conhecia.
- Por onde mais teria entrado. Idiota. - Resmungou tentando ser severa. - O que eu quis saber é se você encontrou sua chave? - Reformulou gesticulando um pouco. Fazia um tempo que seus pais deram uma chave da porta principal para que sua amiga não precisasse bater à porta sempre que lá chegasse. Clara era da família, e os pais dela concordaram.
Não era uma forma de desrespeito ou tentar demosntrar superioridade em algum ponto, mas Anderson e a esposa entenderam que naquele momento, a família Molina vivia uma situação complicada, e que infelizmente Clara, havia sido apanhada no meio.
Eles tiveram aquele ideia após ela ter aparecido durante a madrugada. Estava chorando, e pelo que conseguiu explicaria, seus pais estavam brigando.
Preocupados, chegaram a pensar que se tratava de uma agressão. Mas indo até lá, Anderson e Mariana confirmaram que era apenas uma discussão normal. Havia saltado de seus quartos, e afetado a filha mais do que imaginavam... Então conversando com casal Molina, eles disseram que Clara poderia passar quanto tempo quisesse em sua casa, enquanto acertavam as coisas.
Não houveram objeções, apenas pedidos de desculpas constrangidos e agradecimentos por serem tão bons com sua menina. Clara passava um tempo com eles vez ou outra, mas fazia meses que não aparecia de madrugada.
- Não, eu não consigo mesmo lembrar onde a deixei. Mas seu pai abriu para mim, então tudo bem. - Esclareceu enquanto dobrava as mãos por trás da cabeça para usar de apoio. - Acho que ele estava chegando do plantão do hospital, tive sorte. - Acrescentou. Sua voz não carregava doçura, alegria ou qualquer outro dos sentimentos bons que sempre transmitia quando falava. Na verdade, estava monótona, triste e cansada.
Parecia mesmo que estivesse carregando uma tonelada. O que de certa forma, era verdade.
E embora quisesse muito saber o que tanto a afligia, porque aos seus olhos parecia pior do que das outras vezes, Elizabeth não ergueu a voz para questionar. Não considerou o momento oportuno.
- Teve mesmo. - Concordou. Em um movimento se posicionou na lateral do corpo, e se movendo tal igual a sua melhor amiga, Clara e ela ficaram de frente uma para outra. - Se não fosse pelo meu pai teria ficado na porta, até o dia seguinte. - Tentando fazê-la sorrir, Elizabeth brincou.
Não funcionou.
- Não dúvido, mas se tio Anderson não tivesse aberto para mim eu teria derrubado com meus pés. - Clara deu de ombros fazendo uma expressão dessinteresada com o rosto.
- Também não duvido. - Novamente, Elizabeth concordou. Tinha uma altura mediana, lábios carnudos e cabelo cacheado que muito lhe lembravam os da mãe. - Quase 6 Horas. - Constatou ao olhar o relógio no criado mudo. Era um daqueles redondos que faziam bastante barulho quando se ligasse o alarme. Era um presente de sua mãe, mas ainda queria saber onde foi comprado. - De quem é o carro que roubou desta vez? - Perguntou noutra tentativa de lhe tirar aquele ar calado.
Clara sabia dirigir, então pegava o carro do pai ou da mãe para sair por aí. Não era frequente, mas considerando que ainda não tinha nem dezoito anos e nem a carteira de motorista, ela não deveria tirar o veículo da garagem.
- Não roubei, tirei emprestado. - Emburrando a cara, a jovem cujo sonho era organizar casamentos, justificou-se. - E o carro é do meu grandioso pai. - Proferiu com desdém. Elizabeth não se alarmou, afinal fazia tempo que sabia da relação conturbada de Clara com o pai, e embora nunca tivesse entendido o motivo para tal mudança, decidiu acreditar que tinha relação com os problemas que sua família vinha tendo.
Lembrava com detalhes da primeira vez que viu sua amiga tão abalada. As lágrimas, a frustração e raiva, eram coisas que não constavam bem em Clara.
Mas chorando em seu abraço, ela admitiu que temia que sua família se despedassase.
- Deveria tentar se entender com o seu pai, Clara. - Aconselhou. Faziam meses desde que a relação deles mudou, e como ela mesma disse, passou a "odiar" o pai.
Elizabeth já havia perguntado qual o motivo para tal mudança, se não era apenas o medo de uma filha em se "separar" de seus pais, mas ela sempre dizia que não era nada que não pudesse resolver.
Com esperança, Elizabeth deixou de perguntar, principalmente porque chegou a se aborrecer com a resposta evasiva.
- E eu tento. - Afirmou. Suas palavras transmitiam veracidade, mas em seu coração mágoa por não conseguir. - Mas ele quem não colabora. - Desta vez havia ressentimento e alguma coisa parecida com raiva em sua fala. Foi rápido, mas Elizabeth notou quando a voz se tornou mais pesada. - Não quero falar sobre o meu pai agora Liz, quero apenas dormir pelas próximas duas horas e meia. E aproveitar a paz. - Desconversou puxando uma almofada para si. Virou de costas a tempo de impedir que a amiga visse a lágrima que desenhou seu rosto.
