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Ayla Garcia
— Você enlouqueceu, minha filha? O que pensa em fazer se deixá-lo? O que vai comer? Onde vai morar? O seu pai não vai permitir que volte para casa e ...
— Mãe, eu não estou feliz. Ele me bate por qualquer motivo.
— Isso é normal. Acha que é a única? Os homens são assim, precisam extravasar a tensão do dia de...
— Eu não acredito que estou ouvindo isso. — Levantei indignada. Estávamos sentadas no sofá da sala da casa dos meus pais.
— Seu pai fez isso várias vezes e nem por isso o deixei. Somos felizes.
— Não são não. — Fiquei abismada. Como nunca percebi que algo assim acontecia. Enquanto andava de um lado para o outro na sua frente, recordei vários momentos que sugeriam os maus-tratos; as constantes marcas no rosto e corpo dela que geralmente aparecia e era associadas a tombos. Imaginar que minha mãe suportava a dor de uma agressão constante doeu muito. — Isso não é normal e não vou agir como se fosse. Eu posso trabalhar, não sou nenhuma inútil.
— Quem você acha que vai te dar emprego nessa cidade? Você vai ser considerada uma adultera. Ninguém vai querer sequer estar perto. Estamos em uma cidade pequena, com pensamentos ultrapassados.
— Então eu vou embora. Posso conseguir trabalho na casa de alguma família longe daqui, pelo menos até conseguir algo melhor.
— Você não está pensando direito, filha, só volte para sua casa e seja uma boa esposa.
***
Acordei com a sensação do ônibus parando. Agradeci mentalmente por acordar e estar longe daquele pesadelo. Naquele dia, eu saí da casa dela aos prantos. Isso aconteceu muito depois da primeira vez que Roberto me agrediu. Eu esperava que não fosse acontecer novamente, mas depois da terceira vez, decidi dar um basta e visitei a casa dos meus pais e contei para minha mãe o que vinha acontecendo. Naquele dia me perguntei se realmente era algo comum, com o qual eu teria que me acostumar. Demorou para “cair a ficha” que minha mãe estava errada, não só em aceitar aquilo como normal, como ao me deixar literalmente viver as mesmas dores que viveu. Se morar com um homem significava se entregar a todo tipo de tortura eu poderia muito bem viver sozinha, não existia sexo que valesse a minha paz de espirito, muito menos minha saúde física. Se não era possível trabalhar e refazer minha vida na cidade onde nasci, faria em outra. Lutaria com todas as minhas forças. E seria feliz. Eu não seria como minha mãe.
A pessoa ao meu lado se levantou e começou a pegar suas coisas no bagageiro sobre nossas cabeças. Foi só assim que percebi que o ônibus havia não só parado, mas que chegamos em algum lugar de desembarque.
— Já estamos em São Paulo? — perguntei para a moça que viajou ao meu lado.
— Sim. Estamos no Terminal Rodoviário Tietê.
— Obrigada. — Era exatamente o meu ponto final. Pelo menos pelos próximos minutos, pois ainda faltava muito para chegar à casa de Helena.
Levantei também e peguei minha única mala, pequena o bastante para viajar comigo. Vez ou outra olhava ao meu redor, como se alguém pudesse aparecer de repente e me levar de volta. Só de pensar nisso meu corpo doía onde estava ferido. Segurei as lágrimas e peguei os transportes necessários para chegar até onde minha amiga de colégio morava.
Ela me esperava no ponto de ônibus. Não havia mudado muito apesar de ter passado tantos anos. Seus cabelos ainda era longos e negros, sua pele morena, desde a primeira vez que a vi que a comparo com as figuras de índias nos livros de história. Vê-la me fez recordar da nossa infância, de como éramos felizes e inocentes. Meus olhos se encheram de lágrimas com a saudade.
Ela veio correndo e me abraçou com força. Até tentei disfarçar a dor que seu abraço causou, mas ela percebeu.
— Não acredito que aquele miserável teve coragem de te machucar — falou indignada.
Lembrei da nossa conversa por telefone, onde expus brevemente o pesadelo que se tornou a minha vida com o meu companheiro.
— Eu tenho medo de te prejudicar vindo para a sua casa — confessei. Não tinha ideia se Roberto era louco o bastante para tentar me encontrar, mas no fundo sentia que essa possibilidade não era infundada. Alguém como ele poderia ser capaz de qualquer coisa.
— Gata, meu marido é policial e está louco para colocar aquele crápula atrás das grades. Ele odeia homem que machuca mulheres, crianças, idosos, qualquer um mais fraco. — Sua voz demostrava todo o orgulho que sentia do marido e todo o asco que dedicava a pessoas como Roberto.
— Fico que feliz que esteja casada com alguém assim. — Suspirei lembrando que os primeiros meses com Roberto foram incríveis, ele me tratava com rainha. Foi só um ano após começarmos a morar juntos que ele começou a se mostrar. Bebia demais e reclamava demais, e reclamar se tornou pouco, só se acalmava depois de descontar sua frustração em mim. E eu, idiota, nunca pensei em revidar. Afinal, a bebida o deixava assim, e ele passava os dias seguintes se desculpando e me mimando.
— E logo você também vai encontrar um homem de verdade que vai te fazer esquecer tudo aquilo.
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