O carcereiro

...Guarde bem esta frase de Clarisse Lispector:

" Renda-se, como eu me rendi. Mergulhe no que você não conhece como eu mergulhei. Não se preocupe em entender, viver ultrapassa qualquer entendimento."

Em algum momento, essa frase fará todo sentido para nossa história.

- Seu velho imundo! - Grita um homem raivoso empurrando Jorge para fora do bar - Eu já cansei de falar para você não vir aqui! O que terei que fazer pra você sumir daqui?

Jorge cambaleando de bêbado, sai falando embaralhado como se quisesse responder aos insultos do dono do bar.

Ele cai na calçada e recebe ajuda de um jovem que estava no ponto de ônibus.

O mesmo jovem, ao ajudar Jorge se levantar, diz: - O senhor tem alguém que eu possa chamar para vir te ajudar?

Jorge, tremendo, aponta para uma moça que atravessa a rua preocupada.

- Pai, de novo? Pelo amor de Deus pai, o que o senhor está fazendo com sua vida?

Jorge abaixa a cabeça e começa a chorar. Lisa é sua única filha, ela já não sabia mais o que fazer para que seu pai pudesse se levantar e se recompor.

Jorge nem sempre foi assim, ele era um homem íntegro, trabalhador, honesto. Ele se casou muito jovem com Ana, a mãe de Lisa. Ambos se conheceram na escola, e logo se apaixonaram e começaram a namorar.

Quando ele estava terminando o ensino médio, Ana, o abordou dizendo que esperava um bebê.

Ele ainda imaturo não soube muito como reagir mas deu todo o apoio. Quando Ana estava no quinto mês de gestação, ela sentiu fortes dores enquanto dormia, assustada ela ligou para Jorge que foi correndo levar ela ao hospital. Quando chegaram lá, começou o sangramento e infelizmente o bebê não resistiu.

Após a perda, ambos ficaram ainda mais próximos, e permaneceram juntos um apoiando o outro. Três anos depois eles se casaram, e alguns meses depois, novamente, Ana engravidou.

Eles estavam eufóricos e tomando todos os cuidados necessários para que nada acontecesse com o novo bebê, infelizmente, mais uma vez Ana não conseguiu levar a gestação adiante, perdendo o bebê com apenas 3 meses.

Ambos estavam muito frustrados com a perda do novo bebê, e resolveram que já não tentariam mais engravidar sem antes buscar um longo tratamento intensivo.

Se passaram quatro anos desde que começaram os tratamentos e não tiveram nenhum retorno. Estavam a ponto de desistir de ter um bebê, quando em uma viagem Ana passou mal dentro de um restaurante de frutos do mar. Jorge preocupado em ser uma intoxicação alimentar levou Ana as pressas ao hospital.

Ao fazerem a bateria de exames, constatou que Ana esperava um bebê, e que ela já estava de quatro meses de gestação.

Como Ana era totalmente desregulada, ela nem levou em conta a ideia de estar grávida.

Ao saberem da notícia, e ver o bebê tão bem na ultrassom, ambos ficaram anestesiados. Quando o choque passou, eles se abraçaram e choraram muito de felicidade e clamaram para que Deus guardasse aquele tão desejado bebê.

A gestação foi muito tranquila, a neném era forte e agitada.

O seu nome foi escolhido com muito carinho, Lisa, que significa Deus é juramento, foi um bebê esperado com muito amor e carinho.

Cinco meses depois, nasce Lisa. A bebê mais linda que os dois já viram ou pudessem imaginar. Ela foi o maior presente para os dois, o que os uniu ainda mais.

Jorge era muito apaixonado por Ana, e era recíproco. Eles viviam juntos, faziam tudo juntos e queriam ver Lisa crescer com todo o amor possível que houvesse dentro deles.

Porém, Jorge não estava preparado para o golpe que iria tomar. Quando Lisa fizera 18 anos, sua mãe saiu para comprar seu bolo de aniversário, porém, ela sofreu um acidente onde foi atropelada e faleceu horas depois.

Jorge não podia acreditar que sua esposa amada havia partido tão abruptamente. Lisa perdeu o chão, sua amada mãe falecera na flor da idade e ainda tão cheia de vida e sonhos.

Ambos ficaram muito depressivos com a partida da amada Ana.

Lisa já não suportava sua dor, foi quando uma amiga de sua faculdade a procurou e deu a ela todo o apoio que ela precisava, ajudando ela a encontrar seu caminho de volta a vida e buscando seus sonhos.

O mesmo já não pode se dizer de Jorge, ele bebia e dormia. Ele perdeu todo o estimulo de vida, e injustamente culpava Lisa pela perda de Ana, pois se não fosse esse bendito bolo, Ana ainda estaria com eles.

Lisa sofria pela morte da mãe e agora pelo desprezo do pai.

Quatro anos se passaram nessa luta, e neste período além de beber, Jorge começou a jogar em apostas com dinheiro.

Lisa já não sabia mais o que fazer, ela sabia que o que o pai enfrentava não tinha nada a ver com ela, e maduramente entendeu que ele precisou aplicar a culpa em algo ou alguém. Com isso, ela nem conseguia sentir raiva do pai, somente pena. E ela sempre fazia de tudo para tentar ajuda-lo, mesmo custando sua paz, pois ele gritava com ela e a culpava todos os dias.

Jorge trabalhava numa indústria farmacêutica, a Advanced Pharmal, como supervisor de garantia de qualidade. Ele era muito inteligente e muito bom no que fazia, era referencia no mercado. Mas a morte de sua esposa o fez perder o rumo e quase perder seu emprego.

Com diversas reuniões seus companheiros o encorajaram a buscar ajuda de todas as formas possíveis, o que ajudou por um tempo, ele iniciou a terapia e conseguiu durante um tempo recuperar seu lugar no mercado.

Lisa estudava farmácia assim como seu pai se formou, ela tinha o sonho de dar orgulho a ele e de alguma forma o trazer de volta para perto dela.

Jorge citou ao dono da companhia que sua filha estava estudando farmácia, o que a ajudou a conseguir uma vaga na empresa como trainee.

Neste período de lucidez de Jorge, ele pode se aproximar da filha novamente, não era como antes, porém ao menos ele parou de culpá-la pela morte da mãe.

Jorge conseguiu se manter firme por um ano, até o natal do ano seguinte, onde os colegas de trabalho o chamaram para confraternizar em um bar próximo ao trabalho.

Lá tinham os tais jogos que Jorge adorava apostar, ele tremeu ao ver pois não queria ter uma recaída. Mesmo assim, ele bebeu o primeiro copo de cerveja, o que foi suficiente para que ele começasse a jogar. Neste dia ele chegou em casa com a ajuda dos amigos, quando Lisa viu ele naquele estado ela ficou muito irritada com os amigos de Jorge e disse: - Como vocês foram capazes de fazer isso com ele, ele é viciado e vocês o levaram a toca do leão!!!!!!

Eles sem graça não sabiam o que dizer, o deixaram lá e foram embora se sentindo culpados.

Ela o colocou debaixo de um chuveiro gelado, o que o fez começar a gritar. Lisa por sua vez, indignada com a situação gritou mais alto e disse: - NEM SE ATREVA A ME XINGAR, OLHA O ESTADO QUE VOCÊ ESTÁ!

Ele envergonhado terminou o banho e foi se trocar. Ela havia feito café sem açúcar e o mandou tomar, Jorge nem relutou, apenas abaixou a cabeça e tomou seu café reclamando de uma dor de cabeça insuportável.

Os dias foram passando, e ele voltava repetidamente ao bar, deixando lá pagamentos como seu relógio, brincos de Lisa, gravata, terno e tudo o que possuía. Até o dia que ele foi jogado para fora de lá porque tinha perdido tudo. E voltamos ao ponto inicial, quando ela foi buscar seu pai no bar.

O rapaz do ponto de ônibus os ajudou a chamar um Uber para que ela pudesse levar ele pra casa antes do seu patrão chegar.

Lisa já não sabia mais o que fazer.