- Eu nem deveria deixar você dormir, só por vingança mesmo. - Comentou a anfitriã. Queria lhe abraçar e dizer que tudo ficaria bem, fosse o que fosse, mas sabia que a amiga detestava que invadissem seu espaço quando não solicitado, então não avançou.
- Não seja má Liz, eu tive uma noite horrível. - Reclamou. Na verdade, sua cabeça estava tão cheia de coisas que ainda não havia dormido.
- Idem. - Retrucou se ajeitando para dormir. A cobriu com o lençol, e depois ela mesma entrou de baixo dele.
- Bom descanso Elizabeth. - Clara balbuciou com a voz de sono.
- Bom descanso Clara. - Repetiu fechando os olhos.
[...]
- Bom dia amores! - Parada na sala e com uma energia que poderia ser distribuída, e ainda muito positiva, Mariana cumprimentou as meninas que calmamente desciam as escadas.
Aquela mulher jovial, doce e delicada, era a mãe de duas "crianças". Advogada de prestígio, e uma mulher da comunidade. E naquela manhã estava usando um blazer preto sobre o vestido cinzento e saltos também pretos. Tinha o cabelo ondulado solto, dando a impressão de que uma cascata caía por seu rosto enquanto o emoldurava em mais beleza.
E Elizabeth, ela amava demais aquela jovem senhora.
- Bom dia Tia Mariana. - Clara retribuiu imediatamente em um tom mais alegre, não lembrava em nada a menina tristonha de horas atrás. Tinha voltado a ter o brilho nos olhos, e já não se mostrava monótona aos olhos de quem quer que visse.
- Está linda hoje. - Descendo o último lance das escadas, Elizabeth elogiou indo abraçar sua matriarca. Todos os dias, e com a mesma energia, ela não se cansava de admirar a beleza em pessoa que era sua mãe - Hoje e sempre. - Corrigiu após Clara ter lhe repreendido com o olhar.
A jovem moça tinha uma teoria sobre como eram belas todas as mães, e o quanto a beleza crescia todos os dias. E como não estava errada nem nada, sempre reafirmava.
- Tenho que concordar com a Liz, tia está muito mais linda hoje. - Também lhe abraçando, espelhou o sorriso no rosto da senhora. Clarinha, como era carinhosamente chamada, era fã assumida de Mariana de Almeida, e sua amiga amava aquilo.
- Obrigado meninas. - Agradeceu se desvencilhando do abraço da menina loira. - Vocês também são muito lindas. - Elogiou se sentindo querida. A advogada irradiava felicidade, e se seu dia corresse como havia planejado, continuaria irradiando por muito mais tempo. - Também com pais tão lindos, seria impossível não serem tão lindas. - Retornou divertida dando de ombros. Mariana tinha carisma, e um ótimo humor que sempre lhe trazia boa compainha. - Adorei ver vocês crianças, mas agora preciso ir. O dever me chama. - Pegando algumas pastas que havia deixado sobre o sofá, a elegante senhora avisou.
- Tribunal? - Entusiasmada, Elizabeth perguntou. Não tinha interesse algum em se tornar advogada ou trabalhar com qualquer coisa que fisesse relação a Direito, mas não dispensava a vontade de assistir de perto a um julgamento.
- Sim, é um caso muito importante e hoje estará terminado - Falou com um sorriso no rosto. Sua expressão dizia o quanto amava a profissão que tinha e o quanto estava feliz com aquela última audiência. - Me desejem sorte. - Pediu depositando um beijo no topo de suas cabeças. Se a contra parte não apresentasse mais argumentos capazes de refutar os seus, e como já tinha as provas fornecidas pela polícia, tinha quase por certo que venceria.
- Boa sorte. - Desejou-lhe Clara de forma entusiasmada. Sua admiração em Mariana era pela mulher que ela era, não tinha qualquer relação com a advocacia, mas admitia que se sentia inspirada quando a ouvia falar sobre a profissão.
- Não que precise, mas boa sorte mamãe. - Sorridente, sua filha acrescentou. Usava um macacão amarelo com dois largos bolsos, e em um deles distraidamente guardou a mão.
- Obrigado meninas, vocês são espetaculares. - Com um sorriso desenhado seus lábios tingindos em rosa, ela docemente proferiu enquanto afegava o cabelo da filha. Apenas um sinal do amor que nutria por sua cria.
Mas Elizabeth não gostava de festinhas na cabeça, porque embaraçava seu cabelo crespo e depois "sofria" para pentear.
- Pare com isso. - Elizabeth falou de forma rabugenta enquanto retirava a mão da mãe de sua cabeça. Já esperando por aquilo, Mariana revirou os olhos e sorriu acolhedoramente como sempre sorria para os filhos. Ficou olhando dentro dos seus olhos por breves momento, mas que também pareceram uma eternidade. Beijou a testa da filha e então se pôs a marchar na direcção que dava acesso a garagem.
- Até mais lindinhas. - De costas, e no fundo daquele "corredor", Mariana se despediu colocando a mão na maçaneta.
Perdida em seus gestos e sem desviar dos movimentos, Elizabeth sentiu o peito apertar com o simples gesto.
- Até. - Respondeu Clara.
- Tenha um bom dia Elizabeth. - Antes de sair dali, e quando se virou para a filha, falando de forma doce e contida, Mariana desejou